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EM CURSOS DE ALTA DEMANDA

5 A ANÁLISE DA TRAJETÓRIA DOS ESTUDANTES NOS CURSOS MAIS CONCORRIDOS DA UFBA

5.4 O PERFIL DOS ESTUDANTES POR CATEGORIA DE FORMA DE SAÍDA

5. 5 SÍNTESE DA TRAJETÓRIA DOS ESTUDANTES DA UFBA 171

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS 174

REFERÊNCIAS 182

APÊNDICES 193

1 INTRODUÇÃO

A política de reserva de vagas nas universidades públicas é pautada por muitos e diferentes conflitos. Segundo Munanga (2013), os opositores ao sistema de cotas nas universidades utilizam os seguintes argumentos: inconstitucionalidade; cotas como ameaça ao mérito, qualidade e excelência da educação universitária; dificuldade de definir quem é negro no Brasil em decorrência do processo de miscigenação e receio de que as cotas suscitem conflitos raciais desconhecidos pela nação brasileira, instituída na ideologia da democracia racial. Além disso, ainda não existe um consenso na sociedade brasileira acerca da desigualdade racial, requisito fundamental para a adoção de políticas afirmativas (MARTINS, 1996).

Para Weisskopf (2004) os principais argumentos contrários à adoção de políticas de ações afirmativas são: aumento do conflito étnico-racial; desempenho acadêmico diferente entre os membros dos grupos elegíveis e os estudantes que não são priorizados pela política; estigmatização dos estudantes pertencentes aos grupos elegíveis em função da admissão preferencial, e não por sua proficiência. Apesar das duras críticas, - o autor considera as políticas de ações afirmativas como um sucesso, principalmente nas instituições mais seletivas. A seletividade no ensino superior brasileiro está fortemente associada à garantia da excelência, e é possível afirmar que as instituições brasileiras mais seletivas possuem as melhores condições em termos de recursos humanos e financeiros.

Nos últimos dez anos, a Universidade Federal da Bahia (UFBA) ampliou a oferta de cursos e de vagas e adotou uma política de ações afirmativas que oportunizou o acesso de estudantes oriundos de escolas públicas, na instituição, priorizando o acesso de negros.

O estudo, aqui apresentado, dirige o olhar para a experiência de adoção de políticas de ações afirmativas na UFBA. É um estudo descritivo exploratório, realizado através de uma pesquisa quantitativa, a partir da construção de uma base de dados com as informações coletados dos sistemas corporativos da UFBA: o Sistema Acadêmico (Siac) e o Sistema de Vestibular (Sives) e o Questionário Socioeconômico e Cultural1. A experiência como analista de sistemas na UFBA, nos últimos 30 anos, possibilitou minha atuação nos principais sistemas de informação e me permitiu conhecer um pouco os processos administrativos, as potencialidades e as dificuldades políticas e gerenciais dessa instituição. Esta experiência,

1 Parte integrante do Requerimento de Inscrição para o processo seletivo da UFBA nos cursos de progressão

aliada ao fato da UFBA ser a mais antiga universidade e com maior prestígio social na Bahia, contribuíram para sua escolha como cenário desta pesquisa. Essa instituição oferece o maior número de vagas e a maior diversidade de cursos do ensino superior no Estado. Mesmo sendo uma instituição multicampi, é perceptível o predomínio da oferta de cursos na cidade de Salvador, capital da Bahia, um dos maiores estados da região mais empobrecida do Brasil – o Nordeste. Além disso, Salvador é uma das cidades com a maior população negra fora da África, em decorrência de ter recebido o contingente mais expressivo de escravos africanos no período colonial. Este fato definiu o perfil cultural e demográfico da Bahia, caracterizada por mais de 13 milhões de cidadãos pobres e residentes em bairros populares e um pequeno segmento médio e alto, constituído por uma população predominantemente branca. Segundo o IBGE (2011), Salvador apresenta a seguinte composição racial: pretos 29,2%, pardos 54,5% e a população branca com apenas 15,5%. No Brasil, a maioria da população branca convive de forma profundamente hierarquizada e distante de pessoas negras e talvez isso explique os argumentos contrários aos programas de cotas raciais. A adoção de programas de ações afirmativas modifica o cenário histórico de manutenção de privilégios da elite brasileira

Graças à política de informatização, a UFBA, ao longo dos anos, acumulou um número considerável de dados que se constitui em fontes ricas de conhecimento histórico sobre a Instituição e sua população discente e docente, ainda pouco exploradas pela administração central e, principalmente, pelos pesquisadores interessados na instituição universitária. Estes dados mantidos pela UFBA estão dispersos em bases desintegradas que foram projetadas, de forma isolada, para atender às demandas e especificidades dos processos administrativos e gerenciais da Universidade.

