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EM CURSOS DE ALTA DEMANDA

2 UNIVERSIDADE, DESIGUALDADE E DEMOCRATIZAÇÃO

2.3 A EXCLUSÃO SOCIAL NAS UNIVERSIDADES BRASILEIRAS

A exclusão social não é um fenômeno novo, porém percebe-se o seu crescimento no final do século XX. Para Sposati (1999) na contemporaneidade, a exclusão social contrapõe- se à concepção de universalidade dos direitos sociais e cidadania. Para esta autora, a exclusão é a negação da cidadania e se manifesta através de limitações de acesso de determinados grupos ou indivíduos aos recursos materiais e aos direitos universais.

A condição racial dos estudantes determina, na maioria das vezes, o seu destino escolar. Os estudantes mulatos e pretos concentram-se em escolas públicas, de baixa qualificação, colocando-os numa condição de desvantagem em relação a estudantes brancos que possuem uma trajetória escolar com melhores padrões (QUEIROZ, 2001).

A Figura 1, retirada do Atlas de Desenvolvimento Humano, elaborado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) em 2003, demonstra a distribuição desigual de estudantes negros e brancos, entre 18 e 24 anos, no ensino superior brasileiros em 2000. Segundo a ONU (2003), a Bahia apresenta uma diferença de 5,18% 13 entre estudantes brancos e negros entre 18 e 24 anos, cursando o ensino superior. Percebe-se que, no ano de

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Na Bahia, no ano de 2000, 7,03% dos estudantes entre 18 e 24 anos que frequentavam o ensino superior eram brancos e apenas 1,85% eram negros (ONU, 2003).

2000, 17 estados brasileiros apresentaram índice de estudantes negros no ensino superior inferior ou igual a 2,50 %. Nenhum estado apresentou este percentual para estudantes brancos, os estados que apresentam a menor taxa de estudantes brancos são: Acre, Maranhão e Rondônia (2,51% a 5,0%).

Figura 1– Percentual de pessoas de 18 a 24 anos que frequentam o ensino superior no Brasil, 2000

Fonte: ONU, 2003.

Ao observar a Figura 2, percebe-se que os estudantes negros, na faixa etária entre 15 e 24 anos, ainda se encontram em menores percentuais no ensino superior. Para esta mesma faixa etária, o analfabetismo atinge mais os negros e depois a população dos pardos. Vale ressaltar que a distribuição desses percentuais é bastante heterogênea, nas diversas regiões e estados brasileiros, em decorrência das desigualdades regionais e geográficas.

Figura 2 – Distribuição de brasileiros de 15 a 24 anos por nível de ensino.

Fonte: SEGALLA; BRUGGER; CARDOSO, 2013

As práticas de exclusão e prevalência da herança no universo escolar, explicitadas por Bourdieu e Passeron (1964), são percebidas no sistema educacional brasileiro. O modelo de compreensão do sistema de ensino, proposto por Bourdieu, baseou-se na percepção da dominação social através da leitura das relações sociais e deu visibilidade à violência simbólica e à reprodução social perpetuada pelo sistema educacional. Segundo Vasconcellos (2002), Bourdieu e Jean Claude Passeron criticaram o fundamento da sociedade meritocrática e o sistema de ensino, questionaram a igualdade de oportunidades e o papel do sistema escolar na garantia da igualdade social. Essa perspectiva forneceu evidências que denunciaram a manutenção de privilégios no universo escolar e fomentou reflexões que culminaram com estratégias políticas para combater ou minimizar a exclusão no espaço escolar.

O primeiro estudo sistemático sobre o perfil racial e socioeconômico das universidades federais, em âmbito nacional, foi realizado em 2000 e resultou na publicação da obra O negro na universidade, organizado por Queiroz (2002). Este estudo concluiu que a educação superior reproduz as desigualdades sociais e reflete uma injusta seleção que ocorre ao longo dos anos de escolarização dos indivíduos, fazendo com que a participação de estudantes provenientes de famílias, com alto padrão aquisitivo, tenha aumentado nas universidades públicas, desde a sua origem até o início do século XXI, principalmente em cursos considerados de maior prestígio, enquanto os estudantes negros estão concentrados em cursos menos prestigiados na sociedade. Queiroz (2002) relacionou este fato com a situação de desigualdade racial que pontua a exclusão dos negros em diferentes espaços sociais.

