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Do século XVII à unificação

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 70-73)

Trifone (1992, p. 566) cita os números de Castiglioni (1881) e Friz (1974) para comprovar o forte aumento demográfico em Roma, sobretudo em virtude da população proveniente do Lácio e das outras regiões do Estado Pontifício após os acontecimentos do século XVI. Em 1600, os habitantes são mais de 100 mil; em 1700 (ano jubilar), chegam a aproximadamente 150 mil, mantendo-se assim até 1800 e ultrapassando os 200 mil em 1870.

Paralelamente ao crescimento demográfico, Trifone verifica também que o desenvolvimento do comércio estimulou o interesse pelo uso funcional da escrita. Como resultado disso, houve grande procura por instrução, e, com o consentimento da autoridade pontifícia, promoveu-se o ensino elementar como meio de controle ideológico e social.

Nasce assim, em Trastevere, em 1597, a primeira escola popular gratuita da Europa, obra do sacerdote espanhol Giuseppe Calasanzio, aberta aos filhos homens de famílias pobres e administrada por religiosos. Durante os séculos XVII e XVIII, as estruturas escolares se consolidam e estendem a instrução também às mulheres. Todavia, Trifone (1992, p. 566) observa que, para quase todas as mulheres e para muitos homens, a educação se restringia à

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leitura, enquanto que o treinamento da escritura era dedicado somente a quem tinha exigências profissionais especiais.

Trifone (2008, p. 61) nos relata que a Igreja tinha uma influência tão forte sobre as massas populares que chegava a condicionar a vida da cidade, já que a presença de religiosos na capital do catolicismo era mais consistente do que em qualquer outra cidade da Itália, chegando a 5% da população. Roma se transforma em uma cidade de prestígio, devido às suas relações com os ambientes culturais e europeus, graças às bibiotecas e também à Universidade de Roma, que atraía estudantes vindos de todas as regiões da Itália e também do exterior.

2.3.1 Língua e dialeto no teatro romanesco do século XVII

Trifone (1992, p. 568) observa que o bom nível da instrução pública e a censura social sobre o romanesco influenciará a escrita dos falantes-escritores, o que explica o desaparecimento desta variedade dialetal nos textos após o século XVI. Em virtude disso, a literatura dialetal reflexa será a única fonte documentária para a reconstrução da sua evolução. A partir do contato com esses textos, Trifone (1992, p. 569) pôde verificar que algumas comédias do século XVII apresentavam personagens populares que falavam em romanesco e quase sempre eram figuras de servos, como já na comédia Le stravaganze

d‟amore, de Castelletti (1587). Diferentemente de Belli, os autores dos séculos XVII e XVIII

procuravam, ao usar o romanesco, um efeito bizarro e de diversão, como podemos perceber na comédia Falsi mori, de Giovanni Battista Pianelli (Roma, 1638), em que o arrogante Iacaccia é caracterizado através do uso do dialeto. Em Fausto ovvero il sogno di Don Pasquale, de Francesco Maria De Luco Sereni (Roma, 1665), o autor define, no prefácio, o romanesco dos personagens como uma «linguagem vil» 68, que revela a origem plebeia e, no caso de Pasquale, a sua deficiência intelectual.

Trifone (1992, p. 569) verifica também que, a partir da comparação da língua destas comédias com o romanesco ainda de primeira fase da Stravaganze d‟amore, percebe-se o avanço da toscanização. Mas, ao mesmo tempo, observa-se a presença de gírias, que serviriam para devolver um ―colorido‖ lexical ao dialeto; no diálogo de Ciumaca, em Torti vendicati, há uma forma relevante do ponto de vista do dialeto: carche/qualche ‗alguma‘, com a redução de qu- a simplesmente k- e a passagem da l pré-consonântica a r (rotacismo). Este último fenômeno se estabiliza no romanesco a partir do século XVII; todavia, carche já pode ser encontrado em Stravaganze d‟amore.

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No plano morfológico, aparece a segunda pessoa do plural do perfeito mettessivo/metteste ‗vocês colocam‘, além de outras formas, como a assimilação de ND a nn, a

africação da sibilante em parze/parse ‗pareceu‘ etc. Nesse caso, a caracterização cômica da linguagem de Ciumaca deve-se à bizarria do léxico da gíria, representado por palavras como bruna/notte ‗noite‘ e pietro/mantello ‗manto‘.

