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CAPÍTULO 4 – SATISFAÇÃO GLOBAL COM O TRABALHO

4.4. Modelo das Características da Função (Hackman e Oldham, 1980)

O “Modelo das Características da Função” tem origem numa resposta teórica a um problema prático, que consistia em saber como desenhar e enriquecer funções de forma eficaz num contexto organizacional de crescente complexidade (Hackman e Oldham, 1980; Oldham e Hackman, 2005). Ao abordar conceptualmente este problema os autores questionaram se “há uma crise na relação pessoa-trabalho?” (Hackman e Oldham, 1980: 5), tendo concluído não haver uma resposta linear para tal questão. No entanto, realçaram a existência de quatro factos, observados no terreno, que podem orientar uma abordagem à problematização da “crise” da relação pessoa-trabalho.

O primeiro consiste no facto de as pessoas não serem devidamente aproveitadas nem desafiadas no seu trabalho, caindo em sistemas de rotinização. Tal facto leva a que o trabalho seja pouco gratificante, pouco enriquecedor e gerador de inadaptações do seu executante33. A segunda constatação refere o facto de as pessoas serem mais adaptáveis do que geralmente se pensa que sejam. Na realidade, a experiência mostra que, quando querem, as pessoas revelam uma grande capacidade em aceitar novos desafios (pessoais e profissionais), bem como de adaptação a novos contextos e situações. Já a terceira constatação é a de que as diversas

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Os autores referem mesmo que esta situação de inadaptação ao trabalho ocorra em “aproximadamente” 20% da população activa (Fein, citado por Hackman e Oldham, 1980: 13).

formas de medir a satisfação no trabalho, nomeadamente através da pergunta directa ao sujeito, nem sempre são fiáveis, havendo a necessidade de serem concebidos instrumentos mais precisos e fiáveis, suportados por uma concepção teórica do que é a satisfação e quais são os seus determinantes. Por fim, a quarta constatação realça a verificação que as mudanças, mesmo se forem para melhor, geram frequentemente resistências por parte dos sujeitos que são afectados por eles. Assim, os autores concluem que, mais importante do que a problematização da crise, “o que é claro é que a relação pessoa-função é a chave na compreensão simultânea da produtividade organizacional e da qualidade das experiências de trabalho dos empregados” (Hackman e Oldham, 1980: 19-20).

A partir desta reflexão inicial, Hackman e Oldham (1975 e 1980) propõem um modelo, que está representado na Figura 4-1.

Figura 4-1: Modelo das Características da Função (baseado em Hackman e Oldham 1980: 90) Características Críticas da Função Estados Psicológicos Críticos Resultados Variedade de Capacidades Identidade das Tarefas Significado das Tarefas

Vivência de situações significativas do trabalho Autonomia Vivência da responsabilidade pelos resultados do trabalho Feedback Conhecimento dos resultados actuais das actividades do trabalho Elevada motivação interna para o trabalho Elevada satisfação com o desenvolvimento Elevada satisfação geral Elevada efectividade no trabalho Moderadores: 1. Conhecimentos e capacidades

2. Intensidade da necessidade de crescimento 3. Satisfações “contextuais”

O “Modelo das Características da Função” de Hackman e Oldham (1975 e 1980), tal como o nome indica, baseia-se no pressuposto de que as características da função vão que determinar estados psicológicos no indivíduo, sendo a satisfação global com o trabalho uma resultante desses estados psicológicos. É de realçar também que este modelo distingue uma satisfação global com o trabalho e satisfações contextuais, que são específicas a características ou facetas específicas do trabalho.

Um primeiro grupo de características funcionais está na origem no nível de significação e de realização da função para o seu titular. Este estado psicológico tem origem em três tipos de características específicas à função. A primeira consiste na variedade de capacidades (“skill variety”) requeridas para um bom desempenho da mesma. Assim, uma função que exija do seu titular um número variado e diversificado de capacidades, bem como a realização de um conjunto de tarefas e actividades diversificadas, é mais interessante e motivante do que uma que exija um número reduzido. A segunda característica refere-se à identidade das tarefas (“task identity”) e que tem a ver com o nível de fragmentação das actividades em elementos básicos. Assim, há uma maior motivação e satisfação se a tarefa não estiver fragmentada em tarefas elementares, havendo a possibilidade do seu titular poder ver o produto final do seu trabalho. A terceira e última característica é o significado da tarefa (“task significance”). Esta característica tem a ver com o nível do impacto que essa tarefa tem no trabalho e na vida de outras pessoas, quer numa perspectiva interna à organização quer externa. Assim, tarefas que implicarem um maior impacto nos outros são mais gratificantes do que aquelas que têm um impacto reduzido.

