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Desenho 14  História para completar 2ª sessão

2 A RODA DE CONVERSA NO CONTEXTO DA EDUCAÇÃO INFANTIL

2.1 Para começo de conversa: um encontro dialógico nos Círculos e nas Rodas

A Roda de Conversa é uma prática cotidiana realizada nas instituições de EI, na qual as crianças, sentadas em círculo com o (a) professor (a), têm possibilidades de conversar, dialogar, participar, falar sobre seus interesses, curiosidades e descobertas. Lugar de encontro das crianças, do (a) professor (a) e dos adultos das instituições de EI. Estes têm papel de grande importância: o de mediadores da coletividade. A Roda de Conversa, lugar de encontro e democracia, rompe com o adultocentrismo presente na fala monológica e nas práticas rotineiras e didatizadas. Pretendemos trazer elementos para que possamos pensá-la como lugar da participação, do encontro dialógico e democrático das crianças e dos adultos.

Por isso, inicio resgatando o princípio da circularidade. A partir dele, recordo as brincadeiras de roda, promovedora de relações e interações, oportunizando as crianças a estarem lado a lado, estarem entre pares. É importante pensar a Roda de Conversa a partir do princípio da circularidade, compreendê-la em sua dimensão política e dialógica, rompendo com o modelo linear, assimétrico e adultocêntrico nas relações que há tantos anos marcam a história da educação brasileira. Na verdade, a Roda de Conversa traz na sua origem o

princípio de uma educação democrática, dialógica e participativa, como tão bem afirmam Freire (1983), Mello e Freire (1986), De Angelo (2006) e Motta (2011).

O círculo, de acordo com Brandão (2010), estudioso da obra freireana, é o símbolo mais adequado às experiências de cultura e de educação popular realizadas no Brasil e na América Latina, em meados da década de 1960. Freire acreditava em experiências de aprendizagem “fundadas na horizontalidade das interações pedagógicas, no diálogo e na vivência da aprendizagem como um processo ativo e partilhado de construção do saber.” (BRANDÃO, 2010, p. 69). Um pensamento que se opõe ao modelo alienante e baseado na transmissão do saber, denominado por Freire de educação bancária.

O célebre intelectual brasileiro difunde o trabalho em equipe, o diálogo como criação e consenso entre iguais e diferentes, e os círculos de cultura, princípios fundantes de uma educação libertadora, como forma de combater o modelo de se transferir conhecimento.

O círculo de cultura, conforme destaca Brandão (2010, p. 69), “dispõe as pessoas ao redor de uma roda de pessoas”, na qual ninguém ocupa um lugar mais elevado ou importante do que a outra. Nessa perspectiva, nos círculos e nas rodas, as pessoas constroem saberes solidários, espaço-tempo de interações e igualdade de participação. Freire (1983), imbuída por tão importante legado, acredita na potência do diálogo com as crianças, valorizando sua participação em grupo, em vez de negá-la. A hora da conversa na roda é quando o professor, igualmente com as crianças, são sujeitos do processo na busca por conhecimento.

Mediante esse pressuposto, pergunto: seria a Roda de Conversa um momento propulsor de emancipação política e pedagógica? Acredito que sim. A Roda pode se constituir num espaço de expressão do pensamento, mas também da curiosidade, dos dizeres cotidianos, do inusitado; de falar, mas, também, de somente ouvir, assim como do pleno direito de ser ouvido. Deve ser compreendida como espaço democrático, no qual as crianças possam ter participação ativa, uma possibilidade de encontro entre crianças-crianças e crianças-adultos, no qual nos constituímos no encontro com o outro. Surgem, desse encontro de ideias, palavras diálogos e pensamento.

