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2.3 TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA

2.3.2 Princípio do juiz natural

Um dos princípios importantes à lisura da atividade cognitiva é o do juiz natural. Trata-se de princípio-base da atividade jurisdicional, pois, sem a sua observância, inexiste jurisdição lícita.

A todos aqueles que buscam ou são levados ao Judiciário é garantido que sejam julgados por juízes naturais (competentes), e não por tribunais de exceção, à luz do disposto no artigo 5º, incisos LIII e XXXVII da Constituição da República, devendo ser designado julgador previamente à descrição dos fatos levados a julgamento, assegurada a

imparcialidade.129

Esse princípio garante a competência de determinado julgador para julgar as causas (litígios) levadas a julgamento.

Desde a Constituição Imperial de 1824, em seus artigos 149, inciso II,130 e 179, inciso

XVII,131 é possível verificar que a legislação brasileira é defensora do princípio do juiz natural

e repudia a instituição de tribunais de exceção e o julgamento por autoridades que não sejam competentes.

Tais disposições foram mantidas nas demais Constituições promulgadas no país e perdura até hoje, tamanha a importância de tal princípio no julgamento de determinada causa e, consequentemente, na lisura do resultado da atividade cognitiva.

Conforme bem elucidado por Angélica Arruda Alvim,132 levando em consideração o

texto constitucional, juiz natural é somente aquele integrado de forma legítima ao Poder

                                                                                                                         

129

A doutrina e jurisprudência, entretanto, têm afirmado que não violam o princípio do juiz natural as modificações da competência entre diversos órgãos da justiça comum, desde que contidas em leis regularmente promulgadas, ou as alterações da competência da justiça comum para especializada previstas em normas constitucionais. Nestes casos a modificação pode ser aplicada imediatamente aos processos em curso. Cf. GRINOVER, Ada Pellegrini. O princípio do juiz natural e sua dupla garantia, Repro, n. 29, São Paulo: RT, p. 11-33, 1993.

130

Ninguém será sentenciado senão pela autoridade competente, por virtude de lei anterior e na forma por ela estabelecida.

131

À exceção das causas que por sua natureza pertençam a juízos especiais, não haverá foro privilegiado nem comissões especiais nas causas cíveis ou criminais.

132

ALVIM, Angélica Arruda. Princípios constitucionais do processo. Reptro, n. 74, São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 20-33, 1994.

Judiciário e com todas as garantias institucionais e pessoais previstas na Constituição da República. Por outro lado, somente são efetivamente Juízos e Tribunais aqueles constitucionalmente previstos, ou, então, os que estejam previstos a partir e com raiz no Texto Constitucional.

Acrescenta Nelson Nery:133

O princípio do juiz natural, enquanto postulado constitucional adotado pela maioria dos países cultos, tem grande importância na garantia do Estado de Direito, bem como na manutenção dos preceitos básicos de imparcialidade do juiz na aplicação da atividade jurisdicional, atributo esse que presta à defesa e proteção do interesse social e do interesse público geral.

Além disso, de acordo com Fredie Didier Jr.,134 o princípio do juiz natural reclama um

aspecto objetivo, formal, e um aspecto substantivo, material. Quanto ao aspecto objetivo, entende-se que o juiz natural é aquele juiz competente conforme as regras gerais e abstratas já estabelecidas, uma vez que não é viável a determinação de um juízo post facto ou ad personam. Já o aspecto substancial do princípio do juiz natural pressupõe a imparcialidade e a independência do magistrado.

Nessa linha, nenhum outro órgão, por mais importante que seja, poderá exercer a atividade jurisdicional se não tiver o poder de julgar assentado na Constituição da República. Desse modo, ninguém pode ser julgado por órgão instituído após o fato e que não esteja previsto na Constituição e, notadamente, por juízes escolhidos individualmente pelas partes.

Vicente Greco Filho é assaz ao afirmar que

não se admite a escolha de magistrado para determinado caso, nem a exclusão ou afastamento do magistrado competente; quando ocorre determinado fato, as regras de competência já apontam o juízo adequado, utilizando-se, até, o sistema aleatório de sorteio para que não haja interferência na escolha.135

Como garantia à manutenção da imparcialidade e também do juiz natural, importante que sejam observadas as garantias da magistratura previstas no artigo 95, inciso II da Constituição da República, que consistem na vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de subsídios.

                                                                                                                         

133

NERY JUNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na Constituição Federal. São Paulo: Editora Revista dos tribunais, 6. ed. v. 21, 2000, p. 65.

134

DIDIER JR., Fredie. Direito processual civil: tutela jurisdicional individual e coletiva. 5. ed. Salvador: JusPODIVM, 2005, p. 86

135

Apesar de, conceitualmente, não se confundirem com o princípio do juiz natural, o respeito e o atendimento a essas garantias da magistratura é, sem dúvida, condição para a manutenção do juiz natural.

De todo modo, é possível concluir não haver atividade cognitiva136 se não forem

observados o princípio do juiz natural e todas as demais garantias constitucionalmente previstas àqueles que exercerão a atividade cognitiva.

Torna-se difícil, em outras palavras, imaginar a lisura de uma atividade cognitiva que não esteja pautada dentro do que estabelece a Constituição da República no tocante às condições mínimas para o exercício da jurisdição.

A partir disso, entende-se que a observância ao princípio do juiz natural é condição sine qua non para o exercício da jurisdição e a violação constitui grave ofende à Carta Magna capaz de tornar nula qualquer atividade cognitiva desenvolvida fora de tais preceitos.

Como há de calhar, diz Kazuo Watanabe que não seria exagero afirmar que o direito à

cognição adequada faz parte do conceito menos abstrato do princípio do juiz natural.137

Feito isso, de tão grave que é a afronta ao princípio do juiz natural, é possível assegurar que, em face de sentenças passadas em julgado e proferidas em afronta a tal princípio, é cabível a sua rescisão por meio de ação rescisória, com fundamento no inciso II

do artigo 485 do Código de Processo Civil de 1973 – correspondente ao artigo 966, inciso II

do Novo Código de Processo Civil.

Imaginar, sem dúvida, afronta a esse princípio seria, de todo modo, violar o princípio constitucional da isonomia, uma das garantias constitucionais sólidas trazidas pelo Estado Democrático de Direito.