• Nenhum resultado encontrado

3 RETROSPECTIVA E PANORAMA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

3.3 AÇÕES AFIRMATIVAS NO BRASIL

3.3.1 Ações afirmativas nas universidades brasileiras

No Brasil, as desigualdades e os privilégios perpetuados no sistema educacional se refletem diretamente na educação superior. As universidades públicas têm muito a contribuir com o desenvolvimento individual e socioeconômico do país, pela relação que apresenta a formação superior com empregabilidade e mobilidade social, em uma sociedade complexa do ponto de vista científico e tecnológico, que estratifica as melhores colocações para os sujeitos com maior capital intelectual (ALMEIDA FILHO et al., 2010). Este argumento confirma a necessidade de democratização das universidades brasileiras, principalmente as públicas, de reconhecida excelência acadêmica, no sentido de oportunizar a todos os estratos sociais o acesso e permanência.

Segundo Moehlecke (2000), no Brasil até o ano de 2000, coube a setores da sociedade civil, grupos em universidades, ONGs, entidades ligadas à Igreja e ao Movimento Negro, o fomento de práticas cujo objetivo era ampliar o número de negros na educação superior. Para Brandão (2005), as primeiras iniciativas brasileiras de ações afirmativas ligadas à educação superior surgiram em 1992, através de ONGs, com a oferta de cursinhos preparatórios para os vestibulares voltados para os alunos pobres e/ou afrodescendentes. O objetivo destes projetos sociais era modificar a realidade educacional pelo panorama racial, transformando a condição socioeconômica dos afrodescendentes.

O ano de 2000 foi um marco para a implantação de ações afirmativas no ensino superior, com a publicação, em 28 de dezembro de 2000, da Lei n. 3.524, decretada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro, que reservou 50% das vagas de duas universidades estaduais: Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) e Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro (Uenf) para alunos egressos da rede pública estadual. Em novembro de 2001, o então governador Antony Garotinho sanciona a Lei n. 3.708 que reservou 40% das vagas da Uerj e Uenf para negros. Segundo Matta (2010), no ano de 2003, as leis anteriores foram revogadas e a Lei n. 4.151/2003 definiu a reserva de 45% das vagas de graduação da Uerj e Uenf, sendo 20% para estudantes egressos da rede pública, 20% para negros e 5% para pessoas com deficiência, integrantes de minorias étnicas, sendo necessária a comprovação de pobreza. Em dezembro de 2008, a Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro, sanciona a Lei n. 5.346/0 que estabeleceu, por 10 anos, a reserva de 45% das vagas nas universidades estaduais do Rio de Janeiro com o recorte socioeconômico, ampliando o rol das minorias étnicas, deficientes e filhos de policiais civis e militares mortos ou incapacitados em razão do serviço.

A iniciativa de reserva de vagas nas universidades estaduais do Rio de Janeiro desencadeou uma série de práticas semelhantes em universidades estaduais e federais em todo país. Segundo Peria (2004), em 2001, a Universidade do Estado do Rio Grande do Sul (UERGS) reservou 50% de suas vagas para estudantes carentes e 10% para deficientes. A Universidade Estadual do Mato Grosso (Unema) criou o programa “Terceiro Grau Indígena”, ofertando 200 vagas para estudantes indígenas, com o objetivo de formar professores do ensino fundamental para a comunidade indígena. Em 2002, a Universidade do Estado da Bahia (Uneb) aprovou a reserva de 40% de todas as vagas dos cursos de graduação e pós- graduação para estudantes negros (pretos e/ou pardos) oriundos de escolas públicas. Nos anos seguintes, várias universidades estaduais do país adotaram políticas de ações afirmativas seguindo as determinações de leis estaduais. Enquanto as universidades federais delegaram esta decisão aos seus Conselhos Superiores. A primeira instituição de ensino superior federal a implantar um sistema de reserva de vagas (20%) para negros foi a Universidade de Brasília no ano de 2003.

O debate sobre reserva de vagas para negros e indígenas iniciado em 2002, logo após a conferência de Durban, tem politizado o espaço acadêmico e exigido reflexões e posicionamentos de toda a comunidade universitária. Segundo Munanga (2013) cerca de 120 universidades públicas federais e estaduais participaram desse debate e implantaram algum tipo de sistema de reserva de vagas para grupos minoritários. O sistema de cotas adotado pelas universidades seria uma tentativa de inclusão diferenciada enquanto não surgem mecanismos de nivelamento entre os concorrentes ao ensino superior, ou não se estabelece uma nova forma de ingresso. Esta política não é uma ação única e definitiva para resolver o problema da exclusão, mas deve ser implantada em conjunto com ações que melhorem a qualidade geral do ensino público e, sobretudo, que expandam o sistema público de educação superior, tanto territorialmente, quanto pelo aumento do número de vagas, inclusive no turno da noite. O Governo Federal criou, também, em 2004, o Programa Universidade para Todos (Prouni) com o objetivo de conceder bolsas de estudo integrais e parciais em cursos de graduação e sequenciais de formação específica, em instituições de ensino superior privadas.

Segundo Anhaia(2013), o sistema de cotas e o Prouni são políticas públicas direcionadas ao setor público e privado, respectivamente, voltadas à inclusão de camadas populacionais no ensino superior com o objetivo de garantir a equidade.