É importante dizer que a concepção dialógica e democrática defendida por Madalena Freire tem herança pedagógica, política e afetiva de Paulo Freire, filósofo e patrono da educação brasileira, seu pai. De acordo com Redin (2010), Freire não elaborou uma teoria específica sobre a infância, mas uma teoria revolucionária sobre a educação, sobre a pedagogia, na qual o grande legado é saber que educar exige diálogo com o mundo e com os outros: educar, emancipar e libertar. Esse legado nos ensina que a educação transforma as

pessoas, e é enfático ao contribuir para com a EI dizendo: “nenhuma sociedade se afirma sem o aprimoramento de sua cultura, da ciência, da pesquisa, da tecnologia, do ensino. E tudo isso começa com a pré-escola” (FREIRE, 2000, p. 53). O teórico contribui dessa forma para que possamos pensar que creches e pré-escolas são espaços de grande importância para a igualdade de direitos, de participação e de coletividade. Lugar de escuta e de diálogo, de abertura para os gestos, a fala e a leitura do mundo desde a mais tenra idade.

Freire acredita na emancipação do homem, tendo como princípios o diálogo, a conscientização, a humanização, concebendo a educação como uma construção histórica e política. Assim, concebemos as crianças nessa investigação como sujeitos dialógicos, históricos e culturais. Vemos, na pedagogia da conscientização de Freire, terreno profícuo que ajudará a problematizar a Roda de Conversa como um espaço político e democrático, capaz de dialogar com a educação da infância.

Apodero-me de algumas ideias da pedagogia de Paulo Freire, tais como dialogicidade; um elemento basilar para o desenvolvimento da Roda de Conversa como prática democrática. A seguir, esclareço o que penso.

Segundo Freire (1987), a dialogicidade é a essência de uma educação como prática para a liberdade. Esse direito não é garantido quando se concebe a educação como bancária: um ato de transferir, transmitir e inculcar conhecimentos. Na Roda de Conversa, a educação bancária é praticada quando há o controle das vozes, quando é realizada para transmitir conhecimentos e, precariamente, realizada para o repasse de conteúdos; quando só a voz do professor é ouvida; e a das crianças, silenciada. Na educação bancária, já dizia o intelectual, mantêm-se a desigualdade e a contradição nas relações entre educador e educando. Assim,

O educador é o que sabe; os educandos, os que não sabem; o educador é o que pensa; os educandos, os pensados; o educador é o que disciplina; os educandos, os disciplinados; o educador é o que diz a palavra; os educandos, os que escutam docilmente […] (FREIRE, 1987, p. 34).

Nesse sentido, negam-se o direito ao diálogo e o conhecimento, bases necessárias para a construção do sujeito emancipado. O diálogo, segundo Freire (1987), é um “fenômeno humano” que se revela pela palavra, constituída na ação, na reflexão e na coletividade. A palavra verdadeira, para ele, “não é oca”, nem ativista, é uma palavra transformadora do mundo, das ações, do pensamento. Apropriar-se da palavra verdadeira, na acepção freireana, não é para ser “privilégio de alguns homens, mas direito de todos os homens” (FREIRE,

1987, p. 44). Portanto, o diálogo, “exigência existencial”, como tão bem diz Freire (1987, p. 45), possibilita o encontro das pessoas com o mundo, com o outro, consigo mesmas.

A Roda de Conversa, para De Angelo (2011), por sua constituição, é um espaço de exercício democrático, no qual fala e escuta são os principais instrumentos de participação, representando um espaço de construção coletiva, de conhecimentos e de respeito aos interesses e ritmos das diferentes crianças. O autor salienta que a Roda ocupa um espaço privilegiado para o diálogo, mas não o único. Segundo suas ideias,

São múltiplos os momentos em que as crianças, valendo-se das trocas dialógicas que realizam, revestem de identidade o grupo a que pertencem, ao mesmo tempo em que se afirmam na sua própria identidade histórica, revestindo de novos significados as suas vivências! (DE ANGELO, 2011, p. 61).

O diálogo e a dialogicidade, de acordo com Zitkoski (2010, p. 117), são categorias centrais na proposta de educação humana freireana. As crianças precisam viver e protagonizar momentos ricos de interações e diálogo, nos quais irão construir identidades individuais e grupais, aprender com o outro e poder “dizerem o mundo” nas suas vivências, experiências e no cotidiano, pois o diálogo, de acordo com o pensar dialógico de Freire, implica uma práxis social, um processo, no qual estamos nos transformando, construindo-nos, portanto, necessário ao desenvolvimento integral das crianças.

