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CAPÍTULO 5 – ESTRATÉGIAS COMPORTAMENTAIS

5.3. Modelos de Estratégias Comportamentais

É com Farrell e Rusbult (Farrell, 1983; Rusbult et al. 1982) que o modelo de Hirschman (1970) é adaptado à organização e a contextos de trabalho quando se verifica uma deterioração da satisfação dos empregados. Para além de serem mantidas as três estratégias comportamentais estabelecidas por Hirschman (1970) – saída, voz e lealdade – os autores (Farrell, 1983; Rusbult et al., 1982) vão também incluir uma quarta estratégia comportamental a que chamaram de negligência (“Neglect”). A negligência consiste em comportamentos (ou ausência de comportamentos) ambíguos e descuidados que vão, de uma forma passiva, potenciar a “atrofia” da relação. Há claras semelhanças entre a negligência e o que Hirschman (1970: 86) chamou de boicote, nomeadamente quanto ao carácter destrutivo da relação. É o Modelo EVLN (“Exit, Voice, Loyalty, Neglect”), que pretende descrever as estratégias comportamentais em contextos organizacionais em situações de decréscimo da satisfação. Já antes de terem formulado a Teoria EVLN, os autores revelaram a sua preocupação na compreensão e sistematização dos comportamentos individuais, quer através da Teoria dos Investimentos (Rusbult, 199744; Rusbult e Farrell, 1983), quer através da sistematização dos comportamentos políticos em contexto organizacional (Farrell e Petersen, 1982).

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Conforme já referido anteriormente, este artigo foi publicado originalmente em 1980 no Journal of

Pode-se definir comportamentos políticos como sendo “...estruturas informais e relacionadas com a promoção própria e do grupo de interesses em vez de fazer parte das regras formais regulamentadas pela organização normas e objectivos” (Farrell e Petersen, 1982: 404). Assim, podem ser considerados como comportamentos políticos, todos os comportamentos espontâneos, não sistematizados, informais, que não estão rotinizados nem regulados formalmente e que consistem num exercício do poder. Nesta perspectiva, o comportamento político nas organizações pode ser considerado como uma forma de voz, tal como foi definido por Hirschman (1970).

Farrell e Petersen (1982) propõem uma tipologia de comportamentos políticos formulada através de três dimensões (Quadro 5-1).

Quadro 5-1: Tipologia dos comportamentos políticos nas organizações (baseada em Farrell e Petersen, 1982: 407)

Legítimo Ilegítimo

Vertical Lateral Vertical Lateral

Interno I Voz directa Queixas ao supervisor Bypassing à cadeia de comando Obstruções II Formação de coligações Troca de favores Represálias Interno V Sabotagem Protestos simbólicos Motins Tumultos VII Ameaças Externo III Enquadramento legal IV Falar com contrapartidas com alguém de outras organizações Actividade profissional externa à organização Externo VI Denuncias VIII Duplicidade organizacional Deserção

A primeira dimensão refere-se à legitimidade do comportamento, podendo este ser legítimo ou ilegítimo. Um comportamento é legítimo caso esteja em linha com o quadro normativo estabelecido para e por essa organização. Caso contrário o comportamento é ilegítimo. Outra dimensão refere-se à proveniência dos recursos utilizados pelo indivíduo no seu comportamento político. Esses recursos podem ser externos (por exemplo, as leis, informações, órgão de comunicação social) ou internos à organização (por exemplo, troca de

favores, acordos tácitos ou não, represálias). A terceira dimensão refere-se à orientação do comportamento político, que poderá ser vertical, se estiver orientado para a estrutura hierárquica da organização ou, em contrapartida, horizontal, se tiver como alvo os pares do indivíduo. Através do cruzamento destas três dimensões podem tipificar-se oito categorias de comportamentos políticos, através dos quais foram classificados “...aquelas formas de comportamento político que têm recebido académica e jornalisticamente atenção” (Farrell e Petersen, 1982: 407).

Coexistindo nas organizações uma realidade racional e outra política, que vai gerar contradições organizacionais, o modelo proposto de tipificação dos comportamentos políticos permite uma compreensão e sistematização mais racional da realidade organizacional, nomeadamente, por diminuir as contradições existentes (Farrell e Petersen, 1982). Este modelo já destaca a importância do modelo EVL para a compreensão dos comportamentos em contexto organizacional, conduzindo à emergência do Modelo EVLN (Figura 5-3).

