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As principais variedades do repertório romano de hoje

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 77-81)

2.4 Da unificação até os dias atuais

2.4.2 As principais variedades do repertório romano de hoje

Trifone (2008, p. 106) traça as principais linhas do atual repertório linguístico romano, mas não através da articulação comum variedade alta/ variedade média/ variedade baixa. Isso porque o continuum romano não permite fazer cortes precisos entre um nível e outro, apresentando uma situação de ―confim muito difundido‖ entre as variedades. As categorias estabelecidas pelo autor são desenhadas levando em conta o comportamento do falante romano com relação ao italiano standard, e são:

 O italiano de Roma ou italiano standard inclui as mesmas particularidades de pronúncia que as pessoas instruídas (capazes de dominar o código escrito) costumam conservar, muitas vezes involuntariamente, também quando ―falam bem‖.

 O chamado ―italiano de Roma‖: é próprio dos romanos instruídos quando não se preocupam em ―falar bem‖, mas também dos romanos não instruídos quando, inversamente, tentam ―falar bem‖.

 O verdadeiro dialeto urbano: é a variedade mais distante do italiano standard.

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il dialetto non può essere considerato come una lingua adibita istituzionalmente all‘uso pi informale e disinvolto, ma come la lingua di quei ceti che, per grado d‘struzione, tipo di cultura, si pongono negli scalini più

bassi della scala sociale: la linea di demarcazione tra lingua italiana, varietà dialettale o dialetto tout court, non passa cioè attraverso il concetto di funzione, ma attraverso quello di valore sociale e di prestigio.

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Para Stefinlongo (1985, p. 52), o resultado é uma tripartição, que tem a vantagem de não cortar em nenhum lugar o continuum e, portanto, reflete melhor a realidade linguística romana: por exemplo, um mesmo falante romano poderia usar o italiano standard com estranhos, o italiano de Roma com os familiares ou os amigos e a variedade dialetal no estádio. Na parte central do continuum, o falante tem a possibilidade de «revezar continuamente traços do standard com traços do italiano ―romano‖ e de dialeto».

Trifone (1992, p. 582) relata que Tullio De Mauro (1995, p. 159) foi o primeiro a indagar sobre o percurso de aproximação entre os dialetos e a língua standard, distinguindo quatro principais variedades de italiano: setentrional, toscano, romano e meridional. No italiano de Roma (ou italiano standard), as características articulatórias e entonativas têm muita relevância, enquanto que há divergências com relação à pronúncia normativa. Um exemplo dessa divergência é o uso da vogal e, que pode variar entre aberta e fechada: o romano farébbe ‗faria‘, léttera ‗carta‘, trènta ‗trinta‘ em contraposição ao florentino farèbbe, lèttera, trénta; o romano colònna ‗coluna‘, dòpo ‗depois‘, pòsto ‗lugar‘ em contraposição ao florentino colónna, dópo, pósto.

Para Trifone (2008, p. 107) os fenômenos mais característicos do italiano de Roma ou standard são:

a) perda do elemento oclusivo na africada c(i), já presente na obra belliana na distinção entre pasce/pace ‗paz‘ e pesce/pece ‗betume‘;

b) reforço de b e g(i) nos tipos robba/roba ‗coisa‘, Luiggi/Luigi ‗Luís‘;

c) africação da sibilante depois de líquida ou nasal: penzo/penso ‗penso‘, borza/borsa ‗bolsa‘, falzo/falso ‗falso‘.

Já entre as características mais significativas do ―italiano de Roma‖, ou variedade média, em primeiro lugar encontra-se a e protônica, nos clíticos ti, mi, si, ci e na preposição di – fenômeno já presente no romanesco de primeira fase, que antecede o influxo toscano (TRIFONE, 2008, p. 29). Outros fenômenos característicos desta segunda variedade romana são:

a) semissonorização das oclusivas surdas tênuas p, t, k, quase como em ibodega/ipoteca ‗hipoteca‘;

b) passagem de gl a j intensa, que pode se reduzir a j (fijjo/fijo/figlio ‗filho‘) e a i fio/figlio – fenômeno que se desenvolveu entre os séculos XV e XVIII (D‘ACHILLE, 2012);

c) passagem de rr a r, como em guera/guerra ‗guerra‘ – fenômeno que se desenvolveu entre os séculos XVI e XVII (TRIFONE, 2008, p. 77), sendo, portanto, considerado

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romanesco de segunda fase, afirmando-se definitivamente após a forte corrente migratória pós-unitária, vinda sobretudo do centro-sul (TRIFONE, 2008, p. 120); d) palatalização de nj: gnente/niente ‗nada‘;

e) aférese dos artigos indefinidos un, una („n no lugar de un ‗um‘; „n‟ e „na no lugar de una ‗uma‘; „no no lugar de uno ‗um‘) e da vogal antes da nasal (me „nteressa/mi interessa ‗me interessa‘; se „mpegnano/si impegnano – ‗se empenham‘). A aférese indica a queda da vogal inicial de uma palavra e é muito comum na língua falada (especialmente nos níveis diafásicos e diastráticos baixos) (SORIANELLO & CALAMAI, 2005; MAROTTA, 2005);

f) aférese da sílaba inicial nos pronomes demonstrativos: „sto/questo ‗este‘, „sta/questa ‗esta‘, sti/questi ‗estes‘;

g) infinitivos apocopados: parlà/ parlare ‗falar‘ com retração de acento nos verbos da segunda classe: véde/vedere ‗ver‘. A apócope silábica indica a queda da sílaba final da palavra (BATTAGLIA & PERNICONE, 1951; SERIANNI, 1989), afirmando-se entre os séculos XV e XVI;

h) apócope no verbo essere na 1ª pessoa do singular e 3ª do plural (―sou‖ e ―são‖): da forma sò para sono.