Mesmo após quase dez anos da implantação do sistema de reserva de vagas na UFBA, especulações relativas à eficácia da inclusão e justiça social na instituição são recorrentes. Além disso, a reserva de vagas com recorte étnico-racial e socioeconômico na universidade ainda é percebida, por parte da sociedade brasileira e baiana, como um sistema que fere o princípio da meritocracia – sempre tão valorizado – e rebaixa o nível educacional, pois, fomenta a perda de qualidade e excelência. Para Martins (1996), a adoção do sistema de reserva de vagas nas universidades foi determinada pelo Governo Federal, sem o estabelecimento de uma reflexão na sociedade brasileira, os debates sobre as políticas de cotas restringem-se a posicionamentos fixos de defensores e opositores. Carvalho (2005) afirma que a atual discordância de parte da elite brasileira universitária em relação ao sistema de reserva de vagas nas universidades públicas é consequência da falta de reflexão na sociedade e do predomínio da divulgação de opinião, contrária na mídia brasileira, em relação às cotas.

Antes da adoção do sistema de reserva de vagas, a possibilidade de acesso à UFBA, era desigual entre estudantes pertencentes às elites e os socialmente vulneráveis, principalmente nos cursos com maior concorrência e prestígio social, em decorrência da desigualdade socioeconômica da população baiana. Estudos demonstraram o predomínio de estudantes brancos, pertencentes às classes médias e altas nos cursos mais valorizados socialmente na UFBA (ALMEIDA et al., 2010; BRITO; CARVALHO, 1978; QUEIROZ, 2002; QUEIROZ; SANTOS, 2006a). Após a adoção de ações afirmativas, muitos são os questionamentos da comunidade interna e externa que tentam relacionar a implantação do sistema de cotas à alta taxa de evasão e à qualidade do ensino ministrado na instituição. A percepção de que estudantes beneficiados pela política de ações afirmativas, nas universidades brasileiras são fortes candidatos ao fracasso no ensino superior pode ser comparada aos posicionamentos contrários à adoção de ações afirmativas nos Estados Unidos da América (EUA) como: a imagem de menor capacidade desses sujeitos na sociedade denominada de estigma de incompetência2, ou ao questionamento sobre o direito e a competência de ocupar a posição conhecido como discriminação reversa3.

Apesar de nove anos de implantação das políticas de ações afirmativas na UFBA, existem poucos trabalhos que analisam e descrevem o perfil e a trajetória acadêmica dos alunos após essas políticas. Além disso, as pesquisas realizadas agrupam os estudantes em duas categorias: cotistas e não cotistas. Analisar a trajetória acadêmica e traçar o perfil socioeconômico e cultural dos estudantes que ingressaram no processo seletivo de 2006 nos cursos mais concorridos em cada um dos cinco grupos de cursos de graduação4 oferecidos pela UFBA é o objetivo deste estudo. A trajetória acadêmica é definida como o percurso realizado pelos estudantes, nos treze semestres analisados. Para descrever a trajetória foi utilizada a variável forma de saída que foi comparada com as seguintes variáveis: curso, coeficiente de rendimento, sexo, cor e categoria de reserva de vagas pela qual o estudante ingressou na universidade. Para descrever o perfil socioeconômico e cultural foram utilizadas as variáveis: sexo, idade, faixa etária, estado civil, cor/raça, número de filhos, ano de

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William A. Henry III contrapõe-se às ações afirmativas americanas por entender que garantir espaços nos locais de trabalhos e universidades para as minorias suscita a imagem de menor capacidade desses sujeitos na sociedade. Em seu livro Em defesa do elitismo o estigma de incompetênciaé denominado “café com leite” (BRANDÃO, 2005, p. 18).

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Apontada por Cath Yong em seu artigo sobre a presença de mulheres na produção científica mundial, a discriminação reversa significa o constante questionamento sobre o direito e a competência de ocupar a posição profissional em virtude da política de priorização da contratação de mulheres (BRANDÃO, 2005).

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A UFBA possui os seguintes grupos de cursos: Grupo A – Matemática, Ciências Físicas e Tecnologia; Grupo B – Ciências Biológicas e Profissões da Saúde; Grupo C – Filosofia e Ciências Humanas; Grupo D - Letras e Grupo E – Artes.

conclusão do ensino médio, tipo de curso do ensino médio, origem escolar, trabalhou no ensino básico, nível de instrução dos pais e renda familiar. O diferencial deste estudo em relação às pesquisas realizadas, na Instituição, até o momento, está na desagregação da categoria de estudantes cotistas, com o objetivo de descrever, analisar e divulgar o desempenho acadêmico dos grupos priorizados pela UFBA (negros5, índios descendentes, índios aldeados, quilombolas e outras etnias egressos da rede pública), durante a sua trajetória nos dois cursos de graduação mais concorridos, em cada um dos cinco grupos de cursos oferecidos pela UFBA, após a adoção de políticas de reserva de vagas nesta Instituição.

A desagregação da categoria estudante cotista, proposta pela pesquisa, é muito importante, neste momento, em que a Lei n. 12.711, sancionada pela presidenta da República Dilma Rousseff, determina, legaliza, unifica e padroniza o sistema de reservas de vagas em todas as universidades e instituições federais de ensino técnico de nível médio. Segundo Almeida Filho e colaboradores (2005), o sistema de reserva de vagas da UFBA foi um dos modelo que serviu de base para a elaboração do projeto da Lei n. 12.711. Desta maneira, compreender e desmistificar as potencialidades e as fragilidades do modelo implantado há nove anos na UFBA irá contribuir com as reflexões sobre o tema pelas instituições públicas brasileiras, principalmente com as que estreiam na adoção de políticas afirmativas. Por ser muito recente, o sistema de reserva de vagas carece de estudos que reúnam dados gerais do conjunto de universidades brasileiras, pois as diferenças geográficas, econômicas e educacionais podem distorcer os efeitos desta política.

