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EM CURSOS DE ALTA DEMANDA

2 UNIVERSIDADE, DESIGUALDADE E DEMOCRATIZAÇÃO

2.5 AS CRISES DAS UNIVERSIDADES NO SÉCULO

Para sobreviver em meio a tantas mudanças sociais e culturais, ao longo dos séculos, as universidades incorporaram novas funções e construíram modelos diferentes no intuito de contemplar as novas demandas ancoradas na cultura e ideologia política de cada país. As instituições e as organizações precisam conhecer o espaço geográfico em que estão inseridas para espelhar e disseminar os seus princípios e valores e alcançar legitimidade e eficácia.

Atualmente, além da formação dos intelectuais que produzem e aplicam o conhecimento, a universidade é responsável pela formação profissional, pela produção e transferência de conhecimento, pela construção e difusão da cultura e da educação humanística, artística e científica

Segundo Santos e Almeida Filho (2008), a sociedade moderna demandou a produção de conhecimentos culturais médios e funcionais necessários à formação de mão de obra qualificada na sociedade capitalista e industrial. Já nos séculos XVII e XVIII percebe-se a inclusão da formação vocacional e profissional no rol dos inúmeros objetivos das universidades. No final do século XX, em decorrência da contraposição de objetivos divergentes e concorrentes, a universidade é marcada por três grandes crises: a crise de hegemonia, a crise de legitimidade e a crise institucional (SANTOS, 1995).

Santos (1995) afirma que a crise hegemônica se estabeleceu quando a universidade não foi mais capaz de desempenhar suas múltiplas funções contraditórias, perdendo a credibilidade pelo Estado e pela sociedade, que buscaram alternativas para produção de conhecimento em outras instituições. O tensionamento entre a produção da alta cultura elitista e a produção de conhecimento utilitário para o mundo industrial provocou a crise de hegemonia dentro da universidade.

A crise de legitimidade, por sua vez, é provocada, segundo Santos (1995), pela perda de consensualidade da instituição universitária em decorrência da hierarquização de saberes especializados, aliada à restrição de acesso e a credencialização das competências, princípios que se contrapõem a democratização e igualdade de oportunidades, valores exigidos pela sociedade contemporânea. Percebe-se a falência dos objetivos coletivamente assumidos. Na sociedade moderna a consensualidade é medida pelo seu conteúdo democrático, o consenso é tanto maior quanto forem os princípios consonantes com os princípios filosófico-políticos da sociedade democrática. O êxito das lutas pelos direitos sociais e políticos, os direitos humanos, entre eles o direito a educação amplia a crise de legitimidade. Segundo Santos (1989) a crise de legitimidade se instala no momento em que a sociedade percebe que a educação superior e a alta cultura são prerrogativas da elite e a busca por educação deixa de ser uma luta utópica e passa a ser uma reivindicação legitimada pelos novos princípios incorporados pelo Estado-Providência. Para legitimar-se, a universidade necessita atender as solicitações do Estado-Providência e os destinatários do conhecimento produzido na ambiente acadêmico passa a ser a grande questão de legitimidade nas universidades.

O confronto entre a constante busca por autonomia na definição de seus objetivos e valores e o apelo da eficácia e produtividade – princípios da sociedade competitiva capitalista – levaram à crise institucional das universidades, que se caracteriza pela imposição à universidade de modelos e critérios de gestão empresariais ou de responsabilidade social, comprovadamente eficientes e eficazes, porém com lógicas e objetivos distintos da especificidade organizativa da universidade. Segundo Santos e Almeida Filho (2008), esta é a crise que mais desperta atualmente as atenções, pela pressão que a universidade tem sofrido para que a sua gestão administrativa siga os padrões e indicadores de desempenho definidos por seus financiadores.

Em síntese, sobre a crise de legitimidade, dizem esses dois autores:

Afectada irremediavelmente a hegemonia, a legitimidade é simultaneamente mais premente e mais difícil. A luta pela legitimidade vai assim ser cada vez mais exigente e a reforma da universidade deve centrar-se nela. São cinco as áreas de

acção neste domínio: acesso; extensão; pesquisa-acção; ecologia de saberes; universidade e escola pública (SANTOS; ALMEIDA FILHO, 2008, p. 60-61).

No final do século XX, evidencia-se o agravamento da crise de legitimidade nas universidades públicas brasileiras em função da diminuição da priorização das políticas sociais mantidas pelo Estado, induzida pelo vigente modelo econômico neoliberal. As reformas concentram-se na privatização, estabilização monetária e liberalização do mercado. O resultado desta política foi o aquecimento do mercado privado de ensino e a transferência de recursos humanos da universidade pública para o setor privado. No início do século XXI, aumentam as demandas por geração de trabalho e renda e políticas que diminuam as desigualdades sociais e regionais e favoreçam a inclusão social. As reformas promovidas pelo Estado, neste período, apresentam um caráter regulatório, administrativo e voltado às políticas sociais. Percebe-se uma retomada de políticas públicas e uma forte preocupação com a estabilidade da economia.