Figura 5-3: Modelo EVLN (baseado em Rusbult et al., 1988: 601)

Farrell (1983), após confirmação empírica, propôs que as quatro estratégias comportamentais constantes no modelo EVLN fossem tipificadas através de duas dimensões, tendo sido caracterizadas por Rusbult, Farrell, Rogers e Mainous III (1988).

ACTIVO PASSIVO DESTRUTIVO CONSTRUTIVO Voz (“Voice”) Saída (“Exit”) Negligencia (“Neglect”) Lealdade (“Loyalty”)

Uma das dimensões tem a ver com a “...intenção de manter e/ou reavivar a relação” (Rusbult et al. 1982:1231), podendo ser construtiva, se optimizar a relação e ultrapassar as dificuldades, ou destrutiva, se minimizar e potenciar a degradação da relação. Assim, a dimensão construtividade-destrutividade é definida “...em termos do impacto na relação empregado-organização...” (Rusbult et al., 1988: 602). A outra dimensão consiste na actividade-passividade e tem a ver com “...o impacto do comportamento no problema em causa e pode não ser necessariamente descritivo do comportamento em si” (Rusbult et al. 1982:1231). Assim, destaca-se o facto de que “esta tipologia recupera, pois, em certa medida, as questões do turnover e de absentismo, que ficam, em parte, submetidas nas categorias de saída e negligência, respectivamente” (Caetano e Vala, 1994: 124).

A saída é um comportamento que consiste em “...deixar a organização através da desistência, transferência, procura de um trabalho diferente, ou pensar em desistir” (Rusbult et al., 1988: 601). É por isso um comportamento destrutivo, pois põe em causa a relação entre o indivíduo e a organização e é activo pois visa a eliminação da fonte de insatisfação (Farrell, 1983; Rusbult et al., 1988; Rusbult et al. 1982; Withey e Cooper, 1989). Na realidade, a saída, tal como foi definida pelos autores, prefigura mais a intenção de saída, do que a saída propriamente dita45.

A voz visa também a eliminação da insatisfação, mas actuando activamente junto da hierarquia ou dos pares, através da apresentação de sugestões, discussão do problema, análise da alternativas, demonstrando um querer manter a relação e mesmo torná-la mais positiva. É, por isso, constituída por comportamentos construtivos e activos. Neste sentido, certos tipos de voz, caracterizados pelo seu carácter negativo e destrutivo, tais como reivindicações, queixas, bypassing hierárquico, ameaças ou represálias, não são consideradas nesta categoria (Farrell, 1983; Rusbult et al., 1988; Rusbult et al., 1982; Withey e Cooper, 1989).

Já a lealdade é um conjunto de comportamentos que revelam optimismo no futuro e um acreditar que os problemas virão a ser resolvidos a seu tempo pela organização. É, por isso, demonstrativa de que o indivíduo acredita na organização e promove, quando necessário, a sua defesa, quer interna, quer externa. É, assim, uma categoria construtiva, pois mantém a

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Note-se, por exemplo, que Vigoda (2000) identifica de entre outras variáveis consequentes do trabalho (“work

outcomes”) a variável intenção de sair (“intensions of leaving”), que é identificada como sendo a saída (“exit”)

relação existente do indivíduo com a organização e passiva, pois não actua no sentido de resolver ou minimizar a fonte de descontentamento (Farrell, 1983; Rusbult et al., 1988; Rusbult et al., 1982; Withey e Cooper, 1989). A lealdade envolve um pensamento calculativo, baseado na expectativa de obtenção de algo, podendo “...constituir um curso de acção independente entre a saída e a voz ou talvez seja uma forma transitória de cedência a outros comportamentos enquanto a situação continua” (Farrell, 1983: 598). Assim, segundo Leck e Saunders (1992), a lealdade seria uma ligação de carácter afectivo à organização que iria determinar, caso fosse elevada a voz ou, em alternativa, a saída, caso fosse fraca (Figura 5-4).

Figura 5-4: Modelo EVL de Hirschman (baseado em Leck e Saunders, 1992: 220)

Por fim, a negligência consiste num desinteresse em relação ao trabalho e à organização, traduzido, por exemplo, pela ausência de empenho e de esforço no trabalho e na consecução dos objectivos, em absentismo e atrasos elevados, no aumento da taxa de erros, no decréscimo dos resultados, na utilização abusiva dos recursos da empresa (especialmente do tempo) em proveito próprio. É, como tal, uma estratégia comportamental destrutiva da relação, pois não está orientada para a resolução das disfuncionalidades causadoras da insatisfação e passiva pois há uma intervenção do indivíduo (Farrell, 1983; Rusbult et al., 1988; Rusbult et al., 1982; Withey e Cooper, 1989).

