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Desenho 14  História para completar 2ª sessão

3 A CONSTRUÇÃO DO PENSAMENTO E DA LINGUAGEM NA

3.6 A contribuição teórica de Henri Wallon

3.6.3 O desenvolvimento do pensamento e da linguagem

Para Wallon (2007), o começo da fala na criança coincide com um intenso progresso de suas capacidades práticas. Estudiosos verificaram que, no início do desenvolvimento, seres humanos e macacos têm um comportamento semelhante no campo da inteligência prática. O grande diferencial que faz com que o ser humano se distancie do comportamento imediato e restrito a percepções apresentado nos animais é a aquisição da fala e da capacidade de representação, que qualificam os seres humanos a agir sobre os objetos de forma intencional, a planejar, imaginar e a criar. Conforme Galvão (1995, p. 78),

A linguagem, ao substituir a coisa, oferece à representação mental o meio de evocar objetos ausentes e de confrontá-los entre si. Os objetos e situações concretos passam a ter equivalentes em imagens e símbolos, podendo, assim, ser operados no plano mental de forma cada vez mais desvinculada da experiência pessoal e imediata.

A relação entre a linguagem e o pensamento é objeto de estudo privilegiado na obra de Wallon. De acordo com suas ideias, a linguagem é “o sustentáculo necessário das representações. […] é a própria condição do pensamento e do conhecimento” (WALLON, 2008, p. 200). Dessa forma, linguagem e pensamento mantêm uma relação de reciprocidade: a linguagem exprime o pensamento e o estrutura. Necessária ao desenvolvimento da inteligência, a linguagem une os seres humanos em torno do mundo dos gestos, signos, símbolos e das palavras. Sobre importância dela para o desenvolvimento, Wallon reflete: a linguagem traz consideráveis consequências para a espécie e para o ser humano, “sem falar das relações sociais que ela torna possíveis e que a modelaram, nem do que cada dialeto exprime e transmite de história, foi ela que fez transmudar-se em conhecimento a mistura estreitamente combinada de coisas e de ação […]” (WALLON, 2007, p. 155).

Sendo o principal interesse deste estudo, as relações entre pensamento e linguagem surgem, conforme a teoria walloniana, no estágio sensório-motor e projetivo, quando a criança recorre ao gesto para se expressar, para completar seu pensamento, para expressar uma ideia, chamar atenção do adulto, apontando para o que deseja. Até então, uma

mentalidade projetiva que, segundo Dantas (1992a), projeta-se em atos motores e é caracterizada por movimentos de naturezas diversas e de movimentos simbólicos.

O gesto atua como mediador das interações entre adultos e crianças, constituindo- se na primeira forma de linguagem, sendo passível de muitas interpretações e de uma necessária relação afetiva, processo no qual o desenvolvimento da linguagem estará intimamente ligado às interações entre adultos e crianças e aos domínios do ato motor, afetividade e conhecimento. Nesse momento do desenvolvimento da linguagem,

[…] os mecanismos da ação são ativados antes dos da reflexão, quando quer imaginar uma situação não consegue fazê-lo se antes não se envolver de alguma forma com ela por meio de seus gestos. O gesto precede a palavra, depois vem acompanhado dela, antes de acompanhá-la, para finalmente fundir-se em maior ou menor medida a ela (WALLON, 2007, p. 157).

Os gestos permitem intensos progressos no campo da inteligência. Vê-se, então, a preponderância do ato motor na ação das crianças, alicerce necessário para a construção das ideias, da representação e do pensamento.

Em seus estudos sobre o pensamento discursivo nas crianças, Wallon percebeu formas muito particulares e autênticas de manifestação do pensamento infantil. Ao observar, dialogar e ouvir as narrativas infantis sobre suas experiências cotidianas, Wallon concluiu que “o pensamento infantil se faz basicamente de pares de ideias, em que uma puxa a outra […] as ideias, em lugar de se associarem, estão misturadas, indissociadas, amálgamadas […]” (DANTAS, 1990, p. 43). Esse pensamento singular, típico do pensamento e das percepções infantis, Wallon chamou de pensamento sincrético.

