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Como abordado acima, a tutela da evidência é modalidade de tutela provisória, diferenciando da tutela de urgência justamente porque não há o elemento de urgência como

traço característico de sua natureza.193 Veio contemplada no Novo Código de Processo Civil

no título III, artigos 311 e seguintes. Luiz Fux entende como denegação de justiça não dar um

tratamento diferenciado à tutela evidente,194 pois é fato que haveria um sacrifício do autor

com o tempo do processo.

Contudo, isso não significa que a tutela da evidência, como espécie de tutela provisória, não estivesse contemplada, ainda que de forma singela, no Código de Processo Civil de 1973.

O Código vigente em 1973 operou satisfatoriamente durante muito tempo. A partir dos anos 1990, entretanto, como afirmado anteriormente, sucessivas reformas, a grande maioria delas lideradas pelos ministros Athos Gusmão Carneiro e Sálvio de Figueiredo Teixeira, introduziram no Código significativas alterações, com o objetivo de adaptar as normas processuais a mudanças na sociedade e ao funcionamento das instituições, afinal, o escopo principal da atividade jurisdicional, como atuadora na solução de conflitos, é o de buscar o resultado útil do processo.

Tais modificações, associadas à perda de credibilidade da Justiça brasileira, impuseram a necessidade da criação de mecanismos que procurassem efetividade na busca

                                                                                                                         

192

DONETTI, Rogéria. In: TUCCI, José Rogério Cruz e et al. (Coords.). Código de processo civil anotado. AASP. 2015. Atualizado em 16.11.2015. p. 511.

193

“[...] A indisponibilidade de bens prevista no art. 7º da LIA [Lei de Improbidade Administrativa] caracteriza- se como tutela da evidência, prescindindo, para o seu deferimento, da demonstração do periculum in mora, pois não se trata de tutela de urgência ou antecipação de penalidade, mas se constitui em verdadeira garantia, com base em presunção legal de risco ao ressarcimento. A decisão impugnada se pautou em elementos concretos que denotam indícios veementes da prática de ato de improbidade administrativa consistente em frustrar a licitude do processo licitatório, com dano ao erário Presente o fumus boni iuris. Indisponibilidade de bens mantida. Recurso parcialmente provido”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO, 8ª Câmara de Direito Público, AI nº 2133840 87.2014.8.26.0000, Ac. nº 8330337, Aparecida, Rel. Des. Leonel Costa, j. em 25/3/2015, DJESP de 27 abr. 2015).

194

FUX, Luiz. Tutela de segurança e tutela de evidência: fundamentos da tutela antecipada. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 321.

desse almejado resultado útil do processo. Assim como no caso das tutelas de urgência, as

tutelas da evidência foram criadas com essa finalidade.195

Nesse sentido, destaca-se entendimento de Luiz Fux no sentido de que 196  

a previsão na Carta Maior revela a eminência desse poder-dever de judicar nos limites do imperioso. Satisfazer tardiamente o interesse da parte em face da evidência significa violar o direito maior ao acesso à justiça e, consectariamente, ao devido processo instrumental à jurisdição requerida. A tutela imediata dos direitos evidentes, antes de infirmar o dogma do due

process of law, confirma-o, por não postergar a satisfação daquele que

demonstra em juízo, de plano, a existência da pretensão que deduz.  

A tutela da evidência surge, desse modo, como instrumento para conferir maior efetividade à prestação jurisdicional, garantindo, nessa linha, o interesse da parte que a pleiteia. Hodiernamente, a busca por uma efetividade da prestação jurisdicional mostra-se como uma das maiores preocupações e desejos pelos operadores do direito e pela doutrina. Diante disso, a tutela da evidência tem como escopo a garantia de uma prestação jurisdicional

justa e útil.197

E quais seriam essas situações de evidência a autorizar a concessão dessa modalidade de tutela provisória?

Como afirma Fredie Didier Jr.,198 a evidência é uma situação processual em que

determinados direitos se apresentam em juízo com mais facilidade do que outros. Há direitos que têm um substrato fático cuja prova pode ser feita facilmente. São chamados de "direitos evidentes" e, por serem evidentes, merecem tratamento diferenciado.

                                                                                                                         

195

Aplicável aqui entendimento de Arruda Alvim no sentido de que o poder geral de cautela era o fundamento para a postulação da tutela pretendida, na busca de uma pretensão do direito do autor, em razão da morosidade da Justiça. Aos poucos, na doutrina e na jurisprudência, começaram a ser concedidas medidas que não tinham somente cunho assecuratório, preservativo, mas, sim, aquelas que traziam a possibilidade de realização efetiva de um direito material. (ALVIM, Arruda. A evolução do direito e a tutela de urgência. Revista Jurídica, Porto Alegre, v.57, n. 378, abr. 2009, p. 33).

