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2.3 TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA

2.3.4 Princípio da motivação das decisões judiciais

A cognição, como regra no direito processual vigente, está direcionada para a prolação da decisão final no processo, seja resolvendo o mérito ou não. Sendo a cognição um direito para as partes litigantes (autor e réu) e um dever para o juiz, mostra-se necessário que qualquer decisão judicial, mesmo que não seja para resolver uma das situações descritas nos artigos 267 ou 269 do Código de Processo Civil de 1973 – correspondentes aos artigos 485 e 487 do Novo Código de Processo Civil –, esteja devida e suficientemente motivada.

                                                                                                                         

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Trata-se de garantia prevista no artigo 93, inciso IX da Constituição da República,144 também prevista nos artigos 165 e 458 do Código de Processo Civil de 1973, mas que não é, com o devido respeito, observada pelo Judiciário tal como deve ser.

No Brasil, segundo Barbosa Moreira,145 a fundamentação da decisão tem origem no

Código Filipino, no qual o juiz que não a realizasse de forma correta e completa era condenado ao pagamento de multa a favor da parte.

Essa garantia constitucional foi consagrada no Novo Código de Processo Civil com muita força e importância pelos artigos 489, § 1º e 927, § 1º. Assim, o dever de fundamentação é de tamanha relevância que mesmo as decisões interlocutórias pelo Novo Código não são consideradas fundamentadas pelo legislador, se o julgador cometer algumas

impropriedades previstas em referido dispositivo legal.146

Como se pode observar, diante do surgimento de um Código de Processo Civil muito mais próximo da Carta Magna, o legislador tem procurado considerar, como não poderia deixar de ser, as garantias fundamentais do Estado Democrático de Direito, sendo uma delas o

dever de fundamentação das decisões judiciais.147

Essa nova questão tem trazido acirradas discussões, sobretudo por parte do Poder

Judiciário,148 sob a justificativa tão conhecida pelos advogados de que o juiz não está

                                                                                                                         

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“IX - todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação” (BRASIL, 1988).

145

MOREIRA, 1988.

146

“§ 1o Não se considera fundamentada qualquer decisão judicial, seja ela interlocutória, sentença ou acórdão, que: I - se limitar à indicação, à reprodução ou à paráfrase de ato normativo, sem explicar sua relação com a causa ou a questão decidida; II - empregar conceitos jurídicos indeterminados, sem explicar o motivo concreto de sua incidência no caso; III - invocar motivos que se prestariam a justificar qualquer outra decisão; IV - não enfrentar todos os argumentos deduzidos no processo capazes de, em tese, infirmar a conclusão adotada pelo julgador; V - se limitar a invocar precedente ou enunciado de súmula, sem identificar seus fundamentos determinantes nem demonstrar que o caso sob julgamento se ajusta àqueles fundamentos; VI - deixar de seguir enunciado de súmula, jurisprudência ou precedente invocado pela parte, sem demonstrar a existência de distinção no caso em julgamento ou a superação do entendimento” (BRASIL, 2015).

147

Os atos do Estado não devem se impor pela força, mas pelo convencimento e sua congruência com o ordenamento jurídico vigente. O Poder Judiciário se legitima quando sua decisão convencer a sociedade, sendo certo que para que isso ocorra os interessados devem tomar pleno conhecimento de seus fundamentos. O Estado Constitucional não mais comporta atividades públicas que sejam despidas de justificação, que não guardem qualquer relação com o prestígio à concreta participação dos jurisdicionados na formação das decisões judiciais que afetem suas esferas de interesse (FILARDI, Hugo. Motivação das decisões judiciais e o

estado constitucional. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2012).

148

Em notícia veiculada no Conjur em 4 de março de 2015, entidades de magistrados encaminharam à presidente Dilma Rouseff ofícios, solicitando vetos aos dispositivos do Novo Código de Processo Civil que estivessem relacionado com o dever de fundamentação das decisões judiciais. Segundo a notícia, no documento enviado à presidente da República, as associações pediram o veto aos artigos 12, 153 e 942, além dos parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 489 e do parágrafo 1º do artigo 927. O texto é assinado pela Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra). (VASCONCELLOS, Marcos de; ROVER, Tadeu. Juízes pedem veto a artigo que traz regras para fundamentação de decisões. 4 mar. 2015. Consultor Jurídico. Disponível em:

obrigado a se manifestar sobre todos os pontos e teses expostos pelas partes para justificar seu convencimento.

