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CAPÍTULO 2 O COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL

2.4. Dimensionalidade das componentes do comprometimento organizacional

Apesar dos resultados de todos estudos sugerirem a unidimensionalidade da componente afectiva do comprometimento organizacional (e.g., Meyer e Allen, 1997; Meyer et al., 2002), o mesmo não acontece com o comprometimento calculativo e com o comprometimento normativo. Em concreto, destaca-se, por um lado, a relação entre a componente afectiva e a componente normativa e, por outro, a bidimensionalidade da componente calculativa.

A relação entre a componente afectiva e a componente normativa sugere “...a possibilidade de coincidência destes dois constructos” (Meyer et al., 2002: 28). Este facto tem levado a que diversos estudos não tenham considerado a componente normativa (e.g., Bergman, 2006; Neves e Caetano, 2009). No entanto, os autores continuam a defender a necessidades de as distinguir, por apresentarem diferentes relações quer com variáveis antecedentes, quer com consequentes (e.g., Klein et al., 2009; Meyer, 2009; Meyer et al., 2006; Powell e Meyer, 2004). Esta posição é ainda mais reforçada quando Meyer e Parfyonova (2010) propuseram uma reconceptualização do comprometimento normativo, conforme descrito anteriormente.

Os resultados obtidos por McGee e Ford (1987) sugerem uma bidimensionalidade da componente calculativa. A análise em componentes principais da escala do comprometimento calculativo permitiu identificar três componentes, sendo interpretáveis as duas primeiras. A primeira componente, constituída por três itens, corresponderia à percepção da ausência de alternativas (CC:LoAlt11). A segunda componente, também constituído por três itens, corresponde à percepção de custos ou sacrifícios elevados associados à mudança (CC:HiSac12). Os autores sugerem que “a segunda subescala, CC:HiSac, parece estar mais próxima à visão de comprometimento de side-bet, como descrito originalmente por Becker (1960).” (McGee e Ford, 1987: 640).

Tem-se verificado uma disparidade dos resultados obtidos em diversos estudos referentes às relações entre as componentes do comprometimento organizacional e a percepção da ausência de alternativas e a percepção de custos elevados com a saída (Quadro 2-3). Refira-se, em primeiro lugar, que a percepção da ausência de alternativas e a de custos elevados com a mudança se encontram relacionadas positivamente entre si e com a componente calculativa. Já a percepção da ausência de alternativas tem apresentado uma correlação negativa com o comprometimento afectivo, mas nem sempre significativa. No entanto, quanto ao comprometimento normativo há estudos em que verifica-se uma relação positiva e outros em que esta é negativa, ainda que nem sempre estas correlações sejam significativas. Por fim, a percepção de custos elevados tem apresentado uma relação positiva quer com o comprometimento afectivo, quer com o normativo. No entanto, de igual forma ao

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CC:LoAlt: Continuance Commitment: Low Alternatives

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que ocorre com a percepção da ausência de alternativas, nem sempre estas correlações são significativas.

Quadro 2-3: Correlações entre a percepção da ausência de alternativa e percepção de custos elevados com as três componentes do comprometimento organizacional

CAf CNor CCal Referências

Ausência de Alternativas -0,21 --- 0,34 McGee e Ford, 1987

-0,13 -0,08 -0,43 Allen e Meyer, 1990 -0,24 -0,02 --- Meyer et al., 2002 -0,15 0,11 0,74 Powell e Meyer, 2004 -0,16* -0,24** 0,02* -0,12** --- --- Rego, 2003 -0,02 0,14 Rego et al., 2004

Custos Elevados 0,76 --- 0,78 McGee e Ford, 1987

0,06 0,16 --- Meyer et al., 2002 0,34 0,38 0,85 Powell e Meyer, 2004 -0,04* -0,14** 0,16* 0,02 --- --- Rego, 2003 0,03 0,15 Rego et al., 2004

CAf: Comprometimento Afectivo; CNor: Comprometimento Normativo; CCal: Comprometimento Calculativo. A bold apresenta-se as correlações que são estatisticamente significativas.

* 1ª Amostra; ** 2ª Amostra.

