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Parte II A questão dos mananciais

Capítulo 4 Estudo de casos

4.5. Roteiros de São Bernardo do Campo

São Bernardo do Campo tem 750.000 habitantes (IBGE / 2000). Sua área é de 411 m² e 53% de seu território está localizado em área de proteção aos mananciais. Outra parte significativa está situada dentro do Parque Estadual da Serra do Mar. É um dos maiores parques industriais metropolitanos, incluindo seis fábricas de automóveis.

Os casos analisados de São Bernardo do Campo referem-se aos loteamentos Jardim Pinheiro, Jardim Nova Canaã, Jardim Falcão e Jardim Ipanema, todos implantados em áreas particulares.

O Jardim Pinheiro foi implantado em área de 107.907 m², com previsão de 1.000 lotes de 125 m², dos quais 816 foram implantados. Foi celebrado termo de ajustamento de conduta, já analisado no capítulo 3. Cumpre ressaltar que, apesar do termo de ajustamento de conduta, a ação proposta continua em andamento.

O Jardim Nova Canaã situa-se em terreno de aproximadamente 72.600 m². O loteamento tem 596 lotes de 125 m². Também aqui foi celebrado termo de ajustamento de conduta, que será analisado no capítulo 11.

O Jardim Falcão previa a implantação de 600 “frações ideais” de 125 m² em área de 120.487,95 m², contudo, no início da implantação do loteamento, por determinação da Justiça em ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público, ele acabou sendo desfeito, conforme será analisado no capítulo 10.

O Jardim Ipanema foi implantado em área de 95.291 m², com previsão de 900 lotes de 120 m². Foram ajuizadas duas ações civis públicas. A primeira, contra a associação que promoveu o loteamento, foi acolhida para determinar a demolição das construções situadas em áreas de preservação permanente e a recuperação destas, bem como a realização de obras para minimizar os danos no restante das áreas. Esta ação está em fase de execução (cumprimento) da decisão. Posteriormente, foi ajuizada outra ação civil pública para responsabilizar a Prefeitura, o Estado de São Paulo, os sócios da empresa proprietária da gleba, dirigentes das associações, advogado, posteriormente eleito vereador, envolvido no loteamento, o Prefeito Municipal e o Secretário de Obras, devendo todos eles ser responsabilizados pela reparação dos danos, sendo ainda pedida a condenação dos três últimos por improbidade administrativa. Esta ação ainda está em andamento.

Tabela 5 – Roteiros de São Bernardo do Campo

Tipo de divisão de gleba Loteamento

Desmembramento

4 0

Identificar o tipo de loteamento Clandestino

Irregular

4 0

Domínio da gleba Matrícula no Cartório de Registro de Imóveis

Loteador é o proprietário

Proprietário vende a gleba para interposta pessoa Invasor que loteia

Inventário

Escritura não registrada

Compromisso de compra e venda

3 0 4 0 0 0 0

Zoneamento Zona Urbana

Expansão Urbana Zona Rural

2 2 0

Loteamento construído em local onde é vedado o parcelamento do solo

Terrenos alagadiços e sujeitos a inundações Terrenos aterrados com material nocivo à saúde Terrenos com declividade igual ou superior a 30% Terrenos onde as condições geológicas não aconselham a edificação

Áreas de preservação ecológica

1 0 1 0 4 Aprovação Município Estado 0 0

Existência de obras mínimas de infra-estrutura Obras de escoamento das águas pluviais

Iluminação pública Redes de esgoto sanitário Abastecimento de água potável Energia elétrica pública Energia elétrica domiciliar Vias de circulação pavimentadas Coleta de lixo 0 2 1 3 2 1 2 n/c

Comportamento Institucional Fiscalização da Prefeitura

Imposição de penalidade pelo Município Fiscalização do Estado

Imposição de penalidade pelo Estado Existência de inquérito policial ou ação penal

1 1 3 1 3

A análise dos casos estudados de São Bernardo do Campo revela um modus operandi próprio dos loteadores da Comarca, pois em todos eles os loteamentos se realizaram do mesmo modo. Curiosamente, nenhum dos casos analisados das outras Comarcas apresentava o mesmo procedimento, embora se saiba que ele também vem sendo adotado em outras cidades.