O pensamento sincrético, como já mencionado anteriormente, longe de ser desorganizado, expressa sentidos inusitados e variados, que muito aproximam as crianças do ato criador dos poetas! Disso resulta o interesse das crianças pelas sonoridades, brincadeiras com as palavras, parlendas, pelo ato criador de inventar sons, histórias e até novas palavras! Como tudo está ligado a tudo no pensamento sincrético, é muito comum percebemos nas conversas das crianças a mistura de realidade e fantasia, pois esse tipo de pensamento está envolto de uma impregnação afetiva, na qual os critérios afetivos se sobrepõem aos lógicos e objetivos.

Bastos e Dér (2012) colaboram para essa discussão dizendo que o pensamento infantil caracteriza-se por um sincretismo de caráter global, no qual se encontram misturados os vários planos do conhecimento: afetivos, cognitivos e motor. As autoras salientam que os processos subjetivos e afetivos prevalecem nas explicações e histórias, tendo contornos

lúdicos e de livre criação. Assim é que, numa conversa entre crianças, é possível escutar algo como: “deve ter sido o lobo mal que inventou esse negócio de tomar vacina!”25

Wallon aponta como se dá essa percepção das coisas e das situações no pensamento da criança:

[…] continua sendo global, ou seja, seus detalhes continuam indistintos. No entanto, muitas vezes temos a impressão de que a atenção da criança se volta para os detalhes das coisas. Chega até a detectar aspectos tão particulares, tão íntimos ou tão fortuitos que nos tinha escapado. […] A percepção da criança é, portanto, mais singular do que global; incide sobre unidades sucessivas e mutuamente independentes, ou melhor, cujo único vinculo é sua enumeração (WALLON, 2007, p. 162).

Wallon (2007) dá a conhecer que o processo de diferenciação do objeto e da linguagem não se dá de forma imediata, sem conflitos. Há um conflito entre as palavras e as ações, estas parecem ser imperativas e seus sentidos variam conforme as situações, também podendo apresentar-se como imaginárias e polivalentes, tendo inúmeros significados relacionados às circunstancias do momento e ao estado afetivo da criança.

Vê-se, portando, que a criança encontra-se em um momento do desenvolvimento transitório, no qual ela aparece indiferenciada entre os planos dos objetos, das ações e das ideias. Por volta dos cinco anos de idade, há na criança uma tendência de redução do sincretismo e uma nova maneira de se relacionar com o mundo emerge. Os progressos do pensamento discursivo farão com que a criança volte seu interesse para a explicação, definição e de relações qualitativas entre o objeto do conhecimento, ou seja, uma nova maneira de explicar e entender o mundo social próxima à noção conceitual ou categorial.

Dantas (1992a, p. 43) esclarece que explicar para Wallon é uma trama relacional que vai além da explicação da coisa, ou do fato. Segundo ele, “explicar é determinar condições de existência, entendimento que abarca os mais variados tipos de relações […] para a sua concepção dialética de natureza, tudo está ligado a tudo, além de estar em permanente devir”.

Assim como um devir26, a(s) linguagem(ns) possibilita(m) mudanças efetivas na

criança, permitem transformações, criações; permitem conhecê-la em seu pensar, em suas singularidades. Nas palavras de Dantas (1992a, p. 44), “a linguagem, capaz de conduzir o pensamento, é também capaz de nutri-lo e alimentá-lo, estruturam-se reciprocamente: produto da razão humana […]”.

25 Notas do diário de campo realizadas no dia 14 de setembro de 2016.

26 De acordo com Abramowicz (2011), devir não tem nada a ver com o futuro, com uma cronologia qualquer,

Por isso, as experiências com a linguagem precisam ser constituídas de uma linguagem enriquecida e de oportunidades para que as crianças falem e sejam ouvidas com afeto e respeito. Suas falas precisam ser reconhecidas, valorizadas como a expressão mais genuína de um pensamento que se desenvolve integralmente, de forma abrangente e complexa.

É nessa relação dialógica e de respeito que crianças e adultos se encontram simetricamente como sujeitos de linguagem, aspecto fundamental para os progressos afetivos, da inteligência e construção da pessoa.

3.6.4 Implicações das teorias sociointeracionistas para a prática pedagógica na EI e para a