No Brasil, as desigualdades e os privilégios são mantidos no interior do sistema educacional e repercutem diretamente na educação superior, exigindo correção através da implantação de políticas de Estado que modifiquem este cenário. A partir do conceito de Lipset (2012) sobre legitimidade, que a interpreta como a capacidade que tem o sistema político para gerar e manter a crença de que as instituições são apropriadas, –é possível concluir que a recente adoção de políticas que fomentem a equidade social através de medidas reparadoras nas universidades públicas brasileiras é uma tentativa de resposta à crise de legitimidade, objetivando diminuir a distância entre a universidade e uma parcela significativa da sociedade brasileira. Este fato tem contribuído para uma revalorização e consequente legitimidade das universidades públicas brasileiras.

Apesar da descapitalização e mercantilização neoliberal do ensino público brasileiro, as universidades públicas, no Brasil, possuem maior prestígio social e apresentam um melhor desempenho no Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (Enade)18, das 27 instituições que obtiveram nota cinco, 16 são instituições públicas. Fomentar o ingresso de estudantes de origem popular neste espaço pode acelerar a mobilidade social desses sujeitos. A democratização do acesso na universidade pública brasileira, através da inclusão de indivíduos, pertencentes às classe populares, no ambiente pensado para a elite, pode reduzir a

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Exame que integra o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior (Sinaes). Este exame tem o objetivo de aferir o rendimento dos alunos s ingressantes e concluintes dos cursos de graduação em relação aos conteúdos programáticos, sua habilidades e competências, desde 2004. O exame é obrigatório para os alunos selecionados.

distância desta instituição com a sociedade brasileira e iniciar um processo de revalorização e legitimidade desse espaço mantido pelo Estado. Além disso, a democratização das universidades brasileiras pode ser percebida como uma estratégia política promotora de igualdade de oportunidade no intuito de fomentar a inclusão social pela via da educação superior, diminuindo as desigualdades historicamente construídas (ALMEIDA FILHO et al., 2010).

A possibilidade de democratização e a ampliação de vagas no ensino superior, com investimento do estado brasileiro, podem redefinir a universidade como um direito social, fomentando um processo de universalização (REBOUÇAS, 2008). O aumento de participação de estudantes de origem popular nas universidades brasileiras tem contribuído para ampliar o orçamento destinado às instituições federais nos últimos anos, que saltou do patamar de R$ 6,4 bilhões no ano de 2003 para o valor de R$ 20,7 bilhões em 2010, incluindo a criação de 14 novas universidades públicas no período de 2003 a 2010, segundo a Sinopse das Ações do MEC (BRASIL, 2011).

Apesar da reconhecida excelência da universidade pública no sistema de ensino superior brasileiro, há mais de uma década que ela não lidera o processo de expansão do ensino superior no Brasil. Percebe-se um crescente movimento de expansão e interiorização da educação superior da educação superior brasileira, no setor público e privado, . Considerando o ensino superior como um mecanismo de inclusão social, a universidade pública precisa liderar a expansão do sistema de educação superior brasileiro. A universidade percebida e mantida como um bem público não pode continuar a ser um local destinado exclusivamente à elite brasileira, mesmo que as causas deste fenômeno residam na desigualdade radical da sociedade (PANIZZI, 2004). Por oferecer um ensino gratuito de qualidade, além da formação profissional de excelência, a universidade pública deve fomentar em seus alunos o pleno exercício da cidadania, transformando-se em um mecanismo eficaz de inclusão social.

Será necessário um maior investimento financeiro por parte do Estado, para que a universidade pública assuma a liderança no processo de expansão do sistema de ensino superior e modifique a sua situação histórica de exclusão, mantendo a qualidade e excelência. A ampliação de vagas e a adoção de práticas de inclusão social, nas universidades públicas brasileiras, podem ser percebidas como tentativas de reconquista da legitimidade perdida em consequência do distanciamento dos princípios e valores da sociedade democrática.

Para modificar o cenário de exclusão histórica no ensino superior é necessária a adoção de medidas que redefinam, de forma rápida e drástica, o acesso e permanência nas

universidades, no intuito de não se penalizar outras gerações, postergando o direito de educação superior de qualidade para um futuro indeterminado. Neste contexto, impregnado pela preocupação social e com a comprovação da vergonhosa e persistente desigualdade social, surgem as primeiras iniciativas de políticas de ações afirmativas no Brasil, com o objetivo de incluir representantes de grupos marginalizados da sociedade para uma condição de cidadão pleno.