Não se pode esquecer, por outro lado, que o ordenamento jurídico vigente é pautado no princípio do livre convencimento motivado, decorrente do artigo 131 do Código de

Processo Civil de 1973.149 Não há, de fato, nem no Código de Processo Civil de Buzaid, nem

no Novo Código de Processo Civil disposição sobre a forma como deve ser essa fundamentação. O que o Novo Código obriga é o dever de fundamentar, seja em decisão que aprecia ou mérito ou não, seja em decisão de natureza interlocutória.

Apesar disso e das críticas do Judiciário em relação à alteração da legislação, quer parecer, contudo, que tais críticas não merecem acolhida. Observa-se um crescimento exponencial de decisões que têm por fundamento apenas ementa de outros julgados, transcrição de dispositivos legais, sem que se faça a análise profunda dos fatos, provas e do direito aplicável. Em outros casos, as decisões judiciais não se manifestam sobre pontos

fundamentais da lide, culminando na oposição de embargos de declaração,150 o que ocasiona

gigantesco custo para as partes e para a própria Justiça.151

O §1º acima transcrito, ao contrário das disposições do Código de Processo Civil de 1973, exige a observância dos mesmos critérios para todos os tipos de decisão e menciona, expressamente, sentença, acórdão e interlocutória, sendo que, com relação às decisões                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                             <http://www.conjur.com.br/2015-mar-04/juizes-pedem-veto-artigo-cpc-exige-fundamentacao>. Acesso em 10 dez. 2015).

149

“Art. 131. O juiz apreciará livremente a prova, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes; mas deverá indicar, na sentença, os motivos que lhe formaram o convencimento” (BRASIL, 1973).

150

“PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. JULGAMENTO DOS EMBARGOS DECLARATÓRIOS. OMISSÃO SOBRE PONTO RELEVANTE PARA O DESLINDE DA CAUSA. VIOLAÇÃO DO ART. 535 DO CPC CONFIGURADA.[...][...]2. Embora, instada a se manifestar nos dois embargos de declaração opostos pelo ora recorrente, a Corte de origem manteve-se omissa a respeito do quanto alegado.3. De acordo com o art. 535, II, do CPC, os embargos declaratórios são cabíveis quando for omitido ponto sobre o qual se deve pronunciar o juiz ou o tribunal. No caso, notória a afronta ao dispositivo elencado pois o acórdão ora embargado não enfrentou temas relevantes para o deslinde da causa. 4. Recurso especial a que se dá provimento para anular os acórdãos dos embargos de declaração e determinar o retorno dos autos à origem, a fim de que se pronuncie sobre o quanto alegado em sede aclaratória.” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - REsp 1252760/MT, Rel. Ministro Og Fernandes 2ª t., julgado em 20/05/2014, DJe 28 maio 2014).

151

“O fato é que a própria duração do processo de conhecimento pode constituir ameaça a direitos das partes litigantes, cujo prejuízo é denominado pela doutrina de dano marginal. Assim, enquanto o processo não é decidido em termos definitivos, as partes continuam com suas vidas dominadas por um estado de incerteza pernicioso, que as impede de programarem suas atividades, projetando os efeitos que a derrota ou vitória na lide proporciona, algo que nem mesmo pela previsão das tutelas de urgência é solucionado.[...] Em verdade, a demora na solução do litígio impõe a todos os litigantes um prejuízo: autor e réu perdem simultaneamente em razão do prolongamento injustificado da lide. Trata-se de um dano que não decorre da derrota em relação à pretensão deduzida, mas um “dano marginal”, na feliz expressão que foi popularizada na doutrina italiana por Enrico Finzi. O dano marginal é aquele que sofrem os litigantes em razão de deficiência na tramitação dos processos, e esta demora afeta a ambos, autor e réu, vencedor e vencido [...]”. (CABRAL, Antonio do Passo. A duração razoável do processo e a gestão do tempo no projeto de novo código de processo civil. In: FREIRE, Alexandre et al. (Coords.). Novas tendências do processo civil. Salvador: Jus Podivm, 2013, p. 76-77).

interlocutórias, o atual Código de Processo Civil não previa dever de fundamentação aprofundado.

