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Parte III – Princípios

Capítulo 5 Direito de Propriedade, Direito ao Meio Ambiente, Direito à

5.9. Ação Civil Pública

Por fim, o Poder Judiciário tem se deparado com Ações Civis Públicas versando sobre parcelamento clandestino do solo em áreas de proteção ambiental. A Lei nº 7.347/85 atribui legitimidade para o ajuizamento da Ação Civil Pública ao Ministério Público, União, Estados, Municípios, autarquias, empresas públicas, fundações, sociedades de economia mista e associações constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre suas finalidades institucionais a proteção do meio ambiente, do consumidor, da ordem econômica, da livre concorrência e do patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Contudo, a prática demonstra que cerca de 95 % das Ações Civis Públicas são ajuizadas pelo Ministério Público. Em relação aos danos à ordem urbanística, há algumas ações ajuizadas por Prefeituras Municipais e por associações de moradores, prática que se mostra bastante salutar.

A Ação Civil Pública poderá ter por objeto a condenação em dinheiro ou o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer. No que tange ao parcelamento ilegal do solo, os pedidos formulados nas Ações Civis Públicas são de regularização do parcelamento, se ela se mostrar viável, ou de desfazimento. Os pedidos de desfazimento têm sido reservados para casos em que a regularização seja totalmente impossível, especialmente em virtude da implantação do parcelamento em áreas de

42 FERNANDES, Edésio. Princípio, Bases e Desafios de uma Política Nacional de Apoio à Regularização Fundiária

Sustentável. In ALFONSIN, Betânia e FERNANDES, Edésio (org. e co-autores). Direito à Moradia e Segurança da

proteção ambiental, ou quando o loteamento ainda se encontre em fase inicial43 ou, ainda, para casos em que o desfazimento não acarretará problema social, como no caso de chácaras de lazer em áreas de preservação permanente.

Quando a ação versa sobre loteamento para fins de moradia de população de baixa renda, os Promotores de Justiça, num primeiro momento, formularam pedidos de desfazimento do loteamento, com a restituição da área ao estado anterior. Atualmente, há uma tendência a formular pedidos de regularização, ainda que essa encontre algum óbice legal, exigindo-se adaptações ou compensações pelo descumprimento da lei. Essa postura visa viabilizar o cumprimento das decisões da justiça e resguardar o direito à moradia das populações envolvidas. Também tem ocorrido o ajuizamento de ações pedindo exclusivamente a indenização dos danos urbanísticos e ambientais acarretados pelo parcelamento irregular.

Não é possível fornecer um panorama amplo da postura do Poder Judiciário nessas ações. Nos casos de loteamentos passíveis de regularização, que são bem mais simples, os juízes têm determinado que ela ocorra. Já nos casos em que a regularização implique o descumprimento de alguma norma legal, não há decisões suficientes para se demonstrar uma tendência.

Contudo, vale registrar uma sentença pioneira da Comarca de São Bernardo do Campo, que julgou parcialmente procedente o pedido formulado em uma ação civil pública versando sobre loteamento clandestino em área de proteção aos mananciais, condenando os réus a remover o asfalto e pavimentar o sistema viário com material não impermeável (paralelepípedos ou bloquetes); construção de poços de captação e percolação das águas superficiais; remover o pavimento impermeável das calçadas, com substituição por grama, ressalvados os acessos para veículos em garagem; implantar sistema de coleta e tratamento de resíduos líquidos e sólidos ambientais, com a proibição de desaguarem na represa e aquisição de área contígua

43 Cumpre esclarecer que as ações civis públicas com pedidos de desfazimento também continham pedidos de

indenização dos adquirentes. Elas começaram a ser propostas no início dos anos noventa, especialmente em casos em que a implantação do loteamento estava em fase inicial. Era formulado pedido de liminar para paralisar a implantação. Ocorre que as liminares, embora tenham sido concedidas, acabaram não sendo respeitadas, de modo que, o pedido de desfazimento, que na petição inicial se referia a poucas casas, no final do processo abrangia centenas de moradias, panorama não antecipado quando do ajuizamento das ações.

de compensação, que represente outros 30% da gleba, a ser destinada a área pública, sem impermeabilização do solo, impondo ainda o pagamento de indenização pecuniária pelos danos causados ao meio ambiente.

