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Parte IV – Institutos Jurídicos

Capítulo 10 – Remoção da população

10.3. Remoção da população nos casos analisados

Nos casos analisados, a remoção da população foi objeto de um acordo judicialmente homologado e de duas decisões judiciais.

Conforme mencionado no capítulo anterior, na Ação Civil Pública versando sobre a Favela Pintassilvo, no Município de Santo André, a Prefeitura comprometeu-se a construir unidades habitacionais para a remoção da população. Assim, a população removida não terá seu direito à moradia violado. É possível que parte da população acabe se mudando contra a sua vontade, por preferir morar de acordo com a tipologia atual – casas, e, até mesmo, por conservadorismo. Porém, com a construção das unidades habitacionais, que receberão a necessária urbanização e saneamento, sem dúvida as condições de moradia dessa população melhorarão. Ao que tudo indica, a mudança se dará sem traumas.

Bem diferente foi o caso do Jardim Facão, em São Bernardo do Campo.

No final de 1996, foi constatada pela fiscalização do Município e do Estado a implantação de loteamento clandestino em área de mananciais, tendo a fiscalização providenciado remoção de piquetes e desfazimento do arruamento. Ocorre que, na madrugada do dia 07/02/97, os adquirentes iniciaram a construção de casas de alvenaria, ocorrendo nova autuação pela Prefeitura, que embargou as obras.

Na mesma data, o Ministério Público ajuizou Medida Cautelar, pedindo liminar para demolição das construções irregularmente iniciadas, que foi deferida, porém não foi cumprida em função da reação por parte dos réus.

Em 21/02/97, o Ministério Público ajuizou Ação Civil Pública, com pedido liminar de remoção de qualquer pessoa que para o imóvel se mudasse, entre outros. O pedido foi negado pelo Juiz, tendo havido o recurso chamado Agravo de Instrumento, onde se argumentou que as ocupações estavam sendo feitas em ritmo acelerado e sem controle e que não havia sido possível o cumprimento da primeira liminar em razão de os loteadores estarem estimulando a resistência dos adquirentes.

O Tribunal de Justiça deu provimento ao Agravo do Ministério Público em 29/10/97 e em 30/03/98, o autor requereu ao Juiz o cumprimento da liminar, com autorização para arrombamento de casas. O advogado dos moradores apresentou, então, decisão dos moradores no sentido de suspender qualquer construção até a apresentação de projeto de regularização, requerendo a suspensão da ordem de demolição. O Ministério Público posicionou-se contrariamente e, em 22/07/98, foi cumprida a liminar.

De acordo com o Auto de Remoção de Pessoas, Demolição, Citação e Depósito, os Oficiais de Justiça, juntamente com a Tropa de Choque do 3º Batalhão de São Paulo, após as formalidades legais e na impossibilidade de negociações devido a forte resistência oferecida por parte dos réus, deram início à remoção dos réus da área, pela Força Policial. Caminhões da Prefeitura removeram os móveis para os locais indicados pelos moradores. Os imóveis desocupados eram demolidos no mesmo dia. As remoções, citações e depósito duraram quatro dias.

O episódio foi traumático. Cenas do despejo foram objeto de reportagens sensacionalistas nos principais telejornais. O Ministério Público foi alvo de fortes críticas.

Não se pode olvidar, no entanto, que os adquirentes ingressaram no imóvel e passaram a construir suas casas em alvenaria DEPOIS de ter sido concedida liminar na Medida Cautelar, tendo se sujeitado, conscientemente, à situação que ensejou a adoção da medida extrema. Ainda, determinada a medida, recusaram-se a negociar e resistiram, incitados pelos loteadores. Percebe-se, pois, que certas peculiaridades do caso acabaram levando ao despejo forçado.

A demolição do loteamento, contudo, acarretou a inibição de novos empreendimentos na Comarca, conforme relatam Rosangela Staurenghi e Sônia Lima: “a partir de então foram raras as tentativas de implantação de novos loteamentos clandestinos”82.

Já no caso do loteamento da Rua Iguaçú, bairro Eldorado, em Diadema, no dia 21/03/1997, foi proposta Ação Civil Pública contra os loteadores, incluindo o pedido de restaurar o estado primitivo do imóvel, substituindo os lotes negociados por outros. Os réus não ofereceram defesa e foi reconhecida a revelia, sendo a ação julgada procedente, acolhendo os pedidos do Ministério Público. Não houve recurso e foi dado início à execução do julgado em 1998. O Ministério Público comunicou a Prefeitura sobre o teor da decisão proferida e solicitou que o Prefeito determinasse o comparecimento ao local de equipes integradas por assistente social, fiscal do meio ambiente e representante do Departamento Jurídico, para dar conhecimento aos moradores do loteamento acerca do teor do julgado e do prazo de um ano para o desfazimento do loteamento. Foi também sugerida a realização de reuniões com os moradores, com o intuito de solucionar o conflito pacificamente. Foi determinada a hipoteca judicial do imóvel para garantir a execução da sentença.

