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EM CURSOS DE ALTA DEMANDA

2 UNIVERSIDADE, DESIGUALDADE E DEMOCRATIZAÇÃO

2.4 UNIVERSIDADE, DEMOCRATIZAÇÃO E A CONSTRUÇÃO DA NAÇÃO

A universidade é um legado medieval que passa por um longo processo de transformação, desde sua criação. Vinculada, inicialmente, à manutenção de uma pequena elite, vai assumir o papel de um elemento motor da democratização das sociedades e da diminuição das desigualdades, processo lento e permeado de retrocessos e avanços.

A Revolução Francesa foi o divisor de águas na trajetória da instituição universitária, na medida em que redefine o seu papel na sociedade, libertando-a da tutela da Igreja. Apesar de ter sido extinta neste período na França, em função da sua forte vinculação com o clero e a aristocracia (classes sociais combatidas pela revolução), ela renasce como elemento necessário à construção da Nação e para substituir a velha concepção elitista de ensino superior pelo novo paradigma de educação pública e universal (LESSA, 2004). O renascimento das universidades francesas promoveu mudanças significativas na estrutura da instituição, a missão vocacional e profissionalizante foi incorporada ao rol de suas funções e o regime linear de formação foi inaugurado. Segundo Lessa (2004), a concepção de Nação aumentou a demanda por novas funções na instituição universitária que passou também a desempenhar o papel de canal de comunicação entre a comunidade e o seu território, definido pelo conjunto de leis pactuadas pelos indivíduos pertencentes a esta comunidade.

A Revolução Industrial, que irá promover um rápido avanço tecnológico em todas as áreas, transformando o conhecimento na força motriz para o desenvolvimento econômico, acentua a relação de interdependência entre sociedade e universidade. O mundo industrializado precisou desenvolver novas teorias e tecnologias para regular o funcionamento econômico da nova sociedade, além de reorganizar o processo de produção, distribuição e consumo dos diversos produtos. Lessa (2004) afirma que, nesta época, inicia-se o questionamento da utilidade do fazer, o saber passa a ser julgado e hierarquizado e as universidades são percebidas agora como instituições necessárias ao desenvolvimento tecnológico dos países. Nesse período, a sociedade avança na exigência de inclusão social de grandes segmentos de trabalhadores e de democracia, porém as universidades não incorporaram as demandas socialdemocratas. As conquistas sociais foram alcançadas lentamente no mercado de trabalho e na política, através de lutas complexas que provocaram mudanças nas nações em função do estabelecimento de novas regras de convivência.

Nos países periféricos, que resultam da expansão colonizadora europeia, muitos foram os percalços e caminhos adotados pela instituição universitária para se estabelecer. Neste sentido, para melhor compreender as relações que se estabeleceram entre ensino superior e

desigualdade na sociedade brasileira, é necessário revisitar a gênese da universidade no Brasil e trazer à tona a sua vinculação com o projeto de construção da nação brasileira.

Enquanto o mundo europeu conviveu com a instituição universitária, desde a idade média, a primeira universidade brasileira – a Universidade do Rio de Janeiro – foi instituída em 1920, em comemoração ao centenário da independência – a partir da junção de três faculdades: Medicina, Direto e Engenharia, motivada pela necessidade de conferir o título de “doutor honoris causa” ao príncipe Alberto Leopoldo de Clemente Maria Meinrad I da Bélgica (LESSA, 2004). O ensino superior, no entanto, esteve presente no Brasil desde a sua descoberta, oferecido para um público reduzido, com um forte viés religioso e ministrado pelos jesuítas.

A elite política imperial ajudou a urdir a compreensão de que a nação brasileira está alicerçada nos conceitos de integração, unificação pacífica e tolerância à diferença, forjados pelo processo de miscigenação e pela cultura luso-brasileira. Segundo Lessa (2004), a história da construção da Nação brasileira é muito peculiar e justifica o surgimento tardio das universidades. O Brasil, em sua gênese, importou a superestrutura do Estado português – país em franca decadência na Europa – e durante o século XIX, o Estado Nacional brasileiro, mesmo ainda não sendo uma Nação, foi aperfeiçoado e modernizado, apesar da inexistência de universidades. Esse autor afirma que o Brasil atravessou a primeira Revolução Industrial (1780-1830) como consumidor das novas tecnologias produzidas na Europa; em decorrência disso, o Brasil não avançou na caminhada democrática, pois não constituiu novos atores sociais, influenciados pelas ideias de democracia e inclusão social resultantes da Revolução Industrial. Além disso, a manutenção da monarquia como forma de governo e a escravidão não permitiram o pleno desenvolvimento das noções de direito e dever, fundamentais para a construção da democracia e da cidadania. Em decorrência da fragilidade dos princípios democráticos no seio da sua sociedade, o Brasil vivenciou, em pleno século XX, um longo período de governo autoritário, ancorado na teoria liberal tradicional16, adotou um programa nacional desenvolvimentista17 que fomentou e priorizou a modernização conservadora do país sem nenhuma proposta de inclusão social (LESSA, 2004).

Para Dias Sobrinho (2005b), o Estado Nacional é a autoridade pública responsável pela promoção da democracia, estabelecimento das relações sociais, produção econômica e cultural e fomentadora das instituições na sociedade. As universidades são parte essencial da

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Essa teoria acreditava que o desenvolvimento do capitalismo industrial no país reduziria a desigualdade e promoveria a inclusão social através da geração de empregos e da urbanização (LESSA, 2004)

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Este programa foi iniciado pelo presidente Getúlio Vargas em 1930 e perdurou até o início dos anos de 1980 com a decadência dos ditadores militares (LESSA, 2004).

infraestrutura pública sobre a qual Estado e sociedade constroem a nação, pois são instituições reconhecidamente produtoras e disseminadoras do conhecimento e dos agentes da produção intelectual e científica. Lessa (2004) afirma que não existe Nação sem inclusão social e sem universidade, pois o conhecimento é estratégico para o desenvolvimento das nações e precisa ser disseminado indistintamente. A inserção social é um projeto que atravessa todas as dimensões da vida humana e cabe também à universidade promover uma reflexão de como colaborar com o projeto de nação que a sociedade deseja (LESSA, 2004).

As exigências conflitantes impostas pela sociedade à universidade, aliadas às políticas restritivas dos estados e ao distanciamento desta instituição aos novos princípios e valores da contemporaneidade, provocaram profundas crises nas universidades ao longo do século XX. Segundo Santos (1989), as disputas internas na definição e priorização dos recursos financeiros, humanos e institucionais para as diversas funções da universidade construíram o cenário propício para a instalação de crises nas universidades. Disputas entre pesquisa e ensino, educação geral e educação cultural, formação profissionalizante ou educação especializada são recorrentes no ambiente acadêmico.