Dito isso, pode-se dizer que a modificação inserida nesse novo contexto do Novo Código Processo Civil é acertada, pois decisões de natureza interlocutória, principalmente aquelas que dizem respeito à concessão de tutelas de urgência liminares – nas quais, como regra, o juízo de cognição é sumário –, possuem grande impacto às partes envolvidas. E a ausência de fundamentação retira toda a validade formal da decisão.

Nessas decisões em que o juízo de cognição não é exauriente, notadamente nos casos das tutelas de urgência, como se verá a seguir, parece-nos que o dever de motivação também seja de extrema importância, já que a decisão está sendo pautada com base em juízo de probabilidade – especialmente em relação àquelas que possam produzir efeitos da estabilização (com ou sem eficácia da coisa julgada).

Quer parecer que uma fundamentação lacônica, nessas hipóteses, não será admitida, sendo de rigor que o juiz aprofunde-se em cada uma das decisões, analisando os fatos e

provas que irão embasar o deferimento da liminar,152 sob pena de nulidade. Quanto mais, se a

linha adotada for a de atribuir efeitos da coisa julgada material à estabilização da tutela antecipada antecedente.

No entender de Teresa Arruda Alvim Wambier,153 o dever de fundamentação das

decisões consiste na última manifestação do contraditório, sendo a motivação um mecanismo de garantia de viabilização de constatação das partes de terem sido ouvidas. Nesse mesmo sentido, José Carlos Barbosa Moreira afirma que as partes possuem direito ao contraditório

pleno,154 de serem ouvidas pelo juiz e de terem a certeza de que os pontos levantados foram

analisados pelo julgador no momento da prolação da decisão judicial.

                                                                                                                         

152

No entender de Alex Costa Pereira, “com a mudança de perspectiva de atuação da tutela sumária, que potencialmente, poderá representar a resposta final do Estado-juiz à crise de direito material que lhe foi submetida, aflora sobremaneira o dever de motivação a ser observado em todo e qualquer pronunciamento judicial que carregue alguma carga de decisão na esfera jurídica das partes – processual ou material. Sendo certo que a decisão que antecipa os efeitos da tutela final almejada pelo demandante deve ser congruente aos limites de sua pretensão definitiva, não se pode olvidar daquelas hipóteses em que o provimento sumário é concedido em menor extensão de efeitos em comparação àqueles que serão produzidos ao final do processo com o acolhimento integral da tese jurídica do autor.” (PEREIRA, Alex Costa. Tutela sumária: a estabilização da tutela antecipada e sua adequação ao modelo constitucional do processo civil brasileiro. Tese [Doutorado] – Faculdade de Direito, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012).

153

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Omissão judicial e embargos de declaração. São Paulo: RT, 2005, p. 335 e 389.

154

Segundo Bruno Vasconcelos Carrilho Lopes,155 a intensidade da motivação exigida nas decisões judiciais deve ser avaliada conforme os ditames da razoabilidade. A exigência deve cingir-se aos elementos essenciais ao amparo da decisão, sem exageros, mas, também, sem omissão quanto a pontos nucleares.

Vale mencionar que o princípio do contraditório, atualmente, não é entendido apenas como o direito de a parte ser cientificada dos atos processuais e se manifestar nos autos, demonstrando o direito que alega ter. Reforçando o entendimento de Teresa Arruda Alvim Wambier, acima citado, tal princípio compreende o direito de que as alegações sejam levadas a efeito no momento em que a decisão é prolatada, devendo o juiz expor as razões pelas quais

acolheu ou rejeitou o pedido.156 A motivação, sob esse prisma, é uma das facetas do

contraditório.157

Por fim, cabe ainda salientar que o dever de fundamentação das decisões não é importante somente na viabilização do alcance de um resultado útil e justo do processo. Há uma tendência forte no direito processual civil brasileiro de fortalecer a jurisprudência. As técnicas das Súmulas Vinculantes, os incidentes de resolução de demanda repetitiva e alguns procedimentos adotados pelo Novo Código de Processo Civil demonstram a tendência e preocupação do legislador com essa uniformização.