Estudos empíricos realçam a semelhança conceptual entre saída e negligência (ambos constructos destrutivos), verificando-se uma correlação positiva entre estas duas dimensões (Hagedoorn, Yperen, Vliert e Buunk, 1999; Leck e Saunders, 1992; Naus, van Iterson e Roe, 2007; Rusbult et al., 1988; Turnley e Feldman, 1999). Já quanta à relação entre a saída e a voz os resultados não são consistentes. Na realidade há estudos em que estas duas variáveis se

Lealdade Saída Voz Satisfação (-) (-) (-) (+)

encontram correlacionadas negativamente (e.g., Hagedoorn et al., 199946; Naus et al., 2007), enquanto outros estudos encontraram uma correlação positiva (e.g., Rusbult et al., 1988; Turnley e Feldman, 1999). Já na relação entre saída e lealdade foram obtidas correlações negativas (Leck e Saunders, 1992; Naus et al., 2007; Rusbult et al., 1988; Turnley e Feldman, 1999). Refira-se ainda, a existência de um estudo em que a relação saída/lealdade não foi considerada estatisticamente significativa (Hagedoorn et al., 1999).

Os resultados são divergentes quanto à relação entre voz e lealdade, verificando-se estudos em que essa relação é positiva (Leck e Saunders, 1992; Naus et al., 2007), um outro em que essa relação é negativa (Turnley e Feldman, 1999) e, ainda, estudos em que essa relação não é significativa (Rusbult et al., 1988; Hagedoorn et al., 1999). Já quanto à relação entre voz e negligência, a maioria dos estudos verificaram que essa relação era negativa (Hagedoorn et al., 1999; Leck e Saunders, 1992; Naus et al., 2007), havendo um em que foi positiva (Turnley e Feldman, 1999), e outro em que a correlação encontrada não era estatisticamente significativa (Rusbult et al., 1988).

Entre lealdade e negligência a maioria dos resultados empíricos sugerem uma relação negativa (Naus et al., 2007; Rusbult et al., 1988; Turnley e Feldman, 1999), havendo, no entanto, um em que a relação é positiva (Hagedoorn et al., 1999), e outro estudo em que a relação não é estatisticamente significativa (Leck e Saunders, 1992).

Concluindo, apesar da maioria das relações entre as quatro categorias estabelecidas no modelo EVLN serem influenciadas pela dimensão comportamentos destrutivos/construtivos, há também relações que são mais determinadas pela dimensão activo/passivo.

Withey e Cooper (1989) sugeriram a possibilidade da existência de três diferentes tipos de relação entre a negligência e a saída. Uma consiste em a negligência e a saída serem fases sequenciais de um mesmo processo de afastamento do indivíduo em relação à organização. Outra consiste em a negligência ser uma estratégia substituta da saída, ocorrendo quando o indivíduo está impossibilitado de mudar de organização. Por fim, a negligência pode ocorrer nos indivíduos que já estão a preparar activamente a sua saída da organização.

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Note-se que estes autores encontraram no mesmo estudo (Hagedoorn, Yperen, Vliert e Buunk, 1999) uma correlação positiva entre a saída e a voz agressiva, o que reforça a influência da dimensão destrutiva/construtiva.

Graham e Keeley (1992) propõem um modelo constituído por duas dimensões, consistindo uma na voz, a que se opõe o silêncio, e a outra, a saída, a que se opõe o estar (“stay”), conforme representado na Figura 5-5. Os autores propõem, assim dois tipos de saída. Uma, a saída tranquila (“quiet exit”), em que o indivíduo tem comportamentos de silêncio (não-voz contra a organização) e outra, a saída vociferante (“vociferous exit”), na qual o indivíduo tem comportamentos de voz contra a organização, apesar de sair. Também há duas formas de ficar (“stay”) na organização. Uma consiste na voz activa e construtiva, que corresponde ao conceito de voz definido originalmente (Farrell, 1983; Hirschman, 1970; Rusbult et al., 1982), e que consiste num esforço interno para mudar a organização (“internal change effort”), enquanto a outra voz corresponde a comportamentos de conformismo e de aceitação da situação existente, prefigurando um comportamento de silêncio (“passive acceptance endurance”) (Graham e Keeley, 1992).

Figura 5-5: Saída e voz como potenciais respostas ao declínio organizacional (baseado em Graham e Keeley, 1992: 192)

Outro desenvolvimento do modelo EVLN deve-se a Hagedoorn et al. (1999), que utilizaram uma análise factorial de segunda ordem forçada a dois factores, um dos quais

3. Aceitação passiva / paciência

VOZ

(esforço para mudar o status quo)

SILÊNCIO

SAÍDA

(esforço para escapar)

FICAR

1. Esforço de mudança interna

2. Saída vociferante

correspondia à dimensão destrutiva/construtiva e o outro à passiva/activa, para formularem um novo modelo representado na Figura 5-6.