Outra característica em relação à função tem a ver com a responsabilidade sentida pelo indivíduo, pelos resultados obtidos no desempenho dessa função. Essa responsabilidade estaria associada ao nível de autonomia no exercício do seu trabalho, entendendo-se por autonomia o grau de liberdade, de independência e de arbítrio de que o indivíduo dispõe para a realização do seu trabalho. Assim, quanto maior for a autonomia do titular de uma função, maior seria a responsabilidade assumida e, consequentemente, melhores os resultados obtidos no exercício dessa função.

A terceira característica refere-se ao conhecimento que o indivíduo tem dos resultados obtidos no exercício do seu trabalho. Corresponde, assim, à existência de um sistema de

“...feedback obtido directamente da função...” (Hackman e Oldham, 1980: 80), que permita disponibilizar ao sujeito informações claras e explícitas referentes ao desempenho e resultados atingidos. Preferencialmente, o feedback deverá ter origem na realização das tarefas em si mesma, mais do que obtido por via de outros, sejam colegas ou supervisores. No entanto, este segundo tipo de feedback, a que os autores chamaram de “feedback de agentes” contribui também para o conhecimento dos resultados do trabalho. Outra dimensão de feedback externo ao trabalho refere-se à exigência do sujeito ter de lidar e relacionar-se com os outros no âmbito do desempenho das suas tarefas.

Apesar de não ser desenvolvido pelos autores, o feedback, enquanto característica do trabalho, chama a atenção para a importância, da existências de sistemas de avaliação de desempenho, por este ser “...um sistema formal e sistemático que permite apreciar o trabalho desenvolvido pelos colaboradores de uma organização” (Fernandes e Caetano, 2002: 360) e incluir procedimentos, instrumentos e objectivos. Verifica-se também que a satisfação para com o sistema de avaliação depende do processo negocial existente entre o indivíduo e a sua chefia e da exactidão com que a avaliação é percebida pelo indivíduo (Caetano, 1996).

Com base nas características atrás descritas, os autores função propõem um “Índice do Potencial Motivador” (“Motivating Potencial Score – MPS”) da função. Esse índice é o resultado multiplicativo dos três estados psicológicos críticos, medidos através das características do trabalho que estão na origem de cada um deles. Vai pois, assumir a seguinte fórmula (Hackman e Oldham, 1980: 81):

MPS = [(Capacidades + Identidade + Significado) / 3] * Autonomia * Feedback (1)

Quanto maior for este índice, maior é o potencial de motivação da função e, consequentemente, a sua possibilidade de determinar a satisfação do sujeito e desencadear outras respostas afectivas tais como motivação interna para o trabalho, aumento da satisfação e satisfação global. A motivação interna para o trabalho, que tem a ver com o grau de auto- motivação do sujeito para realizar o seu trabalho de forma eficiente e eficaz, está relacionada com elevados sentimentos positivos e, em contrapartida, reduzidos sentimentos negativos,

traduzindo-se num querer fazer mais e melhor, bem como o de ficar insatisfeito com resultados medianos (Hackman e Oldham, 1980).

A satisfação não é um constructo estático, podendo variar ao longo do tempo, como foi confirmado por vários autores (e.g., Lawler III, 1983; Locke, 1976; Mowday et al., 1979; Shore e Martin, 1989; Vandenberghe e Tremblay, 2008; Vroom, 1964) Também Hackman e Oldham (1980) deram relevo a uma variação positiva da satisfação (“growth satisfaction”) determinada pelo aumento do potencial motivador da função, resultante do redesenho e enriquecimento da função.

