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CAPÍTULO 2 O COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL

3.2. Descrição da Teoria da Definição de Objectivos

Em Ciências Sociais é sempre difícil a definição de conceitos. A Teoria da Definição de Objectivos de Locke e Latham (1990) não é incólume a esta dificuldade. Analisando diversos termos, tais como tarefa (“task”), propósito (“purpose”), aspiração (“aspiration”), objectivo a prazo (“objective”), os autores decidiram-se pelo termo objectivo ou meta (“goal”), por o considerarem como o determinante imediato da realização de uma tarefa ou tarefas específicas com vista à consecução de um resultado concerto e específico. Este imediatismo é justificado pois o que está em causa é a explicação de “… como as pessoas realizam as tarefas e por isso queremos um termo que realce o resultado final em vez do comportamento por si só” (Locke e Latham, 1990: 8).

Os objectivos têm uma função directiva sobre a cognição e o comportamento, sendo que a sua especificidade e clareza originam melhores resultados do que a ambiguidade, a falta de clareza ou de compreensão (para uma revisão veja-se Locke e Latham, 1990 e 2002). Por outro lado, os objectivos vão também regular o dispêndio de esforço e a persistência que o indivíduo põe na sua consecução (Terborg, 1976). Assim, a teoria estabelece que objectivos difíceis vão determinar um maior esforço e uma maior persistência da acção do que objectivos fáceis e, por isso, irão originar a um maior nível de desempenho. Esta relação linear positiva entre o nível de dificuldade dos objectivos e o nível de desempenho tem sido testada e verificada em diversos estudos experimentais e de campo, sendo o ponto central da Teoria da Definição de Objectivos. No entanto, concluiu-se que “...objectivos desafiantes geram desempenhos elevados somente se o indivíduo estiver comprometido com os objectivos” (Locke e Latham, 1990: 257). Em oposição, os resultados de diversos estudos têm sugerido que a relação directa entre a dificuldade dos objectivos e o nível de desempenho tem tendência a diminuir com a diminuição do nível de competência e de auto-eficácia e da intensidade do comprometimento para com os objectivos. Por outro lado, a própria percepção, de que o objectivo está para além das capacidades e aptidões do indivíduo, é também um factor determinante para uma diminuição do nível de desempenho (Latham e Locke, 1978; Locke e Latham, 1990 e 2002).

Por ser uma forte reguladora do comportamento, a definição de objectivos assume uma particular importância a todos os níveis do comportamento do sujeito. A definição de objectivos tem impactos directos ao nível do sujeito enquanto membro de uma organização, influenciando a sua satisfação, motivação, participação organizacional, aceitação do feedback (Locke e Latham, 1990, 2002, 2004 e 2005). De igual forma, vai também influenciar a gestão da organização, pois determina políticas e práticas de gestão e, particularmente, de gestão de recursos humanos, tais como, a gestão de desempenho, a análise e enriquecimento de funções, a formação e desenvolvimento, a gestão de carreiras, a cultura organizacional, a socialização, o sistema de recompensa e compensação (Cunha e Oliveira, 1995; Locke e Latham, 1990 e 2002; Miner, 2005; Terborg, 1976).

Quanto à sua definição, os objectivos “...podem ser atribuídos, podem ser estabelecidos participativamente, ou pode ser o sujeito a escolher o objectivo” (Locke e Latham, 1990: 153). A definição dos objectivos por atribuição consiste na sua imposição ao sujeito por uma

figura de autoridade. Por outro lado, os objectivos podem ser estabelecidos através de uma participação activa do sujeito. Por último, podem ser também definidos directamente pelo sujeito, sem a intervenção directa do detentor da autoridade.

Diversos estudos permitiram concluir que, mantendo constante o nível de dificuldade dos objectivos, não há diferença no desempenho entre os objectivos definidos por atribuição versus os definidos por participação (Latham e Locke, 1978; Locke e Latham, 1990, 2002 e 2005). No entanto, outros estudos, desenvolvidos por Erez e Zidon (1984) levam à conclusão de que os objectivos definidos de forma participativa determinaram um melhor nível de desempenho. Trabalhando em conjunto (e mediados por Locke)23, Latham e Erez concluíram que a eficácia dos objectivos definidos por atribuição dependia da compreensão que o sujeito tenha do racional e da finalidade desses objectivos e, caso os objectivos fossem atribuídos de forma autoritária e sem explicação, verificava-se a uma diminuição significativa do nível de desempenho (Latham, Erez e Locke, 1988). Na sequência destes estudos, o quadro teórico estabelece que, com subordinados novos e inexperientes, os objectivos deveriam ser definidos por atribuição. Com subordinados com uma maior experiência e competência, os objectivos deveriam ser definidos por participação. Por último, a definição dos objectivos deveria ser delegada no caso de subordinados com elevada competência, comprometimento e experiência (Latham e Locke, 1990). Refira-se que este quadro teórico está em linha com o estabelecido pelas teorias contingenciais de liderança (e.g., Bass, 1981; Jesuíno; 1999; Miner, 2005).