Em função do princípio da autonomia das universidades, verifica-se que a política brasileira de ações afirmativas no ensino superior é caracterizada por uma diversidade de

formatos. Algumas universidades brasileiras36 desenvolveram um sistema de bônus ou pontuação extra para alunos egressos das escolas públicas e/ou negros, sob alegações de impedimentos legais ou em defesa da excelência e do mérito (MUNANGA, 2013). Segundo Santos (2012), a maioria das universidades implantou um sistema de reserva de vagas para estudantes egressos do ensino público, negros (pretos e pardos), indígenas, pobres ou deficientes. Não houve um consenso também sobre a utilização de cotas sociais e/ou raciais pelas instituições de ensino superior no Brasil, além disso, os critérios e os percentuais adotados para o estabelecimento das cotas e bônus eram diferentes em cada instituição, algumas levavam em consideração as condições socioeconômicas, outras a origem escolar pública ou afrodescendência. Segundo Heringer (2001), no Brasil, as ações destinadas à inclusão de negros no ensino superior possuem os seguintes formatos: adoção de cotas; pré- vestibulares alternativos; isenção de taxas para inscrição no vestibular, matrícula e uma política de bolsas nas universidades privadas.

Segundo Santos (2013), apesar da existência de mais de uma centena de instituições de ensino que adotaram políticas de ações afirmativas, poucos são os dados divulgados em relação ao ingresso e a permanência desses estudantes37. Para esse autor, são muitas as razões que justificam a falta de divulgação das informações, dentre elas, destaca: a carência de pesquisas sobre relações sociais e desigualdades nas instituições; o receio de divulgação de informações de desempenho negativos dos estudantes cotistas em função da valorização da meritocracia no ambiente universitário, e a estrutura administrativa burocrática das universidades que inviabiliza o acesso às informações em decorrência do longo processo para atender às solicitações de pesquisadores.

A política de ações afirmativas tem sido alvo de muita crítica e discussão na sociedade brasileira. A prática de reserva de vagas nos processos seletivos das instituições de ensino superior público brasileiro foi levada ao Supremo Tribunal Federal (STF) para apreciação quanto à sua constitucionalidade. Segundo Santos (2012), os mandados de segurança impetrados contra as universidades brasileiras apoiavam-se nos argumentos da inconstitucionalidade e da falta de isonomia e de igualdade. A aprovação por unanimidade desta política, no dia 27 de abril de 2012, ainda não a exime de críticas, boicotes e reprovações. Percebe-se a necessidade de amplas discussões sobre o tema; segundo Soares (2007), a inexistência de segregação racial oficial no Brasil, aliada ao desconhecimento por

36

Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Estadual Paulista (Unesp).

37

Com a adoção de políticas de ações afirmativas nas universidades, os estudantes passaram a ser denominados de cotistas e não cotistas (SANTOS, 2013).

parte da sociedade brasileira da injusta desigualdade de acesso da população negra ao ensino superior, contribuem para a rejeição da política de cotas nas universidades públicas brasileiras.

Foi um longo caminho de lutas e reivindicações para se conseguir aprovar e legalizar o sistema de reservas de vagas em todas as universidades públicas brasileiras. A Lei n. 12.711, sancionada pela presidente Dilma Roussef, em 29 de agosto de 2012, uniformiza os critérios e define a obrigatoriedade da implantação do sistema de reserva de vagas em todas as instituições de ensino público federal. Esta Lei estabelece a reserva de, no mínimo, 50% de todas as vagas em universidades públicas federais e institutos federais para estudantes que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Determina ainda que 50% das vagas reservadas nas instituições federais devem ser preenchidas por estudantes oriundos de famílias com renda per capita igual ou inferior a um salário mínimo e meio. Além disso, esclarece que a definição das cotas para estudantes pretos, pardos e indígenas obedecerá a proporção da distribuição destes grupos nas unidades da Federação que sedia a instituição de ensino federal, de acordo com as informações divulgadas no último censo do IBGE. A aplicação desta lei federal além de ampliar o número de estudantes de origem popular no ensino superior de qualidade deve fomentar a preocupação institucional com a sua permanência.

Gráfico 1 - Distribuição do Tipo de Reserva de Vagas – Ingressos por Processo Seletivo das IES Públicas – Graduação Presencial – Brasil – 2010

Fonte: INEP, 2012a38.

38

Segundo o Resumo Técnico do Censo Educacional Superior do Inep, no ano de 2010, foram registrados 51.494 ingressos em processo seletivo de cursos de graduação presencial em Instituições de Ensino Superior (IES) públicas através de programas de reserva de vagas. Em relação ao ano de 2009, observou-se um aumento de 41,9%. O Gráfico1 demonstra a distribuição em percentuais dos diferentes tipos de reserva de vagas para ingressos nas IES Públicas em cursos de Graduação Presencial no Brasil no ano de 2010 (INEP, 2012a).

Além de um maior investimento por parte do Estado percebe-se também a necessidade de fomentar o aumento da procura e acesso de estudantes pertencentes aos grupos minoritários nos cursos historicamente destinados a elite. Para conseguir alterar a histórica exclusão no ensino superior é necessária a adoção de mecanismos que possibilitem novas formas de acesso e permanência nas universidades, para que não se adie, por um tempo indeterminado, o direito de educação superior de qualidade para membros dos grupos sub- representados.