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3 RETROSPECTIVA E PANORAMA DAS AÇÕES AFIRMATIVAS

3.4 AÇÕES AFIRMATIVAS NA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

3.4.1 Retrospectiva da implantação do programa de ações afirmativas na UFBA

O Centro de Estudos Afro-Orientais (Ceao)56 teve um papel estratégico na construção, debate e encaminhamento da política de ações afirmativas adotada na UFBA, em função do seu estatuto jurídico legal e da sua política institucional. Segundo Santos e Queiroz (2012), desde 1998 o Ceao encaminha propostas, fundamentadas em pesquisas e dados históricos da própria instituição, para abertura do debate na UFBA sobre a adoção de ações afirmativas.

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Órgão complementar da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal da Bahia, o CEAO foi criado em 1959 com o objetivo de ser um canal de diálogo entre o Brasil e os países africanos e asiáticos e entre a universidade e a comunidade afro-brasileira. É referência em estudos afro-brasileiros e africanos e desenvolve ações afirmativas em favor das populações afrodescendentes. <http://www.ceao.ufba.br/2007/apresentacao.php>

Neste período, o debate em torno das políticas de ações afirmativas ecoava em outros setores da sociedade e as estatísticas oficiais confirmavam a perversa exclusão dos negros no acesso à educação já denunciadas pelos movimentos sociais.

Conforme lembra os autores, a primeira proposta de implantação de reserva de vagas na UFBA para negros foi defendida, pelo Diretório Central dos Estudantes (DCE), em 2001, na reunião do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (Consepe), onde se discutiam mudanças no vestibular de 2003. O DCE propôs a implantação da reserva de 40% das vagas na UFBA para negros. O Quadro 1 descreve de forma cronológica, os principais atores e propostas para a implantação de ações afirmativas na UFBA. Até o ano de 2002, não existia um consenso sobre a adoção de uma política social ou racial na Instituição. A proposta preliminar não definia o percentual de reserva de vagas a ser adotado, porém sugeria um percentual de negros57

(pretos e pardos) superior à metade do contingente de ingressos na UFBA. Neste mesmo período, algumas universidades brasileiras58

começaram a adotar sistemas de cotas para atender às reivindicações de segmentos da sociedade implicados nesse tema.

Segundo Santos e Queiroz (2012), para a elaboração da versão preliminar do programa de ações afirmativas da UFBA foram analisadas as políticas das seguintes instituições: Universidade de Brasília, Universidade Estadual do Mato Grosso do Sul e Universidade Federal do Paraná. A especificidade da situação dos índios foi incorporada no Programa da UFBA, graças às contribuições e inclusão de representantes de entidades pesquisadores da população indígena. A UFBA utilizou o mesmo critério da UnB para priorizar os índios aldeados, reservando duas vagas extras em todos os cursos para este grupo.

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O termo afrodescendente foi substituído por negro em decorrência de ser uma classificação utilizada nas pesquisas e englobava pretos e pardos.

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Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade do Norte Fluminense, Universidade do Estado da Bahia e Universidade de Brasília (SANTOS; QUEIROZ, 2012).

Quadro 1 – Principais atores e fatos da implantação do programa de ações afirmativas da UFBA

Período Atores Propostas

2001 Diretório Central dos Estudantes

(DCE)

Propôs a implantação da reserva 40% das vagas na UFBA para negros, em uma reunião do Conselho de Ensino Pesquisa e Extensão (CONSEPE). 10/ 2002 CEAFRO - programa do CEAO voltado para educação e cidadania de jovens e adolescentes negros (Comitê Pró-cotas)

Entregou ao reitor Heonir Rocha, uma proposta preliminar de ações afirmativas para a UFBA. elaborada pela articulação de diversas entidades da sociedade civil. A proposta recomendava a constituição de um grupo de trabalho para debater sobre a adoção de medidas com o objetivo de ampliar o acesso e permanência de negros na UFBA e propunha a reserva de 40% das vagas para estudantes negros no vestibular de 2003. O grupo que elaborou esta proposta foi posteriormente denominado de Comitê Pró-cotas.

21/10/2002 CONSEPE Deliberou pela constituição de um Grupo de Trabalho (GT) com o objetivo de elaborar uma proposta de inclusão das populações sub- representadas na universidade.

11/2002 Reitoria Promoveu o I Seminário sobre Políticas de Ações Afirmativas na UFBA. 02/2003 a 04/2003 GT, Pró-reitoria de Graduação e Serviço de Seleção da UFBA

Atualização do perfil social e racial do alunado da UFBA.