Recorreram os réus e o Ministério Público, este último pretendendo, entre outras providências, a recuperação das áreas de preservação permanente do art. 2º, do Código Florestal, ou de primeira categoria, como denominadas pelas Leis Estaduais nº 898/75 e 1.172/76, o desassoreamento dos cursos d’água e da represa e que a área de compensação seja alterada quanto ao seu tamanho e à sua localização, devendo ser adquirida área livre e vegetada de 129.500 m², tendo como parâmetro o tamanho mínimo do lote preconizado na legislação de mananciais, então de 500 m², não sendo necessariamente área contígua, desde que próxima e dentro da sub-bacia hidrográfica da represa Billings, com o que se facilitará a aquisição. Foi negado provimento ao recurso dos réus e acolhido parcialmente o recurso do Ministério Público, nos seguintes termos:

Verifica-se, primeiramente, que o mesmo não concorda com a parte da sentença que dispôs que ‘a

consolidação da ocupação inviabiliza até mesmo a demolição das construções em área de preservação permanente’, alegando que as fotos revelam claramente que há ocupações em áreas de risco, que, por

isso, não podem ser ocupadas da forma como estão sendo, devendo ser preservadas permanentemente. E tem razão o apelante, porque não bastasse a determinação legal de que se trata de área de preservação permanente, fácil compreender os riscos de edificação nesses locais, tanto para a família que irá ocupar a residência, como em relação aos danos ao meio ambiente em face de deslizamentos e assoreamentos. Esses locais não podem receber edificação alguma, ficando os réus obrigados a apresentar, no prazo de 60 dias, projeto técnico definindo os locais onde se faz indispensável a recuperação vegetativa, atendidas as exigências legais.

Ainda, tem razão o autor ao reclamar o condenação dos co-réus em proceder o desassoreamento dos cursos d’água e da própria represa, já parcialmente atingida, como mostram as fotos. Esse, aliás, o principal objetivo da ação.

Quanto à área de compensação a ser adquirida pelos réus, realmente ela não pode se limitar a 35% da gleba, percentual que diz apenas com a necessária à implantação do loteamento (Lei nº 6.766/79), sendo razoável aquela alvitrada pelo Ministério Público, de 129.500 m², cujo cálculo considera a compensação em relação ao dano efetivamente causado. Aí, a área não precisaria ser contígua, mas próxima, desde que dentro da sub-bacia hidrográfica da Represa Billings.” (Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça de São Paulo na Apelação Cível nº 125.688-5/9-00, de São Bernardo do Campo).

Portanto, em sede de Ação Civil Pública, o Poder Judiciário é capaz de encontrar soluções alternativas, e espera-se que o exemplo supra seja seguido por outros juízes.

5.10. Conclusão.

De modo geral, ao longo do tempo, o Poder Judiciário tem se posicionado de acordo com o conceito tradicional de propriedade estabelecido pelo Código Civil. Essa postura pode ser notada nitidamente a partir da análise de Ações de Reintegração na Posse, conforme dito acima.

Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, e especialmente no período mais recente, a Justiça passou a se preocupar mais com o atendimento da função social da propriedade e daí surge a busca por soluções alternativas, capazes de equacionar os conflitos envolvendo o direito de propriedade, o direito ao meio ambiente e o direito à moradia.

Espera-se que as diretrizes gerais do Estatuto da Cidade passem a orientar as decisões dos juízes no que tange às questões a ele relacionadas, e que o Poder Judiciário viabilize a adoção dos institutos tributários, financeiros, jurídicos e políticos ali previstos.

Finalmente, espera-se que, no julgamento das Ações Civis Públicas, os juízes atentem para o atendimento da diretriz contida no art. 2º, inc. I, do Estatuto da Cidade, que é a “garantia do direito a cidades sustentáveis, entendido como o direito à terra urbana, à moradia, ao saneamento ambiental, à infra-estrutura urbana, ao transporte e aos serviços públicos, ao trabalho e ao lazer, para as presentes e futuras gerações.”