Além dos exemplos citados, o artigo 927 do Novo Código de Processo Civil prevê

uma série de hipóteses de vinculação dos juízes e tribunais a determinadas decisões,158

súmulas ou orientações expedidas, o que comprova a necessidade de que todas as decisões estejam sempre bem e suficientemente motivadas.

                                                                                                                         

155

LOPES, Bruno Vasconcelos Carrilho. Tutela antecipada sancionatória: art. 273, inc. II, do Código de Processo Civil. Malheiros: São Paulo, 2006, p. 69.

156

Por ocasião do julgamento do RE nº 434.059-3/DF, o ministro Gilmar Mendes manifestou-se sobre a matéria e estabeleceu alguns critérios acerca do direito das partes envolvendo à atividade jurisdicional: “(I) – direito de informação [...], que obriga o órgão julgador a informar à parte contrária dos atos praticados no processo e sobre os elementos dele constantes; (II) – direito de manifestação [...], que assegura ao defendente a possibilidade de manifestar-se oralmente ou por escrito sobre os elementos fáticos e jurídicos constantes do processo [...]; (III) – direito de ver seus argumentos considerados [...], que exige do julgador capacidade de compreensão e isenção de ânimo [...] para contemplar as razões apresentadas [...] Sobre o direito de ver os seus argumentos contemplados pelo órgão julgador, que corresponde, obviamente, ao dever do juiz de a eles conferir atenção, pode-se afirmar que envolve não só o dever de tomar conhecimento, como também o de considerar, séria e detidamente, as razões apresentadas” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, RE nº 434.059, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ de 11/9/2008. In: TUCCI, José Rogério Cruz et al. (Coords.). Código de

processo civil anotado. AASP, 2015, p. 789).

157

CONCEIÇÃO, Maria Lucia Lins da. In: TUCCI, José Rogério Cruz et al. (Coords.). Código de processo

civil anotado. AASP. 2015. Atualizado em 16.11.2015. p. 788.

158

“Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão: I - as decisões do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade; II - os enunciados de súmula vinculante; III - os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos; IV - os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional; V - a orientação do plenário ou do órgão especial aos quais estiverem vinculados” (BRASIL, 2015).

Qualquer medida em sentido contrário a essa necessidade prejudicará o julgamento dos processos e, consequentemente, maculará seus resultados – que não refletirão a realidade trazida pelas partes.

Ademais, há quem defenda, a exemplo de Kazuo Watanabe, que a cognição funciona como elemento necessário ao autocontrole do Judiciário, pois é por meio da análise das

motivações constantes das sentenças que se pode avaliar o nível de preparo dos juízes.159

A partir dessa linha de raciocínio é que se permite concluir que a exigência da fundamentação da decisão também está intrinsecamente relacionada à garantia de outras garantias processuais, como a imparcialidade do juiz, abordada no item anterior. Assim como é possível, segundo Watanabe, avaliar a qualidade e preparo dos juízes, entende-se possível, por outro lado, avaliar também a imparcialidade do juiz por meio da fundamentação. Isto é, a fundamentação permite que as partes avaliem se o juiz procedeu a uma análise objetiva dos fatos e provas ou se esqueceu do seu dever de imparcialidade.

Destarte, importantíssima a alteração legislativa trazida pelo Novo Código de Processo Civil quanto ao dever de fundamentação das decisões judiciais em sentido amplo, o que veio a ser congruente com as demais alterações legislativas, especificamente aquelas relacionadas à possibilidade de que as tutelas antecipadas venham a se estabilizar.

Conforme entendimento de Maria Lúcia Lins Conceição,160 o juiz deve fazer tal

fundamentação de "forma expressa, clara e coerente", de maneira que as partes e terceiros possam compreender a decisão e, se for o caso, impugná-la, exercendo o "controle" sobre a correção do pronunciamento. Ao proferir decisão fundamentada, o juiz estará observando o "dever de cooperar com as partes" (CPC/2015, art. 6º), a que o legislador do Novo Código de Processo Civil atribuiu acentuada relevância.

Para evitar que as partes sejam colhidas de surpresa, o juiz deve observar, ainda, o que dispõe o CPC/2015, art. 10, assegurando o prévio contraditório na hipótese de surgirem fundamentos novos – fato ou direito supervenientes, por exemplo – que possam influir no teor do julgamento, ou de serem constatadas nulidades absolutas.