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Concessão especial de uso para fins de moradia e áreas de risco,

Parte IV – Institutos Jurídicos

Capítulo 9 Concessão de direito especial de uso para fins de moradia

9.2. Concessão especial de uso para fins de moradia e áreas de risco,

Já sob a égide do Decreto 58/37, as leis municipais determinavam que na execução de novos loteamentos deveria haver destinação de áreas públicas. Quando foi aprovada, a Lei Federal nº 6.766/79 fixava o percentual de áreas públicas em 35% da gleba. Com a edição da Lei Federal nº 9.785/99, a fixação do percentual de áreas públicas será feita pela lei municipal. E ao longo do tempo, verifica-se que as

áreas reservadas à destinação pública têm sido as áreas menos adequadas à utilização: áreas com alta declividade e áreas de proteção permanente. Estas áreas costumam ser entregues aos Municípios sem qualquer tipo de urbanização.

Assim, o crescimento das cidades acabou por acarretar inúmeras invasões de áreas públicas, destinadas a praças e outros equipamentos, e até mesmo de vias de circulação. Acarretou, igualmente, a ocupação de áreas de alta declividade por construções inadequadas, com risco de desabamentos e deslizamentos. Houve, também ocupações de áreas de preservação permanente, inclusive em margens de córregos, com risco de inundação.

Verifica-se, pois, que as ocupações de áreas públicas são, em grande parte, ocupações em áreas de risco, em bens de uso comum do povo e em áreas de preservação ambiental.

No que tange às áreas de risco, a Medida Provisória nº 2.220/01 prevê em seu art. 4º que “no caso de a ocupação acarretar risco à vida ou à saúde dos ocupantes, o Poder Público garantirá ao possuidor o exercício do direito de que tratam os arts. 1o e 2o em outro local.”

E de fato, não se poderia admitir a concessão de uso especial para fins de moradia em área de risco. Fica, pois, o Poder Público obrigado a garantir o exercício do direito à moradia em outro local. Não é difícil imaginar a dificuldade na aplicação prática do dispositivo. Ora, o Poder Público, que já não foi capaz de propiciar moradia digna àquelas famílias, que por falta de alternativas acabaram por ocupar área pública de risco, dificilmente proporcionará outros locais para que elas habitem. Questão que não chegou a ser enfrentada na Medida Provisória é se o Poder Público, proprietário da terra, deverá garantir às famílias somente a terra, ou também a casa, parecendo que a oferta apenas do terreno não está apta a garantir o direito à moradia, havendo necessidade de oferta da habitação. Nesses termos, são ainda maiores os custos para a concessão em outro local.

Por tal motivo, tem sido freqüente que o Poder Público, nos casos de área de risco, promova as obras necessárias à remoção do risco, após o que será possível a concessão especial de uso para fins de moradia no mesmo local.

Já no caso de bens de uso comum do povo e áreas de proteção ambiental, entre outros, a concessão de uso especial para fins de moradia poderá ser concedida em outro local:

“Art. 5º É facultado ao Poder Público assegurar o exercício do direito de que tratam os arts. 1º e 2º em outro local na hipótese de ocupação de imóvel:

I – de uso comum do povo;

II – destinado a projeto de urbanização;

III – de interesse da defesa nacional, da preservação ambiental e da proteção dos ecossistemas naturais;

IV – situado em via de comunicação.“

Para Betânia Alfonsin78 “quando se diz que o Poder Público tem a ‘faculdade’ de assegurar o exercício do direito em outro local, o que se está a dizer é que o que determinará, na prática, se a concessão ocorrerá no próprio local, ou em outro, será a correlação de forças dos vários atores (Administração Pública, Ministério Público, movimentos de moradia e por reforma urbana, movimentos ambientalistas) em cada contexto local... Além disso, o dispositivo permite que o sábio critério do bom senso e da razoabilidade entre em cena para resolver excessos de um ou de outro lado... Se a lei estabeleceu que nesses casos a concessão no próprio local é FACULTATIVA, o critério que deve pautar a decisão deverá ser o da FUNÇÃO SOCIAL, consagrada pelo uso do imóvel. Se o terreno tem condições de habitabilidade e tem função imemorial de moradia de baixa renda, não parece haver dúvida de que a concessão deverá se dar no próprio local. Por outro lado, se a ocupação é recente e a vocação da área para uso coletivo ainda estiver preservada, o bom senso deverá indicar a relocalização das famílias.”

A decisão acerca da concessão especial de uso no mesmo local, ou em outro, no caso de bens de uso comum do povo e de áreas de preservação ambiental é, de fato, delicada.

A concessão no mesmo local prejudica a destinação original do bem, prevista em função das necessidades ou características da região. A concessão em outro local possibilita a retomada da função original do bem, mas acarreta o custo social e econômico da transferência, já se podendo, prontamente, vislumbrar que, via de regra, os administradores tentarão evitar tal despesa. Contudo, em alguns casos, a remoção da população é imprescindível, como no caso da ocupação de ruas, necessárias à circulação, ou de ocupações que impliquem continua degradação ambiental. Logo, no momento da mensuração do custo da remoção, não deve ser computada exclusivamente a despesa imediata com a transferência das famílias, mas também o custo futuro para cidade, como desapropriações para abertura ou alargamento de vias, construções de escolas e piscinões ou recuperação ambiental.

É conveniente que a decisão não seja tomada de cima para baixo, pela Administração, devendo ser empregados os novos mecanismos de gestão democrática das cidades, previstos nos arts. 43 e 44, do Estatuto da Cidade, em especial os debates, audiências e consultas públicos.

No que tange à concessão especial de uso para fins de moradia em bens de uso comum do povo, tem sido debatida a necessidade ou não de desafetação prévia do bem. A medida, contudo, parece desnecessária. Ora, a concessão especial de uso para fins de moradia constitui direito subjetivo, com prazo para ser reconhecido administrativamente podendo, caso não haja tal reconhecimento, o interessado recorrer à via judicial. Não se pode admitir que, requerida a concessão pela via administrativa, seu reconhecimento fique dependendo da aprovação – ou não – de uma lei. E, em caso de acionamento da via judicial, não há como se cogitar de a justiça ter de esperar a aprovação de lei para conceder o direito.

Na cidade de São Paulo, contudo, a Lei nº 13.514, de 16 de janeiro de 2003, dispôs sobre desafetação de áreas públicas municipais da classe dos bens de uso

comum do povo, ocupadas por população de baixa renda, com a finalidade de promover Programa de Regularização Urbanística e Fundiária, e autorizou o Executivo a outorgar concessão de uso especial para fins de moradia ou concessão de direito real de uso.

9.3. Concessão especial de uso para fins de moradia e áreas de proteção aos