Neste ano de 2013, a UFBA alterou o sistema de reserva de vagas com o objetivo de incluir as novas categorias definidas pela Lei n. 12.711. Além da inclusão de novas categorias e da alteração dos percentuais de reserva, a primeira etapa do processo seletivo foi substituída pela pontuação obtida no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). Essas mudanças recentes exigem uma melhor compreensão dos impactos da reserva de vagas na instituição. Políticas de ações afirmativas e novas estratégias educacionais são necessárias e contribuem para reverter a situação de desigualdade e exclusão social, porém faltam informações mais precisas, sistematizadas e padronizadas sobre a trajetória e desempenho dos estudantes. Neste sentido, este estudo se propõe a contribuir com subsídios para auxiliar nas futuras reflexões sobre a eficácia da implantação das ações afirmativas.

Para analisar o perfil e a trajetória acadêmica dos estudantes da UFBA pós-adoção de ações afirmativas e justificar a escolha da metodologia e seleção das variáveis deste estudo,

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foi necessário contextualizar os fatos históricos que direta ou indiretamente contribuíram com a persistente desigualdade e exclusão social e racial da sociedade brasileira. Esta retrospectiva foi realizada no intuito de identificar, nos sistemas de informações da UFBA, variáveis que ajudassem na descrição do perfil e da trajetória acadêmica dos estudantes pós-adoção do sistema de cotas.

Esta dissertação foi estruturada em cinco capítulos, além dessa introdução. O capítulo 2 contextualiza o cenário de desigualdade socioeconômica e racial do Brasil, revisita a gênese das universidades no mundo, os motivos do surgimento tardio das universidades brasileiras e a sua forte vinculação com o modelo de nação, na tentativa de compreender a desigualdade existente na educação brasileira e a dificuldade de incorporação dos conceitos de democratização e inclusão social. Além disso, foram analisadas as crises pela quais passam as universidades, na contemporaneidade, dando destaque à crise de legitimidade, concebida por Santos (1995), no intuito de demonstrar o afastamento das universidades públicas brasileiras dos valores da contemporaneidade – democratização de oportunidades e conhecimentos – e justificar a implantação de políticas que objetivam diminuir a desigualdade e exclusão social e democratizar o acesso ao conhecimento na sociedade informacional capitalista, cada vez mais dependente de informação e conhecimento.

O capítulo 3 contextualiza a origem e o papel das ações afirmativas na sociedade contemporânea, as motivações e consequências de sua adoção nas universidades, procurando salientar os aspectos de reparação, justiça distributiva e diversidade. Foi realizada, também, uma retrospectiva da adoção de ações afirmativas nos EUA no intuito de identificar os problemas, questionamentos, aspectos positivos e negativos da implantação de políticas públicas que buscam diminuir a desigualdade priorizando grupos minoritários da sua sociedade há mais de cinquenta anos. Além disso, foi analisada a adoção de ações afirmativas nas universidades brasileiras, os principais programas de governo para inclusão no ensino superior e a principais mudanças percebidas com a adoção de políticas de ações afirmativas nas universidades brasileiras. Neste capítulo foi realizada, também, uma retrospectiva da implantação de políticas de ações afirmativas na UFBA, identificando as motivações, críticas e consequências da adoção dessas políticas na instituição. O sistema de reserva de vagas é descrito de maneira minuciosa no intuito de identificar a maneira como os grupos populacionais priorizados pela política foram categorizados.

O capítulo 4 descreve a metodologia utilizada para descrever a demanda social, a oferta, o acesso, o perfil socioeconômico e cultural e a trajetória dos estudantes nos cursos mais concorridos dos cinco grupos daqueles oferecidos pela Instituição no ano de 2006. Este

capítulo traz considerações sobre a demanda, o acesso e o perfil dos estudantes na educação superior, após a adoção de políticas de ações afirmativas.

O capítulo 5 descreve a trajetória dos estudantes nos cursos mais concorridos da UFBA. A categoria de cotistas é desagregada nos diversos grupos beneficiários desta política no intuito de descrever o desempenho e as tendências de diplomação retenção e evasão dos grupos priorizados pelas políticas de ações afirmativas na UFBA. Neste capítulo é descrito, também, o perfil dos estudantes por forma de saída. A reserva de vagas nas universidades públicas federais altera o cenário de acesso à educação superior de qualidade, modificando o perfil dos estudantes das universidades públicas – espaço pensado para as elites. As constatações deste capítulo poderão contribuir para reflexões futuras sobre as políticas para permanência de estudantes no ensino superior. As considerações finais estão descritas no capítulo 6, onde são elencadas, também, sugestões para trabalhos futuros.