• Nenhum resultado encontrado

Parte III – Princípios

Capítulo 5 Direito de Propriedade, Direito ao Meio Ambiente, Direito à

5.1. O direito de propriedade

Conflito entre direito de propriedade e direito à moradia – 5.5. Acesso à terra urbana e Poder Judiciário – 5.6. Conflito entre direito de propriedade e direito ao meio ambiente – 5.7. Desapropriações Ambientais - 5.8. Conflito entre direito ao meio ambiente e direito à moradia – 5.9. Ação Civil Pública – 5.10. Conclusão.

5.1. O direito de propriedade.

A Constituição Imperial de 1824 previa, em seu art. 179, inc. XXII: “É garantido o direito de propriedade em toda a sua plenitude. Se o bem público legalmente verificado exigir o uso, e emprego da propriedade do cidadão, será elle préviamente indemnisado do valor della. A Lei marcará os casos, em que terá logar esta única excepção, e dará as regras para se determinar a indemnisação”.

A Constituição da República, de 1891, dispunha no art. 72, § 17: “O direito de propriedade mantém-se em toda a plenitude, salva a desapropriação por necessidade ou utilidade publica, mediante indemnização prévia”.

A Constituição de 1934, no art. 113, inc. 17, manteve o direito de propriedade, com a ressalva de que não poderia ser exercido contra o interesse social ou coletivo, ao passo que a Constituição de 1937, no art. 122, inc. 14, assegurava “O direito de propriedade, salvo a desapropriação por necessidade ou utilidade pública, mediante indenização prévia“.

A Constituição de 1946, no art. 141, § 16, rezava que “É garantido o direito de propriedade, salvo no caso de desapropriação por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização em dinheiro. Em casos de perigo iminente, como guerra ou comoção intestina, as autoridades competentes poderão usar da propriedade particular, se assim o exigir o bem público, todavia, assegurado o direito à indenização ulterior”. E no art. 147, a mesma Carta Magna previa que “O uso da propriedade será condicionado ao bem-estar social. A lei poderá, com observância do disposto no art. 141, § 16, promover a justa distribuição da propriedade, com igual oportunidade para todos.”

A Constituição de 1967, no art. 150, § 22 e a Emenda Constitucional nº 1, de 1969, no art. 153, § 22, estabeleciam que “A ordem econômica e social tem por fim realizar o desenvolvimento nacional e a justiça social, com base nos seguintes princípios: III – função social da propriedade”.

Por fim, a Constituição de 1988 regula a propriedade entre os direitos e garantias fundamentais, previstos no art. 5º, dispondo, no inc. XXII, que é garantido o direito de propriedade e, no inc. XXIII, que a propriedade atenderá a sua função social.

Resta claro, assim, que no atual regime constitucional o direito de propriedade é garantido, desde que ela cumpra sua função social – e, a contrário senso, não é garantido o direito de propriedade que não cumpra sua função social. Além dos dispositivos transcritos acima, a Constituição Federal apresenta diversas outras disposições interferindo com o direito de propriedade, especialmente o art. 5º, inc. XXIV, XXV e XXVI, art. 170, inc. II e III (princípios gerais da ordem econômica), 182 e 183 (política urbana), entre outros. Assim, embora a propriedade seja prevista como um direito individual, esse conceito de individualidade deve ser relativizado, uma vez

que o conteúdo do direito de propriedade passa a ser conformado por sua função social.

A Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, previa que o exercício do direito de propriedade não estaria limitado senão na medida em que ficasse assegurado, aos demais indivíduos, o exercício dos seus direitos. Essa concepção foi sendo superada pela evolução, com a teoria do abuso de direito, limitações negativas, imposições positivas, até a propriedade como função social.

No Brasil, a maioria dos juristas entende que o regime jurídico da propriedade está subordinado ao Direito Civil, esquecendo-se que o Direito Constitucional, cujas normas são hierarquicamente superiores, também disciplina o direito de propriedade, razão pela qual as normas de direito privado hão que ser compreendidas de acordo com a disciplina constitucional.

Não foi apenas no âmbito constitucional que o direito de propriedade evoluiu. A legislação civil também sofreu modificações a respeito.

O Código Civil de 1916, previa, no art. 524, que “a lei assegura ao proprietário o direito de usar, gozar e dispor de seus bens, e de reavê-los do poder de quem injustamente os possua”.

Essa concepção apresenta um aspecto interno e um aspecto externo. Em seu aspecto interno (econômico), a propriedade implica as seguintes faculdades:

a) o direito de usar, faculdade que tem o titular de utilizar-se da coisa de acordo com sua finalidade e de excluir estranhos de igual uso;

b) o direito de fruir, faculdade que tem o titular de colher os frutos naturais e civis da coisa, bem como de explorá-la economicamente, aproveitando seus produtos;

c) o direito de dispor, faculdade de dispor da coisa, alienando-a, transformando-a, descaracterizando-a ou até mesmo destruindo-a.

Em seu aspecto externo (jurídico), a propriedade é o direito de exigir que todas as pessoas se abstenham de turbar o exercício do direito por seu titular, podendo reavê-la de quem injustamente a detenha.

Dispositivo de semelhante teor foi incluído no Novo Código Civil, cujo art. 1228 prevê que “o proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la de quem quer que injustamente a detenha.”

Ocorre que, no artigo mencionado acima, foram incluídos cinco parágrafos, sem correspondente no código anterior, que expressam a função social e ambiental da propriedade, impedem o abuso de direito, prevêem a desapropriação por necessidade ou utilidade pública e, até mesmo, criam uma nova figura, que pode ser considerada uma desapropriação judicial.

“§ 1º. O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas.

§ 2º. São defesos os atos que não trazem ao proprietário qualquer comodidade, ou utilidade, e sejam animados pela intenção de prejudicar outrem.

§ 3º. O proprietário pode ser privado da coisa, nos casos de desapropriação, por necessidade ou utilidade pública ou interesse social, bem como no de requisição, em caso de perigo público iminente. § 4º. O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.

§ 5º. No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.”

Contudo, o Novo Código Civil, a exemplo de seu antecessor, continua prevendo como modos de aquisição da propriedade imóvel apenas o usucapião e a transferência da propriedade pelo registro do título translativo, o que implica a existência de um contrato entre as partes, tal como compra e venda ou doação. Isso implica que aquele que não tenha condições financeiras para realizar este negócio jurídico ou não preencha os requisitos legais para o usucapião não terá outra forma de acesso ao direito de propriedade.

É interessante notar aspecto levantado por Miranda Rosa, que ressalta que os direitos e deveres definem relações sociais, devendo ser destacado que pode ocorrer a atribuição, a certos tipos de direitos, de um caráter absoluto ou que lhes confira uma situação dominante em relação aos demais, como ocorre com o direito de propriedade. É o que ocorre em nossa sociedade, em que a ideologia da propriedade é tão forte que as classes dominantes chegam a cooptar as classes dominadas, que também têm por sua vez, o anseio por se tornarem proprietárias. Por tal motivo, é crucial que a função social da propriedade não seja um princípio abstrato, mas se transforme em efetiva prática.