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CAPÍTULO 5 – ESTRATÉGIAS COMPORTAMENTAIS

5.2. A abordagem inicial de Hirschman (1970)

Numa perspectiva económica, Hirschman (1970) realça a importância dos comportamentos individuais quando há problemas de degradação do estado, das organizações ou das empresas. Segundo este autor, há uma entropia inerente ao próprio funcionamento das instituições, traduzida por perdas de eficiência, de qualidade, de funcionalidade, muitas vezes sem causas aparentes. Torna-se pois fundamental, tal como March e Simon (1958/1993) e Cyert e March, (1963/1992) tinham já proposto, ter uma particular atenção aos comportamentos individuais durante esses períodos de declínio. Esta é a principal preocupação de Hirschman (1970), bem como a base da sua teoria.

Considerando que a diminuição dos resultados de uma organização é uma consequência directa da deterioração da qualidade dos seus produtos/serviços, torna-se importante determinar as condições em que certos comportamentos se revelam e os seus impactos na eficácia e eficiência organizacional. Estes comportamentos podem ser tipificados em saída (“exit”), voz (“voice”) e lealdade (“loyalty”). Foram analisados, e podem ser observados nas mais diversas situações, desde económicas, políticas, de gestão, de insatisfação de clientes e

também na relação entre empregados e organizações (e.g., Dowding et al., 1980; Kolarska e Aldrich, 1980; Mergoupis e Vugt, 2000; Hirschman, 1970; Saunders, 1992).

Os dois elementos que o autor considera como primeiras reacções ao declínio de uma unidade social são a saída e a voz. A lealdade é um conceito que vai ser introduzido, como forma de obter “uma compreensão mais sólida das condições que favorecem a coexistência da saída e da voz... [por reflectir] ...uma ligação especial a uma organização...” (Hirschman, 1970: 77). É considerado por alguns autores (e.g., Dowding et al., 2000; Kolarska e Aldrich, 1980) como que um artifício para explicar a relação entre a saída e a voz.

Entende-se por saída, os comportamentos nos quais “...clientes deixam de comprar ou alguns membros deixam a organização...” (Hirschman, 1970: 4). É, assim, uma estratégia comportamental em que o indivíduo termina a relação existente com um determinado objecto ou unidade social (Saunders, 1992). A saída consiste, por outras palavras, numa reacção do consumidor quando um produto perde qualidade, havendo no mercado produtos substitutos, com um preço semelhante e qualidade superior. Nesta linha, o autor estipula que a variável antecedente da saída, é a qualidade e não o preço em si. No entanto, a insatisfação do cliente em relação a uma empresa, produto ou serviço pode não ter origem num decréscimo da qualidade, mas sim num aumento do preço, como também foi salientado por Dowding et al. (2000) Kolarska e Aldrich (1980). Neste caso, a variável que mantinha-se constante seria a qualidade, variando o preço do produto, levando o cliente a optar pelo produto ou pelo serviço mais barato.

A saída, segundo Hirschman (1970), seria traduzida pela perda de clientes, sendo um sintoma de que algo não vai bem com a empresa, exigindo medidas correctivas. Desempenha, por isso, um papel potenciador do esforço competitivo de recuperação40. No entanto, a saída como sintoma de uma disfunção organizacional, só seria eficaz quando o mercado é caracterizado por uma baixa variabilidade dos clientes, isto é, os clientes não mudam facilmente de produto ou de empresa. Nesta situação, o facto de haver perda de clientes iria determinar uma perda da quota de mercado e, consequentemente, desencadear uma resposta tendo em vista a correcção da situação disfuncional, através da manutenção ou do aumento da quota de mercado. No caso contrário, em que o mercado é caracterizado por uma grande

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variabilidade dos clientes, isto é, os clientes mudam frequentemente de produtos, serviços e empresas, a saída como sintoma de descontentamento dos clientes poderia não ser percebida, pois a gestão percepciona tal facto como algo de normal e corrente, não exigindo, por isso a implementação de mediadas correctivas.

Em termos intra-organizacionais, o principal motivo para a saída de empregados da organização é a perda de uma “qualidade de vida”, expressa pela diminuição da qualidade de diversas facetas organizacionais (salário, prémios, relações chefias, colegas, etc.), que se traduz numa diminuição da satisfação global (Dowding et al., 2000; Farrell, 1983; Rusbult et al., 1982; Saunders, 1992; Withey e Cooper, 1992). Neste caso, a saída, traduzida por uma subida do turnover, só é sintomática se o mercado de trabalho for pouco flexível, não sendo caracterizado por mudanças mais ou menos frequentes dos empregados. No caso de o turnover ser habitualmente elevado, a saída perde a sua eficácia sintomática, não determinando respostas da gestão para corrigir a situação (Cyert e March, 1963/1992; Hirschman, 1970; March e Simon, 1958/1993).