Refira-se, por fim, a satisfação global com o trabalho. A satisfação é definida como um estado de alegria e felicidade que o sujeito tem em relação ao trabalho que executa, isto é, faz o trabalho porque gosta e quer fazê-lo. Há também a considerar, como um resultado pessoal, a satisfação em relação a um conjunto de facetas concretas do trabalho e da organização onde esse trabalho é realizado, nomeadamente a segurança de emprego, compensação e benefícios, relações sociais e com a chefia, bem como o crescimento e o desenvolvimento pessoal. No entanto, posteriormente, não foram considerados estes aspectos específicos da satisfação, na medida em que quando há uma melhoria funcional esta vai afectar “...a satisfação global dos indivíduos com as suas funções, não havendo razão para esperar que deva afectar também melhorias específicas na satisfação com a segurança de emprego, remuneração, supervisão ou relações com os colegas” (Hackman e Oldham, 1980: 89). Assim, os autores consideram estas facetas da satisfação como moderadoras, quer da relação entre as características da função e os estados psicológicos, quer entre os estados psicológicos e os resultados. Mais ainda, alguns trabalhos de campo sugerem que o redesenho de funções poderá, sob certas condições, implicar uma diminuição dessas facetas específicas da satisfação.

Foi também considerada a efectividade no trabalho, entendida como sendo os resultados inerentes ao exercício e desempenho das tarefas que constituem essa função. O modelo pressupõe que um elevado potencial motivador da função vai determinar uma elevada efectividade no trabalho. Essa efectividade no trabalho é traduzida por elevados níveis de desempenho do indivíduo e pela obtenção de resultados de maior qualidade. Também as ineficiências no trabalho e comportamentos disfuncionais, nomeadamente turnover,

absentismo e outras ineficiências que não são visíveis (“hidden inefficiencies”), têm tendência para diminuir.

Os últimos elementos do modelo a terem de ser considerados são as variáveis moderadoras. Estas têm origem nas diferenças interpessoais e vão potenciar a influência das características funcionais na formação dos estados psicológicos e, por sua vez, destes nos resultados. São as características pessoais que determinam diferentes formas de reacção de pessoa para pessoa, face a uma mesma situação e função laboral. Apesar de poder ser considerado um elevado número de características pessoais, Hackman e Oldham (1980) dão particular importância a três delas: conhecimentos e capacidades, necessidades de crescimento e o impacto das características contextuais.

Os conhecimentos e capacidades do sujeito vão potenciar a probabilidade de realização de um bom trabalho, traduzido quer pelo desempenho, quer pelos resultados obtidos. Assim, se a função tiver um potencial motivador fraco, as capacidades e conhecimentos do sujeito não são relevantes, quer na formação dos estados psicológicos, quer na obtenção dos resultados, devido ao facto de os estados motivacionais do sujeito serem reduzidos. No caso contrário, em que se verifica um elevado potencial motivador da função, gerando uma elevada motivação interna do sujeito, a existência de capacidades e conhecimentos irá determinar uma expectativa positiva de obtenção de resultados de excelência e, por isso, potenciar a formação dos estados afectivos e, a partir deste, os resultados obtidos no desempenho da função.

Os indivíduos que apresentam uma elevada necessidade de desenvolvimento e crescimento reagem mais positivamente aos desafios que são postos por funções com elevado potencial motivador e, por isso, são mais exigentes sob o ponto de vista técnico e de competências. Assim, face a essa reacção positiva aos desafios funcionais, verifica-se uma potenciação das características da função na formação dos estados psicológicos do sujeito.

Hackman e Oldham (1975 e 1980), com base no modelo acima descrito, conceberam um questionário para medir cada uma das variáveis presentes. É o “Questionário de Diagnóstico da Função” (“Job Diagnostic Survey” – JDS), constituído por várias secções que, segundo os autores, apresenta boas propriedades psicométricas.

Lima e colaboradores (1994) utilizaram este questionário na realidade português. Os resultados sugerem que a satisfação é “...melhor explicada pelo potencial motivador da função” (Lima et al., 1994: 120) do que pelas características inerentes à função em causa. Os próprios autores deste modelo, baseados em diversos estudos, questionaram também a capacidade preditiva das características funcionais, concluindo mesmo “...que as propriedades psicométricas do JDS não permitem a multiplicação das variáveis especificadas na fórmula para o resultado do MPS” (Hackman e Oldham, 2005: 168).

Este modelo, e os questionários a ele associados, têm sido utilizados frequentemente, inclusive nos dias de hoje, em diversos estudos, mesmo depois de os autores terem seguido outras linhas de investigação, o que é revelador da sua elevada aplicabilidade, utilidade e validade (Oldham e Hackman, 2005).