Todos os casos referiam-se a loteamentos clandestinos e, em todos eles, o loteador não é o proprietário em cujo nome o imóvel está registrado, mas sim uma associação a quem o proprietário, ou pessoa que dele adquiriu o imóvel, mas não levou seu título a registro, vendeu a área. Por vezes, o loteamento começou a ser implantado antes mesmo da outorga de título à associação.

Dois dos loteamentos localizam-se em área urbana e outros dois em zona de expansão urbana. Em um dos casos, a área loteada está sujeita a inundações e em outro há terrenos com declividade igual ou superior a 30%.

As áreas loteadas são bastante grandes, variando de 120.000 a 183.000 m², nelas sendo prevista a implantação de 600 a 1.000 lotes, sempre com áreas de 125 m². Quando da realização das vistorias, as ocupações já estavam adiantadas, com pelo menos 250 construções.

Em nenhum dos casos houve aprovação pelo Município ou pelo Estado.

Em dois casos, a investigação do Ministério Público foi provocada pelo Município, e nos outros dois pelo Estado, havendo uma representação do Departamento de Uso do Solo Metropolitano - DUSM e outra da CETESB. Diferentemente das outras cidades analisada, aqui não houve reclamações dos adquirentes, talvez por eles fazerem parte da associação que promovia o loteamento.

Embora tenha havido fiscalização pelo Município e pelo Estado, somente em um caso houve imposição de penalidade pelo Estado (embargo).

Houve três casos de loteadores processados criminalmente, e em um deles houve condenação.

Das quatro ações civis públicas ajuizadas pelo Ministério Público, duas apresentaram resultados efetivos. Em uma, foi concedida liminar determinando o desfazimento do loteamento e a liminar foi efetivamente cumprida. Em outra ação, a decisão já transitou em julgado (não cabem mais recursos) e foi determinada a demolição de todas as construções situadas nas áreas de preservação permanente e a recuperação destas áreas, bem como a realização de obras visando a minimização dos danos no restante da área. Esta decisão ainda está sendo executada.

4.6. Conclusão.

É curioso verificar que, em determinadas épocas, os parceladores clandestinos do solo adotam as mesmas estratégias de ação para dificultarem a repressão em determinadas cidades, como é o caso dos desmembramentos em Diadema ou dos loteamentos promovidos por associações em São Bernardo do Campo.

Porém o fato que mais chama a atenção é a falta de eficiência das ações adotadas pelos diversos órgãos competentes para reprimir o parcelamento do solo. Os dados apresentados indicam que, na absoluta maioria dos casos, houve fiscalização do Município e do Estado, instauração de inquérito civil e ajuizamento de ação civil pública pelo Ministério Público, prisões em flagrante, instauração de inquérito policial e até condenação criminal. Contudo, apesar da adoção dessas medidas, os loteamentos e desmembramentos, salvo uma exceção isolada, acabaram sendo implantados.

Desta constatação, é forçoso concluir que ou os instrumentos de atuação não estão sendo bem utilizados, ou que há necessidade de revisão e aperfeiçoamento desses instrumentos.

Isso, evidentemente, se houver vontade política de preservar os mananciais e evitar que o proletariado ali construa suas moradias, já que, aparentemente, a autoconstrução de moradias em loteamentos clandestinos em áreas de proteção aos mananciais vem constituindo verdadeira política habitacional do Estado e dos Municípios nos últimos trinta anos.

Embora seja certo que a legislação de proteção aos mananciais pregue a proteção ambiental e proíba o parcelamento do solo sem autorização nas áreas de proteção, a ausência de investimentos suficientes em habitação em outras localidades, a desvalorização dos imóveis nas áreas de proteção, que acarreta a diminuição do custo do lote, e a inexistência de fiscalização apta a impedir eficazmente o parcelamento do solo nas áreas de mananciais demonstram que não há vontade política de coibir a implantação desses loteamentos, uma vez que, caso sejam impedidos, o proletariado simplesmente não terá onde morar.

É crucial encontrar alternativas habitacionais para os trabalhadores.