196

FUX, Luiz. A tutela dos direitos evidentes. Revista de Jurisprudência do STJ (Brasília), v. 2, p. 23-43, 2000. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/894>. Acesso em 12 dez. 2015.

197

Segundo Luiz Fux, “empreendendo função de tamanha relevância social, exprime-se como um postulado natural à exigência de uma prestação de justiça em prazo razoável que não sacrifique os interesses das partes. A justiça tardia não é justiça, é de negação de função soberana insubstituível e monopolizada, o que revela grave infração aos ditames constitucionais. O acesso à justiça significa não só a disposição de o Estado intervir como também a presteza e a segurança dessa intervenção. Ora, se o particular, caso autorizado, faria justiça incontinenti, o seu substitutivo constitucionalizado deve fazer o mesmo. Há casos em que a incerteza é evidente e há casos em que o direito é evidente. Para esses a tutela há de ser imediata como consectário do devido e “adequado processo legal”. É indevido o processo moroso diante da situação jurídica da evidência. Ademais, imaginar o “devido processo legal” com fases estanques é observá-lo com as vistas voltadas somente para os interesses do demandado, olvidando a posição do autor, que, em regra, motivado por flagrante necessidade de acesso à jurisdição reclama por justiça tão imediata quanto aquela que ele empreenderia não fosse à vedação a autotutela.” (FUX, 2000, p. 23-43).

198

Luiz Fux enumera algumas situações típicas para a concessão da tutela da evidência,

citando,199 por exemplo, as hipóteses de (i) direito demonstrável prima facie por meio de

prova documental que o consubstancie líquido e certo; (ii) direito baseado em fatos incontroversos ou notórios, que independam de prova; (iii) direito a coibir conduta contra legem que, segundo alegação do autor, o réu praticou ou vem praticando; (iv) o direito, cuja existência o juiz precisa definir apenas com base em questões jurídicas, pois, de regra, o direito objetivo não depende de prova; (v) o direito em favor do qual milite uma presunção jure et iure; (vi) o direito decorrente de decadência ou prescrição.

Assim sendo, é possível encontrar diversas situações nas quais o direito mostra-se tão preciso ao julgador que impor às partes todos os trâmites, típicos, por exemplo, dos processos de procedimento ordinário, seria no mínimo injusto e improducente à busca do resultado útil almejado, violando assim o princípio constitucional da efetividade processual, além do acesso à justiça e da duração razoável do processo.

Trata-se de tutela da evidência baseada em elementos fundados em probabilidade, a

qual beira quase a certeza.200

Como afirmado no início do presente capítulo, a tutela da evidência já era contemplada de forma sutil no Código de Processo Civil de 1973 e aplicada com certo receio pelos juízes. Ao contrário do que dispõe o Novo Código de Processo Civil, a tutela da evidência no Código de Processo Civil ainda vigente era positivada em conjunto com a tutela antecipada (CPC, arts. 273, incisos II e § 6º), sem contudo, existir urgência.

Em nenhum desses casos existe urgência ou perigo de dano. A tutela antecipada com base nesses dispositivos deve ser concedida apenas na evidência dos fatos e do direito da parte

autora, em detrimento das alegações da parte ré.201

No mesmo sentido, José Roberto Bedaque também entende que a tutela antecipada pode ser deferida com fundamento no inciso II do artigo 273, independentemente do perigo de dano concreto ou da urgência. Segundo ele, há uma situação muito próxima da litigância de má-fé pelo réu. Trata-se, na verdade, de técnica de antecipação provisória mediante cognição

sumária para punir ilícito processual.202

                                                                                                                          199 FUX, 2000, p. 8. 200 Ibidem, p. 5. 201

MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Código de processo civil. Comentado artigo por artigo São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

202

Segundo alguns doutrinadores, outra hipótese de tutela da evidência presente no

Código de Processo Civil de 1973 consiste no caso previsto no § 6º do artigo 273,203 quando

um dos pedidos, cumulados, mostra-se incontroverso. Nessa hipótese, segundo João Batista

Lopes,204 ao antecipar a tutela, o juiz pronuncia a certeza do direito e, portanto, a cognição é

exauriente.