Em seguida, falaremos também um pouco sobre alguns poemas do século XVII, importantes por constituirem documentos da progressiva evolução do romanesco.

2.3.2 Os romanos Peresio, Berneri e Micheli

Alguns poemas heroico-cômicos em dialeto datam das últimas décadas do século XVII: Jacaccio, de Giovanni Camillo Peresio, e Meo Patacca, de Giuseppe Berneri, cuja fala foi considerada por Micheli, no século sucessivo, «[...] hermafrodita, não sendo nem bom romanesco, nem bom toscano» 69 (TRIFONE, 2008, p. 66).

Mas, como observa Trifone (1992, p. 570), o estudo dos poemas deste período também indica que o romanesco continuava a ser usado para a caracterização de pessoas vulgares. De fato, em Il Jacaccio overo il Palio conquistato, o autor faz uso do dialeto do «povo vulgar», que, «para se distinguir dos nobres e cidadãos romanos, é chamado de romanesco» 70. Tal juízo confirma a acentuada estratificação linguística da cidade, em que o italiano convive com o romanesco do povo, enquanto que esta última variedade é instável e influenciada pela língua de prestígio.

Segundo Trifone (1992, p. 571), Benedetto Micheli (1699-1784) foi a maior testemunha da fala urbana, uma vez que conseguiu captar a variabilidade característica do dialeto de Roma, resultado do cruzamento da variedade alta e baixa.

2.3.3 Giuseppe Gioachino Belli

No século XIX, Giuseppe Gioachino Belli (1791-1863) escreve em romanesco os Sonetti, uma obra-prima da poesia italiana. Já na Introduzione ai Sonetti, é possível perceber o juízo negativo de Belli com relação ao romanesco: uma «língua defeituosa e corrompida»,

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ermafrodito, non essendo né buon romanesco, né buon toscano. 70

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que não pode chamar-se «italiana e nem romana, mas romanesca», filha bastarda de uma «plebe ignorante» 71.

Trifone (2008, p. 74) verifica que nos Sonetti é possível perceber a pressão do italiano sobre o romanesco: no âmbito fonético, percebe-se o italianismo (varda > guarda ‗olha‘; immriaco > imbriaco ‗bêbado‘); já quanto ao léxico, há a alternância de palavras em romanesco com sinônimos em italiano (mo/adesso ‗agora‘; zompá/sartà ‗pular‘).

Ainda de acordo com Trifone (1992, p. 573-4), a sensibilidade linguística e a capacidade de captar a polimorfia do romanesco presentes em Belli podem ser verificadas através da passagem de rr a um só r, constituindo a mais importante inovação fonológica do romanesco daquele período. Trata-se de um fenômeno presente no uso comum da cidade, que pode ser demonstrado no soneto L‟astrazione de Roma, com a palavra terina/terrina ‗sopeira‘, primeira forma usada pelo povo comum.

Tal fenômeno se introduz em Roma entre os séculos XVI e XVII, em decorrência da imigração do restante do Lácio e das outras zonas do Estado Pontifício, onde a substituição do tipo tera por terra ‗terra‘ é muito difundido, mas se afirma somente nos sonetos de Chiappini, depois de 1865. Isso explica por que com Belli as formas com dois rr prevalecem, embora já constituam um grupo relevante: teremoto ‗terremoto‘, vorebbe ‗gostaria‘, aringrazià ‗agradecer‘ e muitas outras. Trifone (2008, p. 77-78) nos faz perceber a adesão belliana à realidade instável e multiforme do romanesco do século XIX, um dialeto cuja interferência com o italiano havia se fixado no uso culto.

Concluímos esse período com o balanço feito por Tullio De Mauro (1995, p. 26), o qual observa que na metade do século XIX Roma era o único centro não toscano em que a italofonia era uma obrigação social, sendo compreensível em toda a Península logo após a unificação. Diferentemente dos outros estados italianos pré-unitários, em Roma o dialeto era o idioma desprezado das classes subalternas, relegado aos níveis sociais mais baixos.

No documento – PósGraduação em Letras Neolatinas (páginas 70-73)