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CAPÍTULO 2 O COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL

2.1. Comprometimentos no local de trabalho

A primeira aproximação ao conceito de comprometimento deve-se a Kelman (1958). Segundo ele, um indivíduo, quando inserido em qualquer contexto, está sujeito à influência social desse contexto, que determina os seus comportamentos. Entende-se por influência social a pressão exercida no sujeito no sentido de orientar o seu comportamento em relação a entidades específicas ou objectos concretos. O comportamento do indivíduo é orientado porque há normas e regras a que tem de se submeter (“compliance”), ou porque o sujeito se identifica com a entidade ou objecto (“identification”) ou ainda, por internalizar (“internalization”) os valores dessa entidade (Kelman, 1958 e 1974). Já Becker (1960), através do conceito “side bet”, define o comprometimento como uma resultante calculativa que perspectiva uma linha coerente de comportamentos e que resulta da integração de diferentes interesses materiais existente na relação do indivíduo com a organização. Por sua vez, Grusky (1966) definiu o comprometimento como sendo a natureza da relação entre o sujeito e um sistema social considerado como um todo.

Nos primórdios do estudo do comprometimento organizacional, Etzioni (1961/19744), na sua abordagem às estruturas organizacionais complexas, definiu o comprometimento organizacional ou o envolvimento (pois não distinguiu estes dois constructos), como sendo o cumprimento das directrizes organizacionais, distinguindo três diferentes envolvimentos. O de maior intensidade é o envolvimento moral (“moral involvement”), que consiste na internalização e identificação com a organização e com a sua estrutura de autoridade. Outro, menos eficaz é o envolvimento calculativo (“calculative involvement”), que se traduzia pela relação custos/benefícios. O terceiro era o envolvimento por alienação (“alienative involvement”), caso o comportamento do indivíduo seja condicionado negativamente pela organização.

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Kanter (1968) defendeu também a existência de três tipos de comprometimentos. Um, o mais eficaz, era o comprometimento de coesão (“cohesion commitment”) que dependia da intensidade afectiva das relações sociais do indivíduo com os restantes elementos do seu grupo de pertença. Já o comprometimento de continuidade (“continuance commitment”), consistia na manutenção da situação devido aos custos associados a uma possível mudança. O terceiro era o comprometimento de controlo (“control commitment”), traduzido através de um controlo normativo do comportamento.

Na perspectiva de Kidron (1978), o comprometimento organizacional seria um constructo constituído por uma dimensão calculativa (“calculative commitment”) e outra moral (“moral commitment”).

Gould (1978), na linha de Etzioni (1961/1974), propôs um envolvimento calculativo (“calculative involvement”), outro moral (“mora involvementl”) e um terceiro alienativo (“alienative involvement”), sendo este último associado a “...um controlo coercivo exercido pela organização sobre os seus membros.” (Gould, 1978: 54).

Utilizando o Organizational Commitment Questionnaire (OCQ)5, Angle e Perry (1981) identificaram uma estrutura factorial constituída por três factores, dos quais dois foram interpretados: o comprometimento com os valores (“value commitment”) e o de permanecer na organização (“commitment to stay”). Na sequência destes resultados Angle e Perry (1981) propuseram duas subescalas para medir cada um destes comprometimentos. Também Morrow (1983) perspectivou que o “comprometimento organizacional é visto como um conceito multidimensional...” (Morrow, 1983: 491), apesar de num estudo posterior ter obtido uma estrutura factorial unidimensional do OCQ (Morrow e McElroy, 1986).

Já O’Reilly e Chatman, (1986), na linha da abordagem de Kelman (1958), consideram que o comprometimento é a ligação psicológica que o indivíduo estabelece com uma organização, traduzida pela aceitação das suas regras e normas. Essa aceitação pode resultar da obrigatoriedade normativa (“compliance”) que se traduz na gestão de recompensas e castigos. Alternativamente o indivíduo aceita seguir o quadro normativo da organização por se identificar com a organização (“identification”). A ligação mais forte iria ocorrer quando

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O OCQ (Organizational Commitment Questionnaire) é um instrumento de medida do comprometimento organizacional, desenvolvido por Mowday, Steers e Porter (1979).

houvesse uma coincidência entre o quadro normativo da organização e os valores do indivíduo (“organizational-fit”), num processo de internalização (“internalization”).

Segundo Mowday, Porter e Steers (1982) o grande salto qualitativo no estudo do comprometimento deve-se a Salancik (1995) e a Staw (1977). Na linha da psicologia cognitiva, para Salancik (1995) comprometimento é a ligação da pessoa aos seus actos pois “actuar é estar comprometido consigo próprio” (Salancik, 1995: 284), sendo, por isso perspectivado numa óptica comportamental. A intensidade do comprometimento vai depender, assim, da intensidade com que a sujeito se sente ligado às suas acções, sendo determinado por a acção ser explícita, reversível, volúvel e pública (Salancik, 1995). A característica explicidade (“explicitness”) refere-se à acção ser inequívoca e passível de observação. Já a reversibilidade (“revocability” ou “reversibility”) consiste na capacidade de ser alterada e de mudar ao longo do tempo. A volubilidade (“volition”), refere-se ao livre arbítrio, isto é, à capacidade e à vontade do indivíduo em decidir sobre o curso de acção que quer tomar, dependendo de “(1) escolha; (2) a presença de exigências externas para a acção; (3) a presença de bases extrínsecas para acção; e (4) de outros contributos para a acção.” (Salancik, 1995: 285). E, por fim, publicidade (“publicity”) diz respeito a ser observada por grupos de indivíduos com diferente importância para o indivíduo. É nesta perspectiva comportamental que Weick (2001) considera o “...sensemaking como comprometimento interpretado” (Weick, 2001: 8) pelo indivíduo quando inserido num determinado contexto.