O Novo Código de Processo Civil positivou a tutela da evidência nos artigos 311205 e

seguintes, dando um tratamento diferenciado a essa modalidade de tutela provisória, ao contrário do que dispõe o Código de Processo Civil. Quanto à hipótese de pedido incontroverso, o Novo Código não a tratou como hipótese de tutela da evidência, mas como

caso de julgamento parcial do mérito, nos termos do disposto no inciso I do artigo 356.206

Importante salientar que não se pode confundir as hipóteses de tutela da evidência com aquelas de julgamento antecipado do mérito, uma vez que, ao contrário do julgamento com base nos artigos 355 e 356 do Novo Código de Processo Civil, na tutela da evidência a

decisão é proferida com base em cognição sumária, de natureza provisória.207

Por fim, ainda acerca da tutela da evidência, oportuno salientar não existir a possibilidade legal de sua concessão em caráter antecedente.

Dessa forma, há um tratamento heterogêneo entre as diferentes espécies de tutela provisória: enquanto a tutela de urgência pode ser pedida de forma antecedente e incidental, a tutela da evidência só pode ser pedida de forma incidental. É claro que, nas duas hipóteses de tutela da evidência em que não cabe sua concessão liminarmente, não haverá possibilidade                                                                                                                          

203

Em sentido contrário a essa possibilidade, já afirmava Dinamarco que: se nenhuma outra parcela do pedido houvesse para ser decidida depois (após a realização da prova), em vez de conceder a tutela antecipada o juiz julgaria antecipadamente o mérito, e para tanto, obviamente, não se preocuparia com os riscos da irreversibilidade. A circunstância de haver mais algum petitum pendente não compromete a segurança para permitir que se produzam efeitos irreversíveis. (DINAMARCO, Cândido Rangel. A reforma da reforma. 3. ed., São Paulo: Malheiros, 2002, p. 97).

204

LOPES, João Batista. Tutela antecipada no processo civil brasileiro. 3. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 177/178.

205

“Art. 311. A tutela da evidência será concedida, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, quando: I - ficar caracterizado o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório da parte; II - as alegações de fato puderem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em súmula vinculante; III - se tratar de pedido reipersecutório fundado em prova documental adequada do contrato de depósito, caso em que será decretada a ordem de entrega do objeto custodiado, sob cominação de multa; IV - a petição inicial for instruída com prova documental suficiente dos fatos constitutivos do direito do autor, a que o réu não oponha prova capaz de gerar dúvida razoável. Parágrafo único. Nas hipóteses dos incisos II e III, o juiz poderá decidir liminarmente” (BRASIL, 2015).

206

“Art. 356. O juiz decidirá parcialmente o mérito quando um ou mais dos pedidos formulados ou parcela deles: I - mostrar-se incontroverso” (Ibidem).

207

“Tais situações não se confundem, todavia, com aquelas em que é dado ao juiz julgar antecipadamente o mérito (arts. 355 e 356), porquanto na tutela de evidência, diferentemente do julgamento antecipado, a decisão pauta-se em cognição sumária e, portanto, traduz uma decisão revogável e provisória.” (WAMBIER et al., 2015, p. 523).

material de seu pedido ocorrer de forma antecedente; mas nas duas outras, nas quais a concessão pode ou deve ser liminar, é plenamente possível se imaginar um pedido de forma antecedente.

A tutela da evidência, portanto, caracteriza-se pela possibilidade de antecipação dos efeitos finais da decisão, satisfazendo-se desde logo o provável direito do autor, mesmo nas situações em que não exista a urgência. Tal previsão permite uma melhor distribuição do ônus do tempo, assegurando uma maior efetividade na prestação jurisdicional. Destaca-se que, no sistema anterior (art. 273, inciso II do Código de Processo Civil de 1973, com as alterações introduzidas pela Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994), já se mostrava possível a

antecipação da tutela, independentemente do risco de dano.208

Essa modalidade de tutela era cabível quando se caracterizasse o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu. Contudo, o Novo Código de Processo Civil prevê outras circunstâncias nas quais se autoriza a antecipação, consoante os incisos do art. 311 do referido diploma legal. Em síntese, o que a tutela da evidência assegura é a

realização desde logo do direito provável, ainda que este não esteja em risco.209

Faz-se assim, consoante entendimento de Rogéria Dotti,210 uma clara opção em

relação ao peso do tempo no processo. Os quatro incisos aplicam-se nas situações em que, guardadas suas peculiaridades, tenham em comum a inconsistência da defesa do réu.

                                                                                                                          208 DONETTI, 2015, p. 521. 209 Ibidem, p. 521. 210 Ibidem, p. 521.

3 COISA JULGADA