De Angelo (2006, 2011), em seus estudos, enaltece a EI como um espaço-tempo propício para o exercício democrático da linguagem, o qual tem no saber da criança o ponto de partida para a construção do saber, a experiência do sujeito e a dialogicidade.

A postura dialógica e a prática da dialogicidade na perspectiva freireana são a base de uma educação problematizadora. A palavra, nessa perspectiva, tem grande significado, é transformadora, mediadora. Permite ao sujeito criar, expressar, descobrir e ser! Sendo, portanto, um direito das crianças, uma das formas de ler e dizer o mundo, de unir as pessoas. Na Roda, todos se constituem como iguais, não deveria haver lugar para relações assimétricas, adultocêntricas; todos precisam exercer o direito de ouvir e compartilhar conversas, saberes e histórias. E, por meio dessa relação, constrói-se uma educação emancipadora.

Para Motta (2011), são necessárias práticas pedagógicas que garantam a construção dialógica como condição constituidora de um sujeito criativo e crítico. A Roda de Conversa é um espaço no qual professores e crianças irão se constituir como sujeito de linguagem, pois, segundo a pesquisadora, “há que se investir na fala do professor para que ele

possa ser surpreendido pelas múltiplas significações propostas pela criança […]” (MOTTA, 2011, p. 83), pois parte dos professores é fruto de uma educação bancária, tradicional, que os impedia de usar a fala e as expressões corporais como uma autêntica forma de emancipação. Segundo a autora, é preciso que a relação eu-outro seja constituinte das relações, para que os professores se reconheçam como sujeitos de linguagem e histórico-culturais.

Os fundamentos freireanos da dialogicidade, exercício democrático e respeito ao saber, assim como a concepção de criança como sujeito dialógico, histórico-social, corroboram para o cultivo de práticas pedagógicas que tenham como centro as crianças, seus dizeres e suas formas de “ler o mundo”, através das suas múltiplas linguagens, interações, brincadeiras e produção de cultura(s).

Nesse sentido, de acordo com De Angelo (2006, p. 7), tem-se “[…] buscado no trabalho com crianças, uma práxis viva, criativa e crítica […] que faz emergir a criança como sujeito da linguagem”. E são essas crianças que buscam, o tempo todo, fazer relações das suas vivências com a cultura mais ampla. Para tanto, perguntam, criam, imaginam, fantasiam, projetam, pensam sobre as coisas do mundo. São elas que, mesmo antes de entrarem para os espaços coletivos de educação e cuidado, já trazem consigo muitos conhecimentos e cultura(s).

Por sua constituição dialógica, democrática e de participação, a Roda é o espaço no qual escuta, fala e pensamento são instrumentos presentes na constituição da criança enquanto sujeito de linguagem. Segundo De Angelo (2006, p. 8), “a Roda de Conversa pretende ser, na educação de infância, um espaço de partilha e confronto de ideias […]. Cada criança é desafiada a participar do processo, tendo o direito de usar a fala para expressar suas ideias, emitir suas opiniões, pronunciar a sua forma de ver o mundo”.

Portanto, falando, escutando, participando e interagindo, as crianças estão se constituindo como pessoas, como sujeitos de linguagem, sociais, históricos e dialógicos. Que bela oportunidade de ser! E de ser mais! Se lhes for dada essa oportunidade, de expressar o que pensam, posicionarem-se, fazerem perguntas, dentre outros interesses e necessidades que são apresentados na Roda. Concordamos com o autor quando ele diz que, na Roda de Conversa, “o uso da palavra, que não é apenas som… mas que é, também, pensamento,

concepção de mundo, ação, posicionamento diante da realidade”. (DE ANGELO, 2006, p. 8, grifo do autor).

Indagamo-nos: As crianças têm sido consideradas como sujeitos dialógicos e participativos nas práticas cotidianas realizadas na Roda de Conversa? Vejamos como tem sido tratado o tema da Roda de Conversa no âmbito das pesquisas científicas.