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Parte II A questão dos mananciais

Capítulo 3 – Proteção aos mananciais

3.2. Proteção aos mananciais

Pinheirinho - 3.5. Conclusão.

3.1. A água.

A quantidade de água na Terra parece inesgotável: 1.360.000.000 km². Ocorre que, deste total, 97,5% tratam-se de águas de oceano, ao passo que somente 2,5% são águas doces, dos quais 88% estão em estado sólido (geleiras), 12% estão sob o solo e 0,36% encontram-se na superfície e atmosfera. Logo, a água é um recurso escasso e que necessita de proteção.

O ciclo hidrológico consiste na evaporação das águas e precipitação em forma de chuvas – a água que atinge o solo pode dirigir-se superficialmente aos cursos d’água (deflúvio superficial) ou infiltrar-se no solo (deflúvio de base). A vegetação tem um papel importante neste ciclo pois “a remoção da cobertura vegetal reduz o intervalo de tempo observado entre a queda da chuva e os efeitos nos cursos d’água, diminui a capacidade de retenção de água nas bacias hidrográficas e aumenta

o pico de cheias. Alem disso, a cobertura vegetal limita a possibilidade de erosão do solo, minimizando a poluição dos cursos de água por sedimentos”.18

Áreas de proteção aos mananciais são as necessárias à produção de água para determinado recurso hídrico e correspondem, geralmente, à área de entorno da bacia hidrográfica respectiva.

Ver Figura 4 – Foto Represa Billings e Figura 5 – Loteamento na Billings

3.2. Proteção aos mananciais.

A proteção jurídica dos mananciais em São Paulo é feita pelas Leis Estaduais nº 898/75, nº 1172/76, nº 9.866/97 e nº 11.216/02. A seguir, um pequeno histórico e uma pequena síntese do teor desta legislação.

A Lei nº 898/75, que indica as áreas de proteção aos mananciais na Região Metropolitana da Grande São Paulo, como os reservatórios Billings, Cantareira, Guarapiranga (art. 2º) Prevê a necessidade de aprovação prévia, pela Cetesb e Secretaria do Meio Ambiente, para loteamentos e outras atividades (art. 3º). Estabelece áreas de maior restrição – 1ª categoria – e de menor restrição – 2ª categoria (art. 5º) e indica atividades permitidas em cada uma delas. Prevê a necessidade de adaptação das atividades existentes (art. 10). Prevê penalidades para infrações: advertência, multa, interdição, embargo e demolição (art. 13).

A Lei nº 1172/76 delimita as áreas de 1ª categoria – 50m no contorno de reservatório, 20m nas margens dos rios, áreas cobertas por matas (art .2º) e delimita as áreas de 2ª categoria – as demais, que se classificam em Classe A, B e C (arts. 3º a 7º). Estabelece que as águas dos mananciais destinam-se, prioritariamente, ao abastecimento de água (art. 8º). Prevê usos permitidos nas áreas de proteção, de acordo com a categoria, só permitindo uso residencial na 2ª categoria, com restrições

relativas ao tamanho do lote (mínimo de 500m²), densidade máxima de ocupação e índices urbanísticos, elencados em quadro anexo. Exige aprovação do estado para remoção da cobertura vegetal e movimentação de terra (arts. 19 e 20). Prevê que sistemas públicos de abastecimento de água e esgotos somente poderão atender classes A e B (art. 22) e que efluentes dos esgotos devem ser afastados das áreas de proteção (art. 23). Proíbe disposição de resíduos sólidos (art. 25).

A revisão da legislação de proteção de mananciais se deu para ampliar sua abrangência e por considerar que a legislação anterior não conseguiu impedir a ocupação predatória e a conseqüente deterioração da qualidade dos mananciais. Ela considera a necessidade de preservar e recuperar os mananciais do Estado, compatibilizando a proteção do meio ambiente com o uso e a ocupação do solo e o desenvolvimento socioeconômico das regiões protegidas. Assim, foi editada a Lei nº 9.866/97, que cria o termo APRM – Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais (art. 3º). Cria áreas de intervenção, denominadas Áreas de Restrição à Ocupação, Áreas de Ocupação Dirigida e Áreas de Recuperação Ambiental (arts. 12 a 17), estabelecendo que elas serão criadas através de Lei Estadual (art. 18) – estas leis ainda estão sendo elaboradas. E, enquanto não entram em vigor, vigem as leis anteriores. Isso está estabelecido nas disposições transitórias (art. 45). Por fim, art. 47 previu a execução de obras emergenciais nas hipóteses em que as condições ambientais e sanitárias apresentem riscos de vida e à saúde publica ou comprometam a utilização dos mananciais para fins de abastecimento.