Outra estratégia comportamental é a voz (“voice”), pela qual “os clientes da firma ou os membros da organização expressam a sua insatisfação directamente à gestão ou a outra autoridade à qual está subordinada a gestão ou através de um protesto geral dirigido a alguém que está preocupado em escutar...” (Hirschman, 1970: 4). Assim, na voz há a manutenção da relação entre o indivíduo e o objecto ou unidade social, apesar de haver, por parte do indivíduo, a tentativa de mudar o carácter e a natureza dessa relação através da sua participação nas decisões e na vida da organização. A voz corresponde, assim, a uma participação do indivíduo, que visa alterar a situação que causa desconforto, ocorrendo antes da saída ou da tomada da decisão de sair.

A voz implica a presença de duas condições. Uma das condições corresponde ao indivíduo acreditar, por um lado, ter a capacidade, através da sua participação, de influenciar a organização e, por outro lado, a organização ter a capacidade e o querer mudar. Assim, a voz visa contribuir para a correcção dos aspectos que estão degradados e que determinaram o declínio dessa organização, nomeadamente a qualidade de produtos e/ou de serviços. A outra condição corresponde aos custos com a saída, isto é, o balanço entre o que o indivíduo ganha se sair ou se ficar na organização. Traduz-se pelo indivíduo assumir o risco em continuar na

organização – ou continuar a consumir um determinado produto – em detrimento dos benefícios que esperaria vir a ter se mudasse de organização ou de produto (Cyert e March, 1963/1992; Hirschman, 1970; Kolarska e Aldrich, 1980; March e Simon, 1958/1993).

Há uma relação directa entre a voz e a saída, pois “a voz é a única forma pela qual clientes ou empregados insatisfeitos podem reagir sempre que a opção de saída não é viável” (Hirschman, 1970: 33). Há uma relação inversa entre a saída e a voz, isto é, a voz tem tendência a aumentar à medida que as oportunidades de saída diminuem. Exemplo disto são as situações de monopólio, podendo a voz, neste caso, assumir a expressão de queixas, reclamações e protestos. Nesta perspectiva, a voz poderá ter “...um efeito mais destrutivo do que construtivo” (Hirschman, 1970: 35), podendo a gestão reagir a essas formas de voz destrutiva através do corte da relação contratual com o indivíduo. Concluindo, a voz não é um substituto da saída, mas é um complemento, havendo que equacionar os seus efeitos conjuntos na organização41. Refira-se, no entanto, que uma das críticas feitas a este modelo consiste precisamente no facto de Hirschman (1970) equacionar, em alternativa, a saída e a voz. Perspectivando-se, a saída e a voz como elementos de um processo de decisão dicotómica, podem identificar-se outras categorias não consideradas no modelo proposto por Hirschman (Dowding et al., 2000; Kolarska e Aldrich, 1980).

Estas árvores de decisão vão pôr em destaque a não-saída e a não-voz. Especialmente a não-voz vai-se assumir uma nova categoria comportamental que é o silêncio (Bruch, 197542, citado por Kolarska e Aldrich, 1980). Entende-se por silêncio a ausência de participação e a resignação à situação, sendo em função da percepção que o indivíduo tem da situação. Pode referir-se, em primeiro lugar, a percepção do indivíduo de que não tem capacidade para alterar essa situação ou não tem poder para intervir (por exemplo, em situações de lideranças autoritárias ou em regimes ditatoriais). Depois, há que considerar a percepção de investimentos elevados realizados pelo indivíduo na organização e a ausência de alternativas (por exemplo em situações do monopólio). Por fim, uma terceira razão para que o indivíduo decida assumir uma estratégia comportamental de silêncio, consiste nas consequências que

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Este raciocínio está também em linha com o estabelecido por Cyert e March (1963/1992) e March e Simon (1958/1993).

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Birch, A. H. (1975). Economic models in political science: The case of exit, voice, and loyalty. British Journal

poderiam advir se assumisse uma posição de voz, serem gravosas para ele (Kolarska e Aldrich, 1980).

Kolarska e Aldrich (1980), tal como Hirschman (1970), partem do pressuposto de que o início do processo de tomada de decisão é o indivíduo acreditar ou não que a situação que levou a uma deterioração da satisfação poder ser melhorada (Figura 5-1).

Figura 5-1: Escolhas comportamentais face a uma situação de degradação da satisfação (baseada em Kolarska e Aldrich, 1980: 43)

A categoria que o indivíduo perspectiva em primeiro lugar é a saída, tendo a alternativa de ficar (não-saída) ou, de sair. Caso o indivíduo considere que a situação pode melhorar, então opta por ficar na organização. Caso contrário, o indivíduo opta por sair da organização. Em seguida, a voz é perspectivada em termos de silêncio e voz quer o indivíduo opte por sair, quer por ficar. Assim, pode-se estabelecer um diagrama de tomada de decisão, que permite equacionar quatro categorias possíveis. A primeira categoria consiste em ficar na organização em silêncio, prefigurando uma situação de acomodação ou de lealdade. A segunda consiste em ficar mas ter uma voz activa, no sentido de mudar a situação. A terceira consiste em sair e manter em silêncio as razões que levaram o indivíduo a sair. A quarta categoria consiste em sair mas, de forma activa, utilizar a voz para explicitar publicamente as razões que o levaram

A situação pode melhorar no futuro? SIM NÃO Ficar Sair Silêncio Voz Silêncio Voz

a tomar essa decisão. Esta última categoria poderá ser muito destrutiva, pois pode criar, ou contribuir, para um movimento social contra a organização.