Em 07/12/2000, o loteador pediu a suspensão da execução, comprometendo-se a cumprir a sentença com o auxílio de uma ONG, tendo o Ministério

Público concordado, concedendo-se prazo até novembro de 2001. O loteador, contudo, não cumpriu o compromisso e, em 22/03/2002, foi realizada na Prefeitura reunião para tratar da situação dos moradores, com a presença do Secretário de Governo, Diretor de Habitação, Diretora de Desenvolvimento Urbano, Gerente de Meio Ambiente, Chefe da Divisão de Regularização Fundiária), um vereador, representando a Câmara Municipal, advogados do loteador e representantes dos moradores, na qual foram tratadas providências para evitar a expansão da ocupação, entre outras.

O loteador ainda declarou que pretendia cumprir a sentença, com novos pedidos de suspensão da execução, porém em 24/03/03 constatou-se que o loteador não promoveu a remoção dos moradores e a recomposição da gleba ao estado anterior, razão pela qual o Ministério Público requereu a conversão da execução de obrigação de fazer em perdas e danos, o que foi deferido pela Juíza.

Em suma, no caso de Diadema, a execução da sentença iniciada em 1998 foi tentada por cinco anos. O loteador, que possui patrimônio, deveria “recomprar” os lotes para fazer a recomposição da área ou fornecer novos lotes aos adquirentes, indenizando o valor das construções. Talvez por acreditar que tais providências seriam muito dispendiosas, e em virtude de a área loteada, de 80.000 m², estar ocupada por apenas 60 famílias, foi tentada a regularização do loteamento, porém esta também implicaria em necessidade de remoção. O loteador acabou desistindo de cumprir a determinação judicial e só restou ao Ministério Público pedir a conversão da obrigação de recompor a gleba em um pedido de indenização ambiental, o que, em termos práticos, afasta a possibilidade de os moradores virem a ser removidos.

Cumpre destacar que, neste caso, foi concedida liminar no início da ação, para proibir novas vendas e construções, razão pela qual a ocupação teve pequeno crescimento no curso da ação e permaneceu localizada em pequena parte do imóvel, que permaneceu desocupado em sua maior parte.

10.4. Conclusão.

A remoção de moradores ainda acontece em casos de Ações de Reintegração na Posse e Ações Reivindicatórias, que visam a tutelar o direito de propriedade. Timidamente, porém, vem surgindo uma corrente nos tribunais que, ao julgar tais demandas, se preocupa com o direito à moradia, procurando soluções que evitem conflitos e que ofereçam alternativas às famílias. Em alguns casos de despejos forçados, o Poder Público tem oferecido soluções temporárias, como abrigos, ou até mesmo verba de atendimento habitacional, insuficiente para aquisição de moradia adequada mas apta a cobrir uma situação de emergência. É evidente que não se tratam de soluções a longo prazo para o problema das famílias despejadas, porém é um inegável avanço em relação ao passado. Também os proprietários dos imóveis têm negociado com os ocupantes, por vezes entregando-lhes quantias em dinheiro para evitar a remoção forçada.

Nos casos que ensejariam remoções por violação de padrões urbanos e ambientais, as remoções forçadas são raras. O fato de ter havido uma remoção forçada entre os 16 casos apresentados poderia levar a falsa conclusão de que, em cada 16 casos investigados pelo Ministério Público, um acaba em remoção forçada. Isso não é verdade. O caso do Jardim Falcão foi o único, dentre os milhares investigados pelos Promotores de Justiça, em que isso ocorreu.

A maior parte dos casos dos casos em que a ocupação acarreta danos urbanísticos e ambientais não acaba em remoção, ainda que ela fosse recomendável e mesmo quando determinada pela Justiça, a exemplo do ocorrido na Rua Iguaçu, em Diadema. A execução dos julgados não tem sucesso e, quando há algum responsável pelo dano que tenha patrimônio, ele acaba tendo que pagar uma indenização. Diversos Promotores de Justiça deixaram de formular pedidos de remoção de moradores para pedir o pagamento de indenização.

Assim, somente têm ocorrido remoções em casos como o da Favela Pintassilvo, quando o Poder Público assume a responsabilidade por fornecer nova moradia às famílias e promover a recuperação ambiental.