A Lei Estadual nº 11.216/02 acrescenta artigo à Lei 1172/76. Autoriza a vinculação, ao mesmo empreendimento, de áreas de terreno ou gleba não contígua, desde que se localizem na sub-bacia hidrográfica respectiva, e prevê medidas de compensação que consistirão, preferencialmente, na desocupação de áreas de proteção. Essas medidas aplicam-se a empreendimentos já implantados, tendo sido vetado o parágrafo 21 que permitia a aplicação das medidas mencionadas a empreendimentos futuros.

Em 29/02/2004, foi encaminhado à Assembléia Legislativa o Projeto de Lei nº 85/2004, que define a Área de Proteção e Recuperação dos Mananciais da Bacia

Hidrográfica de Guarapiranga, o qual ainda está em tramitação. O teor do projeto de lei é comentado no Caderno de Projeto: Moradia Social e Meio Ambiente reflexões sobre processos urbanísticos, jurídicos e sociais das áreas de proteção aos mananciais na RMSP, do Laboratório de Habitação e Assentamentos Humanos FAU USP, elaborado para a Pesquisa Reparação de Danos e Ajustamento de Conduta em Matéria Urbanística, coordenada pela Profª Maria Lúcia Refinetti Martins19:

“Uma das características dessa lei é que ela admite a real situação da ocupação da Bacia, e apresenta como objetivo central recuperá-la, visando a qualidade e a quantidade de água do reservatório, por isso não é permissiva. Tem como metas reduzir as cargas poluidoras da represa, reter tendências expansionistas e minimizar o quadro de degradação ambiental.

...

Para atingir a Meta da Qualidade de Água, idéia central da lei, utiliza-se como parâmetro a carga de Fósforo total afluente ao reservatório. As cargas-limite estabelecidas para os municípios da Bacia são parâmetro para o planejamento de uso e ocupação do solo que, juntamente com ações de preservação e recuperação urbana e ambiental, instalação de infra-estrutura e estruturas de redução à poluição, melhorariam a qualidade da água. Um problema que pode ser apontado é que o controle dessa carga, que depende de um monitoramento sistemático para ser efetivo (previsto na lei), é parte de um processo de transformação amplo, que está atrelado à capacidade de cada município em prover alternativas para uso habitacional, controlar sua expansão e sanear áreas ocupadas. Levando em consideração a realidade das cidades e a dificuldade de executar projetos e obras nas áreas protegidas, pensar formas de viabilizá-las é essencial para que se atinja a carga-meta. Nesse ponto a lei não avança nas alternativas.”

As outras leis específicas, que certamente terão o projeto supra como referência, não foram sequer encaminhadas ao Poder Legislativo.

A existência da vasta legislação supra, contudo, não impede prognósticos sombrios para o abastecimento de água na Grande São Paulo. Artigo publicado no jornal Folha de São Paulo de 12/10/2003 traz a manchete ”SP só atende demanda por água até 2010”, atribuindo a crise da água aos limites naturais na disponibilidade hídrica, à poluição de rios e represas, à ocupação desordenada de mananciais, ao descaso no uso e à falta de políticas eficientes para reeducar o consumo e reduzir perdas.

19 MARTINS, Maria Lucia Refinetti (coord.). Caderno de Projeto: Moradia Social e Meio Ambiente reflexões sobre processos urbanísticos, jurídicos e sociais das áreas de proteção aos mananciais na RMSP, do Laboratório de

Habitação e Assentamentos Humanos FAU USP, elaborado para a Pesquisa Reparação de Danos e Ajustamento de Conduta em Matéria Urbanística da FAPESP.

As leis supra não impediram, tampouco, a ocupação dos mananciais. Ao contrário, as sérias restrições à ocupação desvalorizaram aquelas áreas no mercado imobiliário e foi para lá que se direcionou o crescimento da cidade durante o intenso processo de urbanização dos anos 70 e 80.

Hoje, estatísticas revelam que cerca de 1.800.000 pessoas residem nas áreas de proteção aos mananciais, a maior parte delas em invasões ou loteamentos clandestinos.

Ver Figura 6 – Imagens de satélite da RMSP em 1976 e 1999