11/08/2003 Comitê Pró-cotas Entregou ao reitor Naomar Almeida Filho um documento reivindicando a inclusão de novos membros – ligados ao Comitê Pró- Cotas -– no GT; isenção de pagamento de qualquer taxa da universidade; ampliação do número de isenções; políticas de ações afirmativas e cotas já. Estudantes ocuparam a reitoria da UFBA como forma de pressão.

10/2003 a 12/2003

GT Agendou debates gerais e temáticos com o objetivo de convencer a comunidade universitária da necessidade da adoção das medidas propostas pelo programa. A estratégia de debates fracassou, porém os debates aconteceram no mundo virtual, através da “Lista docentes”. 16/02/2004 Comitê Pró-cotas Encaminha ao GT um documento pleiteando a definição de negros e

índios descendentes que tenham cursado todo ensino médio em escola pública como os grupos beneficiados pelo sistema de reserva de vagas na UFBA. Em caso de não preenchimento das vagas reservadas, essas deveriam ser preenchidas por alunos negros egressos do ensino privado.

13/04/ 2004 CONSEPE Aprova a proposta do GT, que satisfez o anseio por cotas raciais do Comitê e contemplou o viés social defendido pelos professores e reitoria ao priorizar estudantes oriundos de escolas públicas. Foi reiniciado o debate virtual.

5/05/2004 e 7/05/2004

Comitê Pró-cotas e os estudantes

Realizaram atos públicos em prol do agendamento da reunião no Conselho Universitário (CONSUNI) para aprovação imediata do projeto de ações afirmativas na UFBA. Vereadores e deputados também assinaram um manifesto em defesa de Ações Afirmativas. 17/05/2004 CONSUNI Aprovou depois de amplas discussões o Programa de Ações

Afirmativas da UFBA.

A versão preliminar elaborada pelo Grupo de Trabalho (GT) demonstrou que a composição social e racial/étnica dos candidatos a vagas na UFBA era bastante diferente nos cursos da instituição e divergiam do perfil sociodemográfico da população do estado da Bahia. Eles demonstraram que a exclusão social ocorre antes do ingresso na universidade e que a alta competitividade dos cursos mais prestigiados pela sociedade determina a exclusão. Ficou evidenciada a crueldade do processo seletivo da UFBA e a falência do ensino básico público na Bahia. Além disso, nos dez anos anteriores à implantação de ações afirmativas na UFBA, a demanda por vagas em cursos de graduação na UFBA aumentou em 106% e a oferta de vagas cresceu em apenas 8% (ALMEIDA FILHO et al., 2005).

A definição do percentual da reserva de vagas foi um ponto de muita tensão no GT. Para subsidiar esta definição, foram analisados os resultados da pesquisa de Delcele Queiroz intitulada Raça, Gênero e Educação Superior59

. Este estudo defendeu a adoção de um percentual de reserva para candidatos negros na UFBA superior a 30%, em decorrência da maioria dos cursos da instituição (exceto os cursos mais concorridos) já apresentar um percentual em torno da metade do seu contingente. A defesa pela adoção de um percentual acima de 40% era sustentada pela argumentação da necessidade da UFBA trabalhar em função de metas e pela possibilidade de mudança do quadro histórico de prevalência de estudantes brancos em uma instituição sediada no estado brasileiro com a maior predominância da população de origem africana.

A partir de 2003, a UFBA inicia uma política de ampliação de vagas e aumento da cobertura na graduação, com o objetivo de permitir o acesso à universidade de segmentos excluídos (ALMEIDA FILHO et al., 2010). Esta política ganhou eco na instituição, e de forma gradual e sustentada, fomentou a implantação do Programa de Ações Afirmativas na UFBA. Depois de quase dois anos de elaboração e amplos debates, o Conselho Universitário (Consuni) – órgão de deliberação máxima da UFBAaprovou, em 17 de maio de 2004, o programa de ações afirmativas elaborado pelo GT com 41 votos favoráveis, dois contrários e duas abstenções.

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Projeto de pesquisa com o objetivo de identificar a participação dos diversos segmentos raciais na UFBA. Este projeto estava vinculado ao programa A Cor da Bahia (Programa de Pesquisa e Formação sobre Relações Raciais, Cultura e Identidade Negra na Bahia) da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas.