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Desenho 14  História para completar 2ª sessão

3 A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM NA

3.2 A mediação simbólica e as funções psicológicas superiores

É importante que se entenda o conceito de mediação para a compreensão do processo das funções psicológicas superiores, construído na relação com o outro e na cultura. Vygotsky parte do pressuposto de que toda relação humana é uma atividade mediada, ou seja, “[…] a relação do homem com o mundo e com os outros homens não é uma relação direta, pois é mediada por meios, que se constituem em „ferramentas auxiliares‟ da atividade humana” (REGO, 1995, p. 42, grifo da autora).

O processo de apropriação dos elementos da cultura, através da mediação simbólica, tem como “ferramenta auxiliar” o uso de instrumentos e dos signos. O estudo do uso de instrumento pela espécie humana revela a gênese dos processos de criação e atuação do homem sobre a natureza. Segundo Vygotsky (1998, p. 72-73, grifo do autor), “a função do instrumento é servir como condutor da influência humana sobre o objeto da atividade; ele é orientado externamente […]. Constitui um meio pelo qual a atividade humana externa é dirigida para o controle e domínio da natureza”.

Em suas pesquisas com chimpanzés, o autor constatou que estes utilizam os instrumentos nos campos das ações práticas, imediatas e ligadas à satisfação de suas necessidades biológicas, como alimentar-se. Verificou, também, que o que diferencia o uso de instrumentos por chimpanzés e por seres humanos é, especificamente, a capacidade criadora e transformadora de planejamento do homem, num processo histórico e cultural. A atividade do homem é consciente e “[…] responsável, pela maioria dos conhecimentos, habilidades e procedimentos comportamentais: a assimilação da experiência de toda a humanidade, acumulada no processo da história social e transmitida no processo de aprendizagem.” (REGO, 1995, p. 48).

O uso de instrumento amplia as possibilidades de transformação e intervenção na natureza, em que tem função específica para a qual foi criado. Dessa forma, o machado serve para cortar; a vara, para pescar; a jarra permite o armazenamento de água.

O ser humano, no início do seu desenvolvimento, também utiliza os instrumentos de forma semelhante aos chimpanzés, mas com diferenças que marcam a potencialidade do homem em aperfeiçoar, planejar, conservar, aprender e ensinar o funcionamento desses instrumentos para seus semelhantes. Nisso reside a capacidade criadora, presente unicamente nos seres humanos.

Os signos, denominados instrumentos psicológicos, como elaborou Vygotsky (1998), não modificam em nada o objeto da operação psicológica; constituem um meio da

atividade interna dirigido para o controle do próprio indivíduo. O signo é orientado internamente, ou seja, “têm a função de auxiliar o homem nas suas atividades psíquicas, portanto, internas ao individuo”, como exemplifica Rego (1995, p. 52).

Os signos ampliam significativamente as capacidades de atenção, memória e de planejamento, levando o homem a uma nova forma de comportamento, a de que não mais depende de meios externos, mas aquela que opera no campo psicológico e passa a ser internalizada. Os signos representam um salto qualitativo ao longo do processo de desenvolvimento, justamente porque:

[…] o indivíduo deixa de necessitar de marcas externas e passa a utilizar signos internos, isto é, representações mentais que substituem objetos do mundo real. Os signos internalizados são como marcas exteriores, elementos que representam objetos, eventos, situações. Assim como um nó num lenço pode representar um compromisso que não quero esquecer […] (OLIVEIRA, 1997, p. 35).

Uma das teses principais de Vygotsky (1998) é entender a transição das ações realizadas no contexto social para as ações internalizadas, ou seja, aquelas que ocorrem no interior do indivíduo, no qual a atividade psíquica passa a ser mediada por processos internos, como a memorização, a atenção e o planejamento. Esse processo de reconstrução interna de uma operação externa é denominado por Vygotsky de internalização.

O gesto de apontar é um exemplo utilizado pelo teórico que ilustra o processo de internalização dos significados culturais. Inicialmente, o gesto é

[…] nada mais do que uma tentativa sem sucesso de pegar alguma coisa, um movimento dirigido para um certo objeto, que desencadeia a atividade de aproximação. A criança tenta pegar um objeto colocado além de seu alcance; suas mãos esticadas em direção aquele objeto permanecem paradas no ar. Seus dedos fazem movimentos que lembram o pegar. Nesse estágio inicial, o apontar é representado pelo movimento da criança, movimento este que faz parecer que a criança está apontando um objeto […] (VYGOTSKY, 1998, p. 74).

A nosso ver, a referida cena de tentativa de pegar o objeto faz que a mãe, ou um adulto mais próximo da criança, aja entregando o objeto à criança. O adulto realiza uma interpretação da ação da criança, ou seja, interpreta o ato de pegar o objeto como se a criança estivesse apontando, dando um significado para o ato. Nesse momento do desenvolvimento, o gesto precede a palavra e é carregado de intenções e significados.

A criança, por sua vez, ao longo de suas experiências com adultos, crianças mais velhas e nas relações com sua cultura, vai incorporando os significados atribuídos pelo outro a seus gestos, ações ou movimentos.

Vygotsky (1998) ressalta que essa relação ocasiona mudanças fundamentais no desenvolvimento do sujeito, que antes tinha o olhar orientado para as características físicas do objeto e, agora, dirige seu olhar para o outro, num movimento em que se estabelecem relações no campo social e cultural. Dessa forma, “o caminho do objeto até a criança e desta até o objeto passa através de outra pessoa. Essa estrutura humana complexa é o produto de um processo de desenvolvimento profundamente enraizado nas ligações entre história individual e história social” (VYGOTSKY, 1998, p. 40).

Isso significa dizer que os elementos mediadores (objetos, signos, linguagem) permitem a interpretação de situações, a comunicação entre os indivíduos e o estabelecimento de interações e aprendizado.

As crianças, inseridas num contexto cultural, participam e incorporam ativamente as práticas sociais construídas historicamente. No entanto, como sujeitos históricos e sociais, mobilizam os adultos e também colaboram para a sua transformação, como acredita Prestes (2013, p. 302): “um verdadeiro encontro de pessoas”.

O papel do professor é mediar o encontro, a coletividade; mobilizar, escutar e, também, dizer. As crianças protagonistas de suas histórias, dos seus pensares, têm muito a dizer; e precisam ser ouvidas. Segundo o postulado sócio-histórico, essa relação é tão constituinte do sujeito que “[…] o aprendizado humano pressupõe uma natureza social específica e um processo através do qual as crianças penetram na vida intelectual daquelas que as cercam” (VYGOTSKY, 1998, p. 115).

Essa relação revela o quanto a interação com o outro e com a cultura estão presentes no desenvolvimento, o que levou Vygotsky a sustentar sua tese de que as formas de contato da criança com a realidade são socialmente mediadas.

O processo de internalização, de acordo com esse teórico, possibilita uma série de transformações no sujeito.

Uma operação que inicialmente representa uma atividade externa é reconstruída e começa a ocorrer internamente. […] Um processo interpessoal é transformado num processo intrapessoal. Todas as funções no desenvolvimento da criança aparecem duas vezes: primeiro, no nível social, e, depois, no nível individual; primeiro, entre as pessoas (interpsicológica), e, depois, no interior da criança (intrapsicológica). A transformação de um processo interpessoal num processo intrapessoal é o resultado de uma longa série de eventos ocorridos ao longo do desenvolvimento (VYGOTSKY, 1998, p. 75).

Portanto, o processo de internalização é um processo que não ocorre de forma isolada, mas é, sobretudo, uma atividade mediada pelos signos, pela linguagem, pelas

interações e experiências socioculturais da criança, em que o outro tem papel de grande importância. Através da mediação, o ser humano vai, processualmente, apropriando-se e influenciando os modos de comportamento culturais e sociais no contexto em que está inserido.

Relacionando esse importante aporte ao fenômeno investigado, percebe-se que, ao internalizar as experiências e os conhecimentos fornecidos pela cultura, o homem se constitui como sujeito histórico.

A Roda de Conversa, foco deste estudo, no contexto da EI, assim como nas diversas interações e experiências nas quais as crianças utilizam a linguagem ̶ e por que não dizer das múltiplas linguagens ̶ , possibilita à criança, como salienta Rego (1995, p. 62), organizar seus processos mentais, “[…] se apoiando em recursos internalizados como as imagens, representações, conceitos etc.”

Vejamos como se processa a inter-relação entre pensamento e linguagem e a sua importância para o desenvolvimento das crianças como sujeitos interacionais.