A composição racial da comunidade universitária é um reflexo também da história do Brasil após a abolição; uma análise histórica revela que o Estado brasileiro, na virada do

século XIX, ao invés de investir na qualificação dos ex-escravos, optou pela substituição desse segmento, estimulando e apoiando a imigração europeia. Graças a essa política, os europeus que chegaram ao Brasil, também com baixa qualificação, em poucas décadas alcançaram ascensão social, enquanto os negros foram sistematicamente encaminhados às margens da sociedade, prática de exclusão vigente durante todo o século XX (CARVALHO; SEGATO, 2002).

Os estudantes pertencentes às classes sociais mais privilegiadas da sociedade brasileira são os herdeiros “naturais” da tradição universitária, pois foram preparados ao longo de suas trajetórias escolares para ingressar no ensino superior, desenvolveram competências e habilidades e se apropriaram dos repertórios culturais e sociais esperados e valorizados pela academia.

No Brasil, os estudantes de origem popular frequentam escolas do ensino básico público, carentes de recursos e consequentemente com menor qualidade, deixando-os em desvantagens para concorrer aos processos seletivos das universidades públicas. Esses estudantes de origem popular são direcionados para as faculdades/universidades particulares, de qualidade inferior o que representa, em dados atuais 72,2%14 da oferta de vagas nesse nível de ensino.

Segundo Carvalho e Segato (2002), o MEC divulgou cifras alarmantes de exclusão racial no ensino superior, 80% dos estudantes avaliados pelo Exame Nacional de Cursos (ENC-Provão), em 2000, declararam-se brancos, 13,5% pardos e 2,2% pretos. Este exame unificou informações de 2.888 instituições públicas e privadas. Esses dados demonstram que as instituições de ensino superior brasileiras eram territórios quase exclusivos dos brancos. O acesso dos brancos à universidade era quatro vezes maior do que o de pretos, pardos, amarelos e indígenas, todos somados. Constata-se que os negros, descendentes de escravos, indígenas e comunidades de índios aldeados e quilombolas foram mantidos à margem da sociedade brasileira e com restrições de acesso à educação superior pública até o início do século XXI. A educação superior não era, e ainda não é, considerada como uma possibilidade real para este grupo da sociedade brasileira em decorrência da baixa qualidade do ensino básico público brasileiro e da alta seletividade do sistema educacional superior.

Andrade (2012) afirma que a renda familiar é a variável determinante do acesso à educação, embora a variável cor autodeclarada apresente uma influência significativa no acesso à educação em todas as faixas de renda. Essa autora verificou, no período de 1995 a

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2009, altos percentuais de jovens mais pobres (pertencentes aos 1º e 2º quintis15), que não conseguiram completar o ensino fundamental ou o ensino médio. Em relação aos estudantes que tiveram acesso ao ensino superior, ela observou um percentual de 60% para estudantes mais ricos (pertencentes ao quintil mais alto da renda - 5º quintil), valor semelhante ao dos países desenvolvidos. A autora observou que os indivíduos não brancos têm menos acesso à educação do que os brancos em todas as etapas de ensino e quintis da renda. Porém, as diferenças nos percentuais de acesso da variável renda familiar são muito maiores do que os percentuais relativos à variável cor.

A educação é um processo imprescindível para a construção de uma sociedade democrática mais justa, inclusiva e solidária, cujo processo de globalização atribui papel estratégico e preponderante ao conhecimento e à informação que agregam valor, produtividade e crescimento aos diferentes setores da economia. Em todo o mundo são adotadas novas práticas de cooperação, competição, produção, comercialização e consumo de bens e serviços, práticas estas suportadas pelas Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) que exigem a aquisição e renovação contínua de saberes e competências. A educação é então considerada como estratégia fundamental para a conquista tanto de poder econômico, quanto social, o que transforma o grau de escolaridade em uma variável que influencia diretamente a posição social dos indivíduos nas sociedades contemporâneas.

Neste cenário, a educação superior ganha maior destaque e visibilidade na medida em que se apresenta como o principal espaço público de produção de conhecimento, formação geral e profissional dos indivíduos, além de produzir arte e cultura (DIAS SOBRINHO, 2005a). A educação superior torna-se estratégica no desenvolvimento dos países e no projeto de nação, na medida em que produz, reproduz e difunde o conhecimento e atua na formação do profissional-cidadão (PEREIRA, 2007). A educação é percebida também como instrumento de inclusão social:

A história já demonstrou que o grau de educação de uma população é determinante no seu processo de construção de cidadania. Na sociedade atual, onde o conhecimento tem sua importância acentuada, a educação é fundamental na composição de possibilidades de inserção social dos indivíduos (PEIXOTO, 2004, p. 11).

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Quintil, na estatística descritiva, é um valor que separa o conjunto em cinco partes iguais (DANCEY;