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2.2 ESPÉCIES DE TUTELA JURISDICIONAL

2.2.3 Tutela jurisdicional classificada segundo a teoria Quinária

Como demonstrado, a Teoria Trinária entende ser possível abarcar todas as eficácias da sentença dentro do quadro acima delineado. Mesmo os casos em que, por exemplo, o juízo retira determinado valor patrimonial do réu, sem a necessidade de recurso à fase executiva propriamente dita, são concebidos como situações possíveis dentro de uma ação condenatória. Contudo, apesar de ter sido a Teoria Trinária a adotada inicialmente pelo Código de Processo Civil de 1973, ela mostrou-se, salvo entendimentos contrários, insuficiente para abarcar todas as eficácias sentenciais.

Como mencionado no início do presente tópico, Pontes de Miranda já antevia parte do problema. Em sua época, já acrescentara à classificação clássica duas espécies de ações, a mandamental e a executiva. Segundo o jurista, a ação executiva e a mandamental estão ao lado da declaratória, da constitutiva e da condenatória, ou seja, são integrantes do processo de conhecimento.

Segundo Pontes de Miranda,77

A ação declarativa é ação a respeito de ser ou não-ser a relação jurídica; de regra, a ação constitutiva prende-se à pretensão constitutiva, res deducta , quando se exerce a pretensão à tutela jurídica. Quando a ação constitutiva é ligada ao direito, imediatamente, não há, no plano da res in iudicium

deducta, pretensão constitutiva (há-a, no plano do direito subjetivo à tutela

jurídica, que é a especialização, pelo exercício da pretensão à tutela jurídica em pretensão constitutiva); a ação de condenação supõe que aquele ou aqueles, a quem ela se dirige, tenham obrado contra o direito, que tenham causado dano e mereçam, por isso, ser condenados (com damnare); a ação mandamental prende - se a atos que o juiz ou outra autoridade deve mandar que se pratique. O juiz expede o mandado, porque o autor tem pretensão ao mandamento e, exercendo a pretensão à tutela jurídica, propôs ação mandamental; a ação executiva é aquela pela qual se passa para a esfera jurídica de alguém o que nela devia estar, e não está.

A doutrina tradicional ou clássica acreditava que a sentença possuía uma única carga de eficácia, ou seja, que ela poderia ser declaratória, constitutiva ou condenatória.

Pela Teoria Quinária, ao contrário, uma sentença pode ser ao mesmo tempo declaratória e mandamental, constitutiva e executiva, alargando-se o espectro de possibilidades consoante o universo contido no pedido formulado na petição inicial.

                                                                                                                         

77

Crítica de Humberto Theodor Júnior a respeito da até então defendida Teoria Trinária merece destaque ao afirmar que as sentenças executivas e mandamentais fazem a essência das

condenatórias, diferenciando-se quanto ao procedimento de execução.78

Ovídio Baptista da Silva79 também é forte defensor da aplicação da Teoria Quinária.

Contudo, acrescenta que o artigo 461 do Código de Processo Civil de 1973 ampliou o rol de eficácia das ações de direito material.

Segundo o doutrinador, o fato de o texto legal empregar o verbo "determinar" na locução, “se procedente o pedido”, demandará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento, impondo-se a conclusão de que não há uma mera exortação para que o demandado cumpra o preceito judicial, como ocorre nas sentenças condenatórias.

Há, por outro lado, uma verdadeira ordem de cumprimento da determinação judicial imposta na sentença ou mesmo por meio de medida de antecipação de tutela.

Em defesa da Teoria Quinária, Luiz Guilherme Marinoni afirma que,80 na época da

formação do processo civil, as sentenças eram apenas três – declaratória, constitutiva e condenatória – porque assim bastava ao Estado Liberal e exigiam-se os seus valores.

Complementa que, com o passar do tempo e o surgimento de novos direitos, tornaram- se necessárias novas técnicas para a tutela dos direitos, quando apareceram as sentenças mandamental e executiva, delineadas com base nas expressões normativas constantes dos artigos 84 do Código de Defesa do Consumidor e 461 do Código de Processo Civil de 1973.

Para finalizar o conceito de tutela mandamental, oportuno citar entendimento de Luiz

Rodrigues Wambier,81 segundo o qual essa modalidade de tutela

Tem por objetivo a obtenção de sentença em que o juiz emite uma ordem, cujo descumprimento, por quem a receba, caracteriza desobediência à                                                                                                                          

78

“Tanto as [sentenças] que se dizem executivas como as mandamentais realizam a essência das condenatórias, isto é, declaram a situação jurídica dos litigantes e ordenam uma prestação d e uma parte em favor da outra. A forma de realizar processualmente essa prestação, isto é, de executá-la, é que diverge. A diferença reside, pois, na execução e respectivo procedimento. Sendo assim, não há razão para atribuir uma natureza diferente a tais sentenças. O procedimento em que a sentença se profere é que foge dos padrões comuns. Esse, sim, deve ser arrolado entre os especiais, pelo fato de permitir que numa só relação processual se reúnam os atos do processo de conhecimento e os do processo de execução. O procedimento é que merece a classificação de executivo lato

sensu ou mandamental”. (THEODORO JUNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil, v. l, 41. ed.

Rio de Janeiro: Editora Forense, 2004, p. 476.)

79

SILVA, Ovídio Baptista da. O processo civil e sua recente reforma: os princípios do direito processual civil e as novas exigências, impostas pela reforma, no que diz respeito à tutela satisfativa de urgência dos arts. 273 e 561. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (Org.). Aspectos polêmicos da antecipação de tutela. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1997, p. 424.

80

MARINONI, Luiz Guilherme. Processo de conhecimento. 6. ed. Belo Horizonte: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 414.

81

WAMBIER, Luiz Rodrigues. Curso avançado de processo civil. v. 1. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. p. 149.

autoridade estatal passível de sanções, inclusive de caráter penal (artigo 330 do CP). Exemplo disso são as sentenças proferidas no mandado de segurança e na ação de nunciação de obra nova (artigo 938 do CPC).

Tecidas algumas considerações julgadas necessárias para a compreensão do que se entende pela Teoria Quinária, cabe conceituar o que efetivamente depreende-se por tutelas executivas latu sensu e mandamental.

Por tutelas executivas latu sensu, tem-se aquelas que já nascem com força executiva

imediata,82 de modo que o seu respectivo descumprimento impõe sub-rogação de atos sobre o

patrimônio do devedor.

De acordo com Cássio Scarpinella Bueno,83 ao contrário do que ocorre com a tutela

condenatória, esses atos são muito mais do que de apropriação física e imediata do bem para fins de sua fruição direta do que de sua substituição oportuna pelo equivalente monetário. O traço, segundo o doutrinador, é de apreensão ou de fruição direta – técnica de sub-rogação direta.

São atos, portanto, que substituem aqueles que deveriam ser praticados pelo réu para satisfazer direito do autor-credor.

Nessa linha, acrescenta Araken de Assis que:84

a força executiva [...] é imediata (eficácia), quando a incursão na esfera jurídica do vencido mira algum bem previamente identificado, que lá se encontra de maneira já reconhecida como ilegítima no pronunciamento judicial, porque integra o patrimônio do vencedor, e, portanto, dispensará a instituição de novo processo para reavê-lo.

Já por tutela mandamental, deve-se entender aquela que pretende extrair do devedor o cumprimento voluntário de uma obrigação. Trata-se de cumprimento voluntário do réu, e, por essa razão, não espontâneo, o que significaria ser prescindível ou desnecessária a intervenção judicial.

                                                                                                                         

82

Segundo entendimento de Ovídio Baptista da Silva, a sentença executiva caracteriza-se pelos seguintes elementos: i) corresponde a um ato material, diferentemente do que ocorre com as sentenças declaratórias, constitutivas e condenatórias; ii) esse ato material implica sempre uma transferência de valor do patrimônio do demandado para o patrimônio do autor; iii) o juízo não se limita a ordenar que o requerido cumpra o pronunciamento exarado, mas providencia que o ato seja realizado diretamente através de agentes do próprio Poder Judiciário; iiii) o ato executivo originariamente deveria ter sido realizado pela própria parte, que voluntariamente poderia ter desocupado o imóvel locado – no caso de ação de despejo – ou permitido a reintegração de terceiro na posse esbulhada – no caso de ação possessória. (SILVA, 1997, p. 421).

83

BUENO, 2010, p. 350.

84

Cássio Scarpinella Bueno afirma que a tutela mandamental diferencia-se das demais espécies de tutela (condenatória e executiva) uma vez que não age por meio da sub-rogação

sobre o patrimônio do réu,85 mas por coerção psicológica exercida sobre sua vontade.86

Distingue-se a sentença mandamental da condenatória porque aquela tem algo a mais que a condenação. Viu-se que, na sentença mandamental, não se limita o juiz a verificar se há direito violado e a fixar a sanção aplicável, mas, uma vez realizada esta operação, vai além e

ordena ao demandado o cumprimento da sanção declarada.87

A tutela mandamental é uma espécie de tutela semelhante ao sistema da Contempt of Court na Commom Law..

De acordo com Luiz Guilherme Marinoni,88

há na Commom Law, em particular, na disciplina do Contempt of Court, algo que não se concilia com as bases do Estado Liberal, já que o juiz, armado do

Contempt of Power, para sancionar suas próprias ordens, passa a exercer

importante papel criativo, deixando de ser mero burocrático.

A expressão Contempt of Court, latu sensu, presta-se para designar qualquer conduta

de afronta à autoridade judicial.89

Na Commom Law, caso a ordem judicial não seja cumprida, está caracterizada a Contempt of Court. As multas aplicadas decorrem desse descumprimento das ordens judiciais e não somente da lesão que causa a parte. A sanção prevista no artigo 461 do Código de Processo Civil, por exemplo, possui finalidade similar ao referido instituto.

De acordo com Araken de Assis,90 as tutelas mandamentais adquiriram relevo a partir

do artigo 14, inciso V, e parágrafo único, do Código de Processo Civil de 1973 e dos artigos 16 e 17 da Lei nº 10.259/01 (Juizados Especiais).

                                                                                                                         

85

BUENO, 2010, p. 351.

86

Em posição, aparentemente contrária ao de Cássio Scarpinella Bueno, Eduardo Talamini afirma que, quando a decisão tiver eficácia mandamental, nada impediria que ela também pudesse ensejar posteriormente o uso de meios sub-rogatórios. (TALAMINI, Eduardo. Tutela relativa aos deveres de fazer e não fazer: CPC, art. 461; CDC, art. 84. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 159).

87

Como afirma Ovídio A. Baptista da Silva, as ações e sentenças mandamentais diferem das condenatórias precisamente por não se limitarem a condenar, mas, ao contrário, ir além da simples condenação, para ordenar que as partes se comportem segundo o direito que a sentença houver atribuído ao demandante. Mais adiante, afirma o ilustre processualista que “a legitimidade dessa ação mandamental decorre da necessidade de que a tutela jurídica se realize através do reconhecimento juízo declaratório da ilegalidade do ato impugnado e, como consequência, mediante a expedição do mandado, de modo que os efeitos da ilegalidade se desfaçam, em cumprimento da ordem contida nesse mandado. Por conter essa ordem, precisamente, é que a sentença, como anteriormente já vimos, não é condenatória”. (SILVA, Ovídio A. Baptista da. Curso de processo civil. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 358).

88

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sergio Cruz. Manual do processo de conhecimento: a tutela jurisdicional através do processo de conhecimento. São Paulo: RT, 2001, p. 429.

89

TALAMINI, 2001, p. 93.

90

De acordo com o disposto no artigo 14, inciso V do Código de Processo Civil –

correspondente ao artigo 77, inciso IV do Novo Código de Processo Civil –, todo aquele que

de qualquer forma participar do processo e deixar de cumprir com exatidão os provimentos mandamentais e/ou criar embaraços à efetivação de provimentos judiciais incorrerá no reconhecimento de ato atentatório ao exercício da jurisdição, podendo o juiz, sem prejuízo das sanções criminais, civis e processuais cabíveis, aplicar multa ao responsável, que será destinada aos cofres públicos.

Segundo Cruz e Tucci,91 esse sistema prevê a inflição de multa pecuniária às partes

nas hipóteses de não atendimento a decisões de determinada espécie.

No caso dos dispositivos da Lei dos Juizados Especiais Federais (Lei nº 10.259/01), a atividade executiva operada nos Juizados Especiais, qualquer que seja a natureza da prestação (pecuniária, de fazer ou entrega de coisa), resumir-se-á à emissão de ordem por meio de ofício.

Assim, em vez da utilização dos métodos tradicionais de sub-rogação, doravante, ao menos no prisma estrutural, tudo se passará no âmbito da relação processual originária, reprimindo a desobediência por meio de aplicação de multa, por exemplo.

Em ambos os exemplos mencionados por Araken de Assis, observa-se a responsabilidade da parte pelo cumprimento da obrigação sob pena de lhe ser aplicada uma sanção. Trata-se, como visto, de pressão por coerção psicológica – traço típico diferenciador da tutela mandamental da condenatória.

Desde o advento do Código de Processo Civil de 1973, verifica-se um aumento da importância da responsabilidade pela parte no cumprimento das decisões judiciais, abandonando-se a velha postura burocrático-judicial do juiz.

Em um panorama geral do Novo Código de Processo Civil, o Min. Luiz Fux deixa expresso que a seriedade da função jurisdicional não se compadece com atentados à dignidade

da justiça,92 os quais ocorrem sempre que a decisão é descumprida voluntariamente por

embaraços criados pela parte vencida.

Ainda na visão de Fux, verifica-se que a nova legislação processual procurou investir o juiz de poderes do sistema anglo-saxônico, dotando-o do imperium judicii da vetusta figura do pretor romano, habilitando-o a expedir ordens, medidas mandamentais capazes de

assegurar a efetivação da justiça prestada no caso concreto.93

                                                                                                                         

91

TUCCI, Jose Rogerio Cruz. Lineamentos da nova reforma do CPC. 2 ed. São Paulo: RT, 2002, p. 19.

92

FUX, Luiz. Novo código de processo civil temático. São Paulo: Editora Mackenzie, 2015, p. 31.

93

2.2.4 Tutela jurisdicional classificada segundo a perspectiva do dano – tutela preventiva