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Desenho 14  História para completar 2ª sessão

5 O CAMINHO METODOLÓGICO

5.4 A ética na pesquisa com crianças

Almejando estarmos mais próximas das crianças, dos seus contextos, de suas falas e conhecimentos, optamos por realizar uma pesquisa com as crianças. Como já mencionamos, é crescente o número de pesquisas que trazem a perspectiva da criança. Diante dessa realidade, desejamos investigar os sentidos que as crianças atribuem à Roda de Conversa. Concordamos com Cruz (2006, p. 176) que “ser ouvida acerca dos temas que lhe dizem respeito é um direito das crianças, não uma concessão que lhe fazemos […]”.

Durante muito tempo, a pesquisa científica não “escutou as crianças”. Foram realizadas pesquisas nas mais diversas áreas – educação, saúde, psicologia, entre outros saberes –, investigando sobre as crianças, interpretando-as segundo as concepções dos adultos e não as ouvindo. A pesquisa com crianças rompe com a visão adultocêntrica de fazer

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pesquisa, ou seja, a criança é vista não somente na ótica do pesquisado, sendo considerada como sujeito do processo.

E por que é importante ouvir a criança? Segundo Campos (2008, p. 35), “a criança faz parte da pesquisa há muito tempo, principalmente na condição de objeto […]”. A autora chama atenção para essa realidade, mencionando que a participação da criança em pesquisas não é algo novo e explicando que “recente é o debate sobre a condição em que a criança toma parte na investigação científica” (CAMPOS, 2008, p. 36), que começou a ser repensada. Desse modo, tem emergido um novo modo de fazer pesquisa, que tem as crianças como principais protagonistas. Precisamos, verdadeiramente, escutar a voz das crianças e atendê-las em suas necessidades, em seus interesses e especificidades. Isso é, verdadeiramente, escutar a voz das crianças. Segundo Rocha (2008, p. 46),

[…] a ênfase na escuta justifica-se pelo reconhecimento das crianças como agentes sociais, de sua competência para a ação, para a comunicação e para a troca cultural. Tal legitimação da ação social das crianças resulta também de um reconhecimento e de uma definição contemporânea de seus direitos fundamentais – de provisão, proteção e participação.

Como a pesquisa foi realizada com crianças, cuidados éticos foram considerados: respeitamos a vontade de participação das crianças, como também consideramos o desejo de desistência dos pequenos no decorrer da pesquisa. Tornou-se necessário um encontro com os pais ou responsáveis para esclarecimento do TCLE (APÊNDICE A), no qual foi solicitada a participação dos seus filhos ou filhas na pesquisa. Esse documento foi lido na presença dos pais e/ou responsáveis pelas crianças e nos colocamos à disposição deles para sanar dúvidas e fazermos esclarecimentos, em um ambiente e horário pré-definidos, combinados diretamente com as famílias e/ou responsáveis.

Em importante artigo, no qual se discute questões éticas na pesquisa com crianças, Kramer (2002) levanta um debate sobre o reconhecimento da condição de sujeito das crianças participantes de pesquisas. A autora lembra que os pesquisadores precisam preservá-las em seu direito a não serem expostas, discutindo sobre a forma como as crianças são nomeadas na pesquisa:

[…] recusamos alternativas tais como usar números, mencionar as crianças pelas iniciais ou as primeiras letras do seu nome, pois isso negava a sua condição de sujeitos, desconsiderava sua identidade, simplesmente apagava quem eram e as relegava a um anonimato incoerente com o referencial teórico que orientava a pesquisa (KRAMER, 2002, p. 47).

A autora argumenta que o “anonimato incoerente” compromete a participação das crianças como autores das suas falas, “além de comprometer a escrita do trabalho e a força dos diálogos entre as crianças” (KRAMER, 2002, p. 47). A autora faz referência a trabalhos que optaram em revelar o primeiro nome das crianças e a não revelar o nome da instituição como uma das formas para não expor as crianças. A exceção para esse tipo de escolha é quando a identificação do nome ou da instituição exponha as crianças ou as coloque em situação de risco. Concordamos com a autora que revelar o primeiro nome da criança é importante para a sua identidade e protagonismo e para o reconhecimento do que construíram enquanto sujeitos principais de uma pesquisa. Suas falas e depoimentos trazem em si a marca de cada uma delas, ou seja, é importante, como esclarece Kramer (2002, p. 51), “reconhecer no texto suas histórias”, suas produções culturais. Como nossa pesquisa não oferece nenhum risco às crianças e queremos ressaltar o seu protagonismo e sua condição de sujeitos dialógicos, optamos por revelar o primeiro nome delas. Entretanto, os rostos delas não serão mostrados, como forma de resguardamos sua imagem.

As famílias foram informadas sobre a importância de nos referirmos às crianças por seu primeiro nome. Dessa forma, concordaram e autorizaram a divulgação dos nomes das crianças nesta dissertação e em trabalhos acadêmicos futuros. Ressaltamos que o TCLE foi esclarecido e assinado por todos os familiares das quinze crianças da turma do Infantil IV. A instituição, a professora e os familiares que participaram da pesquisa tiveram suas identidades preservadas.

Alguns impasses éticos são apontados por autores que escrevem sobre a pesquisa com crianças. Kramer (2002) orienta que se deve ter uma concepção de infância coerente com os objetivos da pesquisa. Campos (2008) adverte aos pesquisadores quanto às relações de poder que nossa condição de adultos impõe. Corsaro (2011, p. 71) aconselha que os pesquisadores “devem documentar cuidadosamente o processo de pesquisa”, já que isso pode evitar problemas éticos imprevistos. Cabral (2006 apud LEITE, 2008, p. 136) revela que “o ponto focal é o consentimento infantil para torna-se o objeto da pesquisa, seu direito de aceitar ou negar a autorização”.

Todas essas contribuições são valiosas para os pesquisadores iniciantes, pois nos orientam para a clareza e a coerência que o pesquisador deve ter quanto as suas concepções éticas e escolhas que tem que realizar no decorrer da pesquisa.

É consenso entre pesquisadores que a participação das crianças nas pesquisas como principais informantes precisa de uma organização de dados e uma análise que

considerem suas expressões, múltiplas linguagens e as escute de maneira sensível. É sobre esse aspecto que nos debruçamos a seguir.

5.5 A análise de dados

No caso da pesquisa qualitativa, a análise dos dados se inicia junto com o trabalho de campo, estando presente em todas as etapas da pesquisa. Na análise dos dados, buscamos o sentindo explicativo dos resultados gerados na pesquisa. Barros e Lehfeld (2014) salientam que esse momento consiste na organização, leitura, sistematização e interpretação dos dados que são orientados pelos objetivos da pesquisa e pelo referencial teórico adotado.

Conforme Bogdan e Biklen (1994), a análise de dados é um processo de busca e de organização sistemática de todo o material gerado durante a pesquisa. Um trabalho que envolve a organização dos dados, divisão de categorias, descoberta de aspectos relevantes e a decisão do que será apresentado aos leitores.

A partir dessa orientação, realizamos a organização do material e a sistematização dos dados, que foram feitos após o trabalho em campo. As transcrições foram organizadas em pastas digitais, com identificação de acordo com os instrumentos utilizados e com as datas em que foram realizados.

Após a organização dos dados, realizamos uma leitura atenta das transcrições das Rodas de Conversa, das sessões de H-C, D-H e do faz de conta e das entrevistas com a professora e as famílias, para que percebêssemos os temas, os assuntos que mais se sobressaíram, como, também, informações implícitas nas falas e expressões dos sujeitos. Destacamos que revimos as filmagens, o que possibilitou observar gestos, movimentos e expressões das crianças.

Após esse criterioso trabalho, é chegado o momento de refletir sobre os “achados da pesquisa” (LÜDKE; ANDRÉ, 2013, p. 57), desvelar semelhanças, temas relevantes e questões implícitas. É nosso desafio refletir, como recomendam as referidas autoras, para que a análise não se restrinja ao que está explícito no material, “mas procure ir mais a fundo, desvelando mensagens implícitas, dimensões contraditórias e temas sistematicamente silenciados”. As categorias foram definidas por meio da organização dos dados, do que observamos nas filmagens e da leitura de todo o material transcrito. Além disso, as proposições das H-C e D-H foram fundamentais para aguçar e sensibilizar o olhar para percebemos as enunciações mais significativas, relevantes e implícitas.