Figura 5-6: Reacções dos empregados a situações problemáticas (baseado em Hagedoorn et al., 1999: 317)

Os autores (Hagedoorn et al., 1999) propõem dois tipos de voz. Uma é a voz agressiva (“aggressive voice”), caracterizada por comportamentos participativos e destrutivos. A outra é a voz atenciosa (“considerate voice”) caracterizada pelo seu carácter activo e construtivo. Por outro lado, na linha do proposto por Leck e Saunders (1992), reforçaram o carácter comportamental e passivo da lealdade, chamando-a de paciência (“patience”), sendo caracterizada por comportamentos construtivos e passivos. São também consideradas as categorias saída e negligência. Os resultados obtidos apresentaram diferenças em relação ao modelo de Farrell (1983) obtido através de uma análise MDS, destacando-se a saída e a voz agressiva serem menos activas do que o esperado, a negligência ser menos passiva e a paciência/lealdade ser menos construtiva47.

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Refira-se, a título de curiosidade, que este modelo foi validado para a Suécia por Liljegren, Nordlund e Ekberg (2008) que obtiveram resultados diferentes dos que foram obtidos por Hagedoorn et al., (1999).

ACTIVO CONSTRUTIVO DESTRUTIVO PASSIVO Paciência Voz Atenciosa Voz Agressiva Saída Negligencia

Naus et al. (2007) chamaram a atenção para a existência de mais uma estratégia comportamental não prevista pelo Modelo EVLN. É o cinismo organizacional (“organizational cynicism”). Esta nova categoria tem vindo a assumir uma crescente importância no contexto das relações laborais devido à alteração das condições presentes nessas relações. Numa perspectiva clássica as relações laborais baseavam-se numa relação em que o empregado “...oferecia lealdade, confiança, e comprometimento em troca de segurança no trabalho, formação, promoção, e apoio de seu empregador” (Naus et al., 2007: 684). No entanto, hoje em dia espera-se do empregado flexibilidade para aceitar mais e diferentes responsabilidades e tarefas, trabalhar mais e melhor, e ser mais tolerante a uma mudança constante, ambígua e que põe em causa a sua estabilidade e segurança. É neste contexto, em que é percepcionada uma falta de integridade por parte da organização, que vão emergir comportamentos de cinismo organizacional. Devido a práticas organizacionais, percepcionadas pelo empregado como sendo não éticas, injustas e pouco integras, o empregado passa a expressar e a ter comportamentos negativos de desprezo e de em relação à organização. O cinismo, enquanto estratégia comportamental, assemelha-se à negligência (os autores encontraram uma correlação entre estas duas variáveis de 0,48) devido ao seu conteúdo destrutivo, mas distingue-se desta, por ser uma estratégia comportamental activa.

O modelo EVLN não está ainda estabilizado. Há todo um conjunto de estratégias comportamentais de reacção à insatisfação (por exemplo a sabotagem, o cinismo ou a voz agressiva) que o modelo não leva em linha de conta. Por outro lado, os resultados empíricos existentes levam a questionar a lealdade, quer quanto à sua natureza48, quer quanto à fiabilidade da sua medição, consistindo, por isso, numa importante linha de investigação futura, levando mesmo a que a revista Employee Responsibilities and Rights Journal, tenha dedicado um número a esta problemática (1992, Vol. 5, Nº 3). Também os resultados empíricos sugerem uma falta de clareza conceptual da voz. Refira-se, por exemplo, que no estudo de Withey e Cooper (1989) os resultados obtidos para a estratégia comportamental voz foram os mais fracos, podendo tal ser devido ao facto de que “...a voz é uma categoria complexa que deverá ter vários sub-componentes“ (Withey e Cooper, 1989: 534). Por outro lado, poderá ter contribuído também para estes resultados, o facto de a escala de medida apresentar uma baixa fiabilidade (Alpha de Cronbach de 0,41).

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Por exemplo, no estudo de Farrell (1993: 605) a lealdade aparece no quadrante passivo/destrutivo em vez do previsível passivo/construtivo.

Apesar destas e de outras limitações, o Modelo EVLN é uma boa base de partida para a análise dos comportamentos de demissão (“withdrawal behavior”) em relação à organização, independentemente de haver ou não uma deterioração da satisfação (Caetano e Vala, 1994).