Ao extremo inferior do repertório, Trifone (2008, p. 109) apresenta a terceira variedade, o romanesco, que os próprios habitantes da cidade às vezes denominam romanaccio quando se referem não tanto à variedade, mas a alguns componentes considerados mais vulgares. Pertencem a este nível, além dos já citados para as duas classes precedentes:

a) mudança do monotongo ò para o ditongo uò: bono/buono ‗bom‘ – romanesco de primeira fase (TRIFONE, 2008, p. 28);

b) passagem de a protônica a e nas proparoxítonas: levete/levati ‗saia‘;

c) assimilação progressiva de nd a nn (quanno/quando ‗quando‘) e de ld somente em callo/caldo ‗calor‘ e derivados romanesco de primeira fase ou antigo (TRIFONE, 2008, p. 29);

d) rotacismo do l antes da consoante (cortello/coltello ‗faca‘) e no artigo masculino singular (er/il ‗o‘) – fenômeno que se estabiliza no romanesco a partir do século XVII, embora já estivesse presente em Stravaganze d‟amore (1587);

e) lex Porena: variação de dois ll a um l nas preposições articuladas (delo/dello,

dela/della „do‘, ‗da‘) e no pronome demonstrativo (quelo/quello ‗aquele‘)

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preposições articuladas (a mojje/la moglie ‗a esposa‘; daa tera/dalla terra ou della terra ‗da terra‘), com concomitante alongamento da vogal (oo/lo) – traço desenvolvido em decorrência das migrações pós-unitárias, afirmando-se nas últimas décadas do século XX e levando o nome do crítico que, em 1925, o descreveu (Manfredi Porena). Em Roma città aperta e Il sorpasso, observamos que não há casos do fenômeno da passagem de ll a l; já em Viaggi di nozze, este é um traço predominante nas falas de Ivano;

f) palatalização de ng em gn: magnà/mangiare ‗comer‘ – fenômeno que se desenvolveu entre os séculos XV e XVIII, sendo parte do romanesco de segunda fase (D‘ACHILLE, 2012);

g) variação de tt a um t: matina/mattina ‗manhã‘;

h) duplicação: das consoantes iniciais em llì ‗ali‘, llà ‗lá‘, ppiù ‗mais‘, cchiesa ‗igreja, ssedia ‗cadeira‘; de m em nummero ‗número‘; de d em luneddì/lunedì ‗segunda-feira‘; de l em ce ll‟ho/ce l‟ho ‗eu tenho‘;

i) apócope dos alocutivos: perda da sílaba átona final, como em dottó!/dottore! ‗doutor!‘ e Marcè!/Marcello! ‗Marcelo!‘;

j) apócope pós-vocálica: indicada pelo apóstrofo na língua escrita (SERIANNI, 1989, p. 81), é muito usada em algumas variedades regionais do italiano falado, sobretudo em contextos diafásicos baixos, com muitas classes morfológicas, como, por exemplo: apócope dos possessivos (mi‟/mio padre ‗meu‘) e dos numerais (du‟/due ‗dois‘); k) u protônica no lugar de o: nun/non ‗não‘, que pode se reduzir a n‟;

l) apócope de r em per e de n em con: pe/per ‗para‘ ‗por‘, co/con ‗com‘; m) enfraquecimento da consoante v intervocal: davero/davvero ‗verdade‘.

Para Stefinlongo (1985, p. 51), estas e outras peculiaridades não constituem um idioma unitário, alternativo com relação ao standard, e sim uma «variedade dialetal urbana» do italiano. Neste sentido, o estudioso Bernhard (1992) sugere a denominação de ―romanesco de terceira fase‖ para tal variedade pós-belliana, uma vez que se caracteriza pelo declínio de alguns traços dialetais e, por outro lado, por alguns traços inovadores, como, por exemplo, o tipo anafonético fongo substituído por fungo, ou as formas do imperfeito do indicativo, como stamio/stavamo ‗estávamos‘, quase desaparecidas; ou, ainda, a generalização da redução de r (guera) e o enfraquecimento do l nas condições da ―lex Porena‖.

Trifone (2008, p. 111) ressalta que a etiqueta de ―romanesco de terceira fase‖ introduz alguns elementos de desequilíbrio na periodização. Isso porque, se pensarmos que cada tipo de romanesco, seja o de primeira fase ou o de segunda fase, durou aproximadamente

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meio milênio, o romanesco de terceira fase teria pouco mais de um século. A propósito disso, Vignuzzi (1994, p. 29), diferentemente, prefere usar a fórmula ―romanesco de segunda fase e meia‖. De fato, considerando a escolha de Vignuzzi, Trifone ressalta que, devido à dificuldade de interpretar um processo ainda em andamento e que poderia durar por um tempo indefinido, não se pode dizer com certeza se a etiqueta ―romanesco de terceira fase‖ se caracteriza principalmente pelo desenvolvimento de novos elementos dialetais ou pela italianização ou pelas duas coisas.

Portanto, para Trifone (2008, p. 111), o romanesco belliano já poderia ser definido de ―segunda fase e meia‖, se considerarmos as suas diferenças comparado com o romanesco dos séculos XVI e XVII, quando o dialeto estava em plena segunda fase. Nesse sentido, de acordo com o estudioso, a fórmula proposta por Vignuzzi abrangeria um princípio de validade geral: a evolução linguística não prossegue tanto por fases, mas, sim, por meias fases, como é o caso atual do romanesco, que atravessa uma fase intermediária, com desenvolvimentos futuros imprevisíveis.

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