Já segundo Dowding et al. (2000), a decisão da escolha entre a voz e a saída, depende da satisfação, distinguindo-se de Hirschman (1970) por colocarem na árvore de decisão, em primeiro lugar, a voz e não a saída (Figura 5-2).

Figura 5-2: Escolhas comportamentais face a uma situação de degradação da satisfação (baseada em Dowding et al., 2000: 474)

Tendo como ponto de partida a satisfação num determinado momento, a primeira questão que se coloca ao indivíduo é se está ou não satisfeito. Se está satisfeito o processo termina, não havendo lugar a uma escolha entre a voz e a saída. Se não está satisfeito, então o indivíduo tem de decidir se vai exercer a voz – participação – ou não. Quer decida ou não exercer a voz, no segundo nível de decisão, é posta a questão da saída. Em ambos os casos, quer exerça a voz, quer não exerça a voz, se a decisão é de sair, então o processo termina, pois também termina a relação do indivíduo com a organização em causa. Em alternativa, se a decisão é de não sair, há então que tornar a perspectivar o nível de satisfação para um período seguinte, reiniciando-se o processo (Dowding et al., 2000).

NÃO NÃO NÃO Satisfação (t1) Voz Saída Saída SIM SIM NÃO Satisfação (t2) SIM SIM

A lealdade (“loyalty”) reflecte uma “...relação especial...” (Hirschman, 1970: 77) entre um indivíduo e a organização ou produto, caracterizada pelo facto de esse indivíduo acreditar que a organização merece o seu esforço e dedicação. Essa relação assume particular importância se o indivíduo considerar que a organização está a mudar no sentido errado. É pois uma relação de “crença” baseada no NOSSO em vez do MEU. Devido a esta relação de “crença” na organização, a “lealdade é um conceito chave na batalha entre a saída e a voz...” (Hirschman, 1970: 82). Por outras palavras, a lealdade é uma variável moderadora da relação entre a saída e a voz (Dowding et al., 2000; Kolarska e Aldrich, 1980; Saunders, 1992). Em função do nível de lealdade à organização (ou ao produto) o indivíduo pode ser levado a participar de forma activa e determinada, ao invés de sair da organização, ou mudar de produto. Neste caso, a situação de saída pode ser perspectivada como um comportamento de deslealdade para com a organização e, como tal, reprovável quer pelo indivíduo, quer pelos outros, gerando situações de dissonância cognitiva e acções tendentes à redução desse dissonância, tal como foi estabelecido por Festinger (1957/1975).

Há que fazer uma distinção entre a lealdade para com um produto ou “brand loyalty” e para com um grupo ou “group loyalty” (Dowding et al., 2000). Hirschman (1970) foca-se unicamente na lealdade para com um produto, sendo esta perspectivada de forma instrumental como uma resistência psicológica a uma mudança de produto, independentemente das condições inerentes a esse produto43. Já a lealdade ao grupo consiste numa “...identificação ao grupo em si” (Dowding et al., 2000: 477) sendo, por isso, um constructo mais estável e afectivo. Há, assim, uma relação directa da lealdade, especialmente a de grupo, ao comprometimento organizacional (Meyer et al. 1993), especialmente quando se considera o EU como o comprometimento organizacional calculativo e o NÓS o comprometimento organizacional afectivo (Johnson e Chang, 2006).

Apesar de não desenvolver o conceito, o autor refere também o boicote (“boycott”) como sendo “...um outro fenómeno no limite entre a voz e a saída, assim como a ameaça da saída” (Hirschman, 1970: 86). O boicote é uma forma de saída, apesar de não se efectivar a mudança para outra organização ou produto. O indivíduo, de forma intencional, vai actuar no sentido de reduzir a eficácia das acções empreendidas pela organização, com elevados custos

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Dowding et al. (2000) dão como um exemplo paradigmático da lealdade ao produto, a escolha do automóvel numa situação de troca, em que o indivíduo não muda de marca, independentemente do seu nível de satisfação.

para ambas as partes. Apesar de este conceito não ter sido desenvolvido por Hirschman (1970), já indicia a existência de um quarto elemento, proposto e desenvolvido posteriormente por Rusbult e Farrell (Farrell, 1983; Rusbult et al., 1982), a que chamaram de negligência (“neglect”).

Apesar do modelo de Hirschman (1970) ter sido utilizado nas mais diversas situações e contextos, são as organizacionais e de trabalho “talvez o contexto onde o modelo de Saída- Voz-Lealdade tem sido mais investigado...” (Saunders, 1992: 188).