Já Staw (19776, citado por Mowday et al., 1982) fez a distinção entre um comprometimento comportamental e outro atitudinal. O comprometimento comportamental consistia nos processos comportamentais com os quais o sujeito se relaciona com a entidade em causa, enquanto o comprometimento atitudinal diz respeito ao conjunto de sentimentos que o sujeito tem em relação a essa entidade, devido em grande parte aos seus valores e objectivos pessoais serem congruentes com os dessa entidade.

Pode considerar-se o comprometimento como um processo de influência social, resultante de uma relação de determinada natureza e intensidade entre um sujeito e uma entidade concreta (Meyer e Allen, 1991 e 1997; Mowday, Porter e Steers, 1982; Salancik,

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Staw, B. M. (1977). Two sides of commitment. Paper presented at the National Meeting of the Academy of Management. Orlando, Florida, USA

19957). O comprometimento é, assim, caracterizado por comportamentos explícitos, escolhidos pelo sujeito, escolha essa determinada por factores intrínsecos e extrínsecos, sendo irreversíveis e com uma exposição pública (Salancik, 1995; Weick, 2001). No entanto, há um reduzido consenso quanto ao significado do conceito de comprometimento (Klein et al., 2009), existindo várias definições estabelecidas, especialmente quanto ao comprometimento organizacional (para uma revisão de algumas dessas definições ver Dunham, Grube e Castaneda, 1994; Klein et al., 2009; Meyer e Allen, 1997, Meyer e Herscovitch, 2001; Mowday et al., 1982).

Da revisão das diversas definições de comprometimento, verifica-se que estas têm em comum considerarem que o comprometimento em relação a um objecto “...(a) é uma força estabilizadora ou facilitadora, que (b) dá direcção ao comportamento” (Meyer e Herscovitch, 2001, p. 301) e confere ainda sentido a uma pertença social ou organizacional (Weick, 1995 e 2001). Nesta linha, o comprometimento pode, então, ser definido como um processo de influência social, que resulta de uma relação de determinada natureza (“mindset”) entre um sujeito e um objecto ou entidade concreta, conferindo por isso, um sentido de pertença social e/ou organizacional e de estabilidade comportamental, permitindo a redução da ambiguidade organizacional (Klein et al., 2009; Meyer, 2009; Meyer, 2009; Meyer e Allen, 1991 e 1997; Meyer e Herscovitch, 2001; Mowday et al. 1982; Weick, 1995 e 2001).

Pode considerar-se o comprometimento quanto à sua natureza e quanto ao objecto/entidade para o qual o está orientado (Cohen, 2000 e 2003; Klein et al., 2009; Meyer, 2009; Meyer e Allen, 1997). Quanto à natureza o comprometimento tem sido considerado como um constructo unidimensional ou, em alternativa, multidimensional. Quanto ao objecto/entidade, assiste-se à existência de diversos comprometimentos específicos que coexistem no local de trabalho, tais como ocupação, função, carreira, família, sindicato, destacando-se o comprometimento organizacional (Cohen, 2000 e 2003). É nesta linha que Hunt e Morgan (1994) compararam um modelo de múltiplos comprometimentos específicos com outro modelo em que um comprometimento organizacional global assumia um papel mediador entre comprometimentos específicos e os “outcomes” organizacionais. Os resultados vão na linha de um papel centralizador do comprometimento organizacional, que é

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Este artigo foi publicado inicialmente em 1977 em “New Directions in Organizational Behavior”, editado por B. M. Staw e G. R. Salancik.

potenciado quanto maior for a relação dos comprometimentos específicos na organização. Daí que os autores (Hunt e Morgan,1994) terem chamado a atenção para a possibilidade da existência de conflitos entre diferentes comprometimentos, o que está na linha dos estudos de Richers (1985 e 1986). No entanto, realçaram a necessidade de identificar a influência de cada um dos múltiplos comprometimentos específicos no desempenho organizacional, destacando o facto de que a “...organização beneficia que os empregados desenvolvam comprometimentos específicos e os gestores não devem recear o desenvolvimento desses comprometimentos.” (Hunt e Morgan, 1994: 1994).

Também Meyer, Allen e Smith (1993), mantendo a natureza tridimensional do comprometimento, comparam o comprometimento organizacional com o ocupacional, tendo concluído que estas duas variáveis correspondiam a constructos diferentes e que, consideradas em conjunto, podia potenciar-se a previsibilidade de variáveis consequentes. Sendo uma linha de estudos futuros (Cohen, 2003; Meyer, 2009; Meyer e Allen, 1997; Meyer et al. 1993) há que ter o cuidado de se evitar uma proliferação de diferentes tipos de comprometimento, devendo haver a preocupação de se centrar em “...entidades que são teoricamente importantes para a compreensão do comportamento de interesses.” (Meyer et al. 1993: 550).

Posteriormente, Meyer, Allen e Topolnytsky (1998) e Meyer (2009), consideraram que, num contexto de mudança acelerada, se assistia a uma multiplicidade de orientações do comprometimento no local de trabalho, referindo como mais relevantes o comprometimento para com a organização, para com subunidades da organização, para com o grupo de referência e/ou de pertença, para com novas formas organizacionais, resultantes de fusões, aquisições e cisões, para fora da organização, para com a ocupação, para com a carreira pessoal e para com o sindicato. Assim, a existência de “diferentes combinações de múltiplos comprometimentos estão provavelmente a colocar novos desafios de gestão dentro das organizações” (Meyer et al.; 1998: 89), sugerindo que os diversos comprometimentos dos indivíduos sejam cada vez mais para com pequenas unidades de referência, ao invés de serem para a organização enquanto macroestratégia colectiva.