A auto-estima do indivíduo é uma das condições fundamentais no processo de definição de objectivos. Uma elevada auto-estima vai determinar, não só uma definição mais eficaz dos objectivos, como também a formulação de planos de acção mais adequados para a consecução desses objectivos e facilita a recolha de informações adicionais (inputs), incrementa o desenvolvimento de competências e a emergência de comportamentos adequados à situação em causa, facilita o processo de feedback, aumentando a receptividade do indivíduo e a sua proactividade (Bandura e Locke, 2003).

Há uma relação positiva entre a operacionalização dos objectivos e a satisfação (Terborg, 1976). Verifica-se que factores positivos, tais como objectivos claros, apoio da

23

Esta é uma das situações apresentadas pelos autores da preocupação na integração e explicação de resultados contraditórios e ou paradoxais no quadro teórico estabelecido (Locke e Latham, 1990 e 2005).

chefia, sistema de recompensas, avaliação de desempenho, orgulho pelos objectivos terem sido atingidos, racionalidade e compreensão dos objectivos, auto-eficácia, cooperação e espírito de equipa, eram antecedentes da satisfação. Em contrapartida, factores considerados como negativos, tais como, o stress e pressões no sentido da consecução dos objectivos, o medo de falhar, objectivos percepcionados como impossíveis de serem atingidos ou disfuncionais, isto é, que impliquem uma carga de trabalho excessivamente elevada ou que são percepcionados como castigo, estão relacionados com a insatisfação (Lee, Bobko, Earley e Locke, 1988; Lee, Locke e Pan, 1997; Terborg, 1976). A satisfação é, assim, a resultante de um desempenho específico e dos resultados obtidos através desse desempenho (Latham e Locke, 1978; Locke e Latham, 1990, 2002, 2004 e 2005).

Com base nos principais elementos da Teoria de Definição de Objectivos, cujos principais elementos foram descritos anteriormente, Locke e Latham (1990) propuseram um “Ciclo de Elevado Desempenho” (“High-Performance Cycle”) que, apesar de ter vindo a assumir diferentes formas ao longo do tempo, se tem mantido constante quanto aos seus elementos constituintes24.

O Ciclo de Elevado Desempenho destaca que os objectivos críticos, através do seu nível de dificuldade e especificidade, iriam determinar desempenhos e resultados específicos. A relação existente entre objectivos e desempenho ou resultados é moderada por características individuais, tais como, o comprometimento com os objectivos, a importância dada a esses objectivos, a auto-eficácia, o processo de feedback e a complexidade das tarefas. Por outro lado, é também determinada por mecanismos individuais de escolha e direccionamento do esforço, do investimento realizado, da persistência e das estratégias de actuação. O resultado do desempenho consiste num determinado nível de satisfação obtido, quer directamente através do desempenho, quer através das recompensas que advém desse desempenho. Essa satisfação vai fazer com que o sujeito esteja mais ou menos predisposto a aceitar novos desafios reforçando, assim, as variáveis moderadoras (Figura 3-1).

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Figura 3-1: Ciclo de Elevado Desempenho (adaptado de Locke e Lathan, 2002: 714)

O impacto de qualquer teoria pode ser medido em termos da sua validade e da sua utilidade prática. A Teoria da Definição de Objectivos é das teorias motivacionais e mesmo organizacionais, que melhor tem resistido a estudos de validação e que tem tido uma maior aplicabilidade prática (Miner, 1984 e 2005). Pinder (1984), avaliando as principais teorias motivacionais, concluiu que a Teoria da Definição de Objectivos é uma das que apresenta maior validade. Num outro estudo (Lee e Earley, 1988, citado por Locke e Latham, 1990)25 foi pedido a 14 executivos de publicações científicas que ordenassem por ordem de importância 15 teorias organizacionais, sendo que a Teoria da Definição de Objectivos ficou no topo da ordenação. Está-se pois perante uma teoria de elevada fiabilidade teórica e de grande aplicabilidade em situações reais de gestão ou não, pois considera que a “vida é um processo de acção dirigida por objectivos” (Locke e Latham, 2005: 128).

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Lee, C., e Earley, P. C. (1988). Comparative Peer Evaluation of Organizacional Behyavior Theories. Documento de trabalho não publicado, Northeastern University.

Objectivos Chave: Especificidade Dificuldade (e.g., desempenho e aprendizagem de objectivos, objectivos imediatos) Desempenho (e.g., Produtividade, Melhoramento de Custos) Satisfação com o Desempenho e Recompensas Moderadores:

Comprometimento com os Objectivos Importância dos Objectivos

Auto-eficácia Feedback

Complexidade das Tarefas

Mecanismos: Escolha/Direcção Esforço Persistência Estratégias Predisposição a comprometer-se com novos desafios