A questão da bidimensionalidade da componente calculativa tem permanecido em aberto, não havendo ainda consenso entre os teóricos. Isto deve-se ao facto de que os resultados de análises factoriais confirmatórias da escala de comprometimento calculativo não terem sido unânimes, suportando, quer a sua bidimensionalidade, quer a sua unidimensionalidade (Allen e Meyer, 1996; Meyer e Allen, 1997; Meyer et al., 2002). Assim, apesar de o modelo bidimensional do comprometimento organizacional poder apresentar um melhor ajustamento, “...esta superioridade é modesta, e os dois factores estão altamente relacionados” entre si (Allen e Meyer, 1996: 259), pelo que “...pouco pode vir a ser adquirido pelo desenvolvimento de sub-escalas” (Meyer e Allen, 1997: 122) específicas para estas duas sub-dimensões. Por outro lado, verifica-se que a fiabilidade da escala do comprometimento calculativo é a aceitável (Meyer et al., 2002), não havendo a necessidade se a dividir. Por fim, uma terceira evidência vai no sentido de considerar-se estas duas componentes, e especialmente a percepção da ausência de alternativas, não como sub-

dimensões do comprometimento calculativo, mas sim como antecedentes das três componentes do comprometimento organizacional e, em particular, da calculativa (e.g., Allen e Meyer, 1990a; Meyer e Allen, 1997; Meyer et al., 2002).

Dos diversos estudos que têm abordado da problemática da bidimensionalidade da componente calculativa, assume particular importância o estudo de Powell e Meyer (2006). Este estudo pretendia testar a conceptualização do comprometimento organizacional, que assume uma natureza calculativa, proposta pela teoria dos “side-bets” (Becker, 1960). Em primeiro lugar verificou-se uma coincidência conceptual entre os custos elevados com a saída e o próprio comprometimento calculativo, enquanto expressão de uma necessidade de permanecer na organização devido aos custos inerente a uma saída serem excessivamente elevados para o indivíduo. Esta coincidência conceptual é também reforçada pelo facto destas duas variáveis estarem fortemente correlacionadas (Quadro 2-3). Por outro lado, os resultados obtido através da análise factorial confirmatória sugeriram que o modelo com melhor bondade de ajustamento seria aquele em que a percepção da ausência de alternativas apresentava-se como antecedente do comprometimento calculativo mas não do comprometimento afectivo e nem do normativo.

Refira-se, por fim, que na mais recente revisão da problemática do comprometimento nas organizações (Klein, Becker e Meyer, 2009) não foi dada particular relevância a esta problemática13, sugerindo-se a existência de uma coincidência da percepção de custos elevados com a componente calculativa e a antecedência da percepção da ausência de alternativas unicamente com esta miasma componente do comprometimento, o que está em linha com os resultados obtidos por Powell e Meyer (2006). A reforçar esta posição teórica há resultados empíricos que sugerem, que a percepção que indivíduo tem da realidade social onde está inserido, seja um determinante do comprometimento organizacional, como é o caso da percepção do apoio organizacional (para uma revisão desta problemática veja-se Wayne, Coyle- Shapiro, Eisenberger, Liden, Rousseau e Shore, 2009)

Apesar dos muitos estudos e dos resultados que suportam o “Modelo das Três- Componetes do Comprometimento”, Solinger, van Olffen e Roe (2008), numa análise

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Esta problemática tem sido também abordada para outras formas de comprometimento, nomeadamente para o comprometimento ocupacional (Boal, 2003; Blau e Holladay, 2006).

conceptual, põem em causa quer a sua validade convergente, quer a sua validade discriminante, propondo mesmo “...o abandono do TCM e retomar a definição do comprometimento organizacional como uma ligação afectiva a uma organização” (Solinger et al., 2008: 76) e reduzindo-o a um mero modelo preditivo do “turnover”. No entanto, diversos estudos empíricos (e.g., Bentein, Vandenberg, Vandenberghe e Stinglhamber, 2005; Luchak e Gellaty, 2007; Powell e Meyer, 2004; McGee e Ford, 1987) têm sugerido que este modelo, na sua perspectiva tridimensional, tem sido o que melhor vem “...resistindo às contingências amostrais e culturais” (Rego e Souto, 2004a: 160).

Também em Portugal o Modelo das Três-Componentes do Comprometimento Organizacional tem sido utilizado em diversos estudos empíricos, quer incidindo no modelo em si e na sua aplicabilidade em diferentes contextos organizacionais e de gestão, quer nas suas relações com outros modelos e variáveis antecedentes e consequentes, tendo sido demonstrada a sua consistência empírica (Carochinho, 1998; Esteves, 2008; Ferreira, 2005; Nascimento et al., 2008; Oliveira et al., 2007; Rego, 2002 e 2003; Rego, Cunha e Souto, 2005; Rego e Souto, 2004a e 2004b; Rego et al., 2004; Rego, Souto e Cunha, 2007).