• Nenhum resultado encontrado

CAPÍTULO 2 O COMPROMETIMENTO ORGANIZACIONAL

3.1. Contextualização da Teoria da Definição de Objectivos

A Teoria da Definição de Objectivos tem vindo a ser desenvolvida, há mais de quarenta anos, com recurso à realização de um elevado número de estudos, de carácter experimental e, posteriormente, consolidada através de estudos de campo (e.g., Locke e Latham, 1990, 2002, 2004 e 2005; Miner, 2005). Esta teoria situa-se, numa linha experimentalista, próxima à que foi desenvolvida por Kurt Lewin. É também uma teoria introspectiva, na medida que “nenhum conceito psicológico pode ser compreendido sem o uso da introspecção, e foi claramente uma ajuda para o nosso pensamento” (Locke e Latham, 2005: 145). Por outro lado é uma teoria indutiva, pois parte do “...particular para o geral” (Locke e Latham, 2005: 143), distinguindo-se claramente das abordagens “behavioristas” e hipotético-dedutivas.

20

Veja-se, por exemplo, Meyer e Allen (1997) ou Meyer et al. (2002) ou Cohen (2003) ou ainda Cohen e Freund (2005) que, apesar de obras integradoras de diversos estudos e modelos de comprometimento, são omissas quanto ao comprometimento com os objectivos.

É uma teoria que está em constante construção21, mantendo-se permanentemente em aberto, através de um processo de recolha de dados, diferenciação de conceitos, integração de novos elementos e resultados, especialmente se forem contraditórios com o quadro teórico estabelecido, e identificação de relações causais. Este processo tem em vista a obtenção de um todo teórico coerente, em constante evolução e aperfeiçoamento (Locke e Latham, 2005).

A Teoria da Definição de Objectivos é uma teoria motivacional (Latham e Locke, 1978), sendo influenciada pelo conceito de aspiração de Kurt Lewin e, principalmente, pelo de intencionalidade comportamental de Thomas Ryan (Locke e Latham, 1990). Por outro lado, também é influenciada pela Gestão por Objectivos (Drucker, 1954), distinguindo-se desta última, por se posicionar a um nível de análise micro e pessoal, enquanto a Gestão Por Objectivos se posiciona a um nível macro e organizacional. Tem um carácter global, defendendo os autores que toda a vida pode ser perspectivada como uma sucessão de objectivos pessoais, profissionais ou não, e que estes são determinantes do bem-estar e da felicidade do indivíduo (Locke, 2002). Refira-se ainda, que tem sido considerada como sendo uma teoria de elevada validade e aplicabilidade (Miner, 1984 e 2005).

A problemática da definição de objectivos (goal setting), como base para a obtenção de elevados resultados