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2.3 TUTELA JURISDICIONAL DIFERENCIADA

2.3.3 Princípio da imparcialidade

Apesar de existirem algumas correntes a respeito do princípio da imparcialidade, colhe-se aquela que entende que a imparcialidade encontra seu fundamento no princípio do

juiz natural. Trata-se da corrente que encontra maior guarida na doutrina brasileira.138

                                                                                                                         

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Ada Pellegrini Grinover defende que não há função jurisdicional possível sem a observância de tal princípio:

“mais do que direito subjetivo da parte e para além do conteúdo individualista dos direitos processuais, o

princípio do juiz natural é garantia da própria jurisdição, seu elemento essencial, sua qualificação substancial. Sem o juiz natural, não há função jurisdicional possível” (GRINOVER, 1993, p. 11).

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Watanabe (1987. p. 46) acrescenta, ainda, que para a cognição adequada a cada caso, pressuposto de um julgamento justo, a sensibilidade referida é um elemento impostergável.

138

São adeptos dessa corrente: MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito

constitucional. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 529; PACHECO, José da Silva. Curso de teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 1985, p. 91; NERY JUNIOR, 2000, p. 65; CRETELLA Júnior, José.

Como citado no item anterior, o princípio do juiz natural tem como uma de suas funções a manutenção dos preceitos básicos da imparcialidade do juiz na atividade jurisdicional.

Ao conceituar-se "processo" no início do presente capítulo, verificou-se existir várias teorias acerca de sua definição, das quais a que mais se destaca no Brasil é aquela que enxerga o processo como uma relação jurídica composta pelas partes (autor e réu) e pelo Estado-juiz. Assim, considerando que o processo se expressa por meio da atividade jurisdicional, é possível afirmar que o Estado, além de exercer uma de suas funções (a jurisdição), possui como interesse o alcance do resultado útil e prático daquele litígio que lhe foi submetido.

Como visto, o Estado é personificado na pessoa do juiz, o qual, ao ser responsável pelo julgamento do litígio que lhe é submetido, é obrigado, entre outras coisas, a ser imparcial na condução do processo e no julgamento dos fatos, provas e direito que lhe são postos.

Não se poderia imaginar a condução de um processo e a prolação de uma sentença definindo quem será o vencedor e o perdedor por um juiz tendencioso e munido de pré- julgamentos, pré-conceitos ou de qualquer interesse que não jurisdicional naquela causa que lhe foi submetida.

Ser parcial, na definição do Dicionário Michaelis,139 significa ser parte de um todo ou

que só existe ou só se realiza em parte.

Afirmar que o Estado-juiz possui interesse no processo não significa afirmar que haja um interesse subjetivo ligado a uma das partes, mas sim que existe interesse em resolver aquele conflito que lhe foi posto, obtendo-se um resultado útil e concreto.

Como já abordado neste capítulo, de nada adianta o Estado-juiz conceder uma tutela jurisdicional e reconhecer a existência de um direito se o que a parte pretende, em alguns casos, é além dessa declaração.

Segundo Flávio Luiz Yarshell,140 não resta dúvida quanto à finalidade da tutela estatal

– lembrando que esta se presta a designar o resultado da atividade jurisdicional. Com exceção dos julgamentos em que não se conhece o mérito, é inegável que a locução tutela jurisdicional designa o resultado final do exercício da jurisdição estabelecido em favor de quem tem razão. Nesse sentido, reconhecer a procedência a quem tem razão significa que há previamente uma vontade e finalidade destinada a cumprir um objetivo justo. Yarshell                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                                            

Comentários à Constituição Brasileira de 1988. v. 1. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1988, p. 463;

DIDIER JR., 2005, p. 86.

139

PARCIAL. In: Michaelis on-line. Disponível em: <http://www.michaelis.com.br/busca?palavra=parcial>. Acesso em 20 jan. 2016.

140

salienta, ainda, que isso representa inegável forma de tutela não apenas em favor da parte em relação ao adversário, mas, inclusive, em favor da parte em confronto com o próprio Estado, que exerce o Poder.

Complementando o posicionamento de Yarshell acerca do interesse do Estado em

resolver o processo objetivamente e de forma justa, entende Miguel Reale Júnior:141

O bem, visto como valor social, é o que chamamos propriamente de justo, e constitui valor fundante do Direito [...] O valor do Direito é, pois, a justiça – não entendida como simples relação extrínseca ou formal, aritmética ou geométrica, dos atos humanos [...] A Justiça que, como se vê, não é senão a expressão unitária e integrante dos valores todos de convivência, pressupõe valor transcendental da pessoa humana [...] A justiça é vista como inclinação, tendência, forma de querer, como algo, em suma, que está no homem mesmo antes de ser realizar a sociedade. Se o homem age, no entanto, segundo a justiça, obedecendo àquele impulso subjetivo, instaura uma dada ordem social, uma ordenação de convivência. Também a essa ordenação social por ele objetivada se dá o nome de justiça ou de justo. [...] Se afirmamos que o justo é a realização do bem comum ou, por outras palavras, que é o bem enquanto fim intersubjetivo do agir [...] Daí a tese de que o Estado deve ter uma função primordial e essencial, que se esgotaria na tutela jurídica [...] Esta última tendência (a do personalismo) é, quase sempre, acorde em reconhecer que no trabalho de composição entre os valores do todo e os dos indivíduos brilha um valor dominante, uma constante axiologia do justo. [...] Determinado o conceito de Direito e fixadas as notas que constituem a juridicidade, abre-se um segundo campo a indagação, relativo à atitude do jurista perante um "dever" a cumprir, em função de sua valoração do "agir". Se o Direito existe como realidade social, e se em razão desta se estabelecem juízes e tribunais, assim como se movimentam clientes e advogados, é sinal de que há fins a serem atingidos ou, pelo menos, fins que os homens julgam necessários a seu viver comum.

Verifica-se, desse modo, que o Estado, apesar de possuir interesse na solução do litígio que lhe foi colocado para ser julgado, deve ser impessoal às partes, condição essa que, atrelada ao princípio do juiz natural, se não for observada, pressupõe-se que macula o processo.

Contudo, oportuno mencionar, como o faz Cândido Rangel Dinamarco,142 que o juiz

moderno compreende que só se lhe exige imparcialidade no que diz respeito à oferta de iguais oportunidades às partes, e recusa estabelecer distinções em razão das próprias pessoas ou reveladoras de preferências personalíssimas. Não se lhe tolera, porém, a indiferença.

Segundo o doutrinador, a atividade jurisdicional exige que o juiz acompanhe as mudanças de seu tempo, atuando como autêntico canal de comunicação entre a sociedade e o

                                                                                                                         

141

REALE, Miguel. Filosofia do direito. 18. ed., São Paulo: Saraiva, 1998. p. 272-293.

142

mundo do jurídico e garantindo permanente diálogo entre o juiz e as partes, revelador do

contraditório em seu aspecto substancial.143

Entretanto, o autor ressalva a necessidade da garantia da imparcialidade do juiz, sem a qual o processo pode transformar-se em instrumento de iniquidades, com a distribuição de favores aos amigos ou poderosos e a imposição de danos e prejuízos aos inimigos ou desvalidos, tudo sob o manto protetor do poder estatal.

Assim, a imparcialidade como condição essencial à prolação de qualquer tutela jurisdicional e, consequentemente, ao exercício da cognição, deve ser entendida sob esses aspectos, sob pena de se compreender a atividade do juiz como simples “condutor” do processo.

Sob esse prisma, não seria viável que o próprio Estado, que vedou a possibilidade de o jurisdicionado usar das próprias forças para resolver seus conflitos – e que reservou para si a função de prestar a tutela necessária à resolução de conflitos –, prestasse-se a essa função munido de intenções e pré-julgamentos.

Para essa garantia, o juiz deve ser estranho às partes e ao conflito que lhe foi posto, tendo o Código de Processo Civil impedido a sua atuação por meio das hipóteses previstas no artigo 134 (impedimento) e artigo 135 (suspeição), ambos do Código de Processo Civil de 1973.

O Novo Código de Processo Civil, fortalecendo o princípio constitucional do juiz natural e da imparcialidade, ampliou o rol de hipóteses em que ao juiz é defeso (impedimento) atuar no processo (CPC, art. 144) e modificou as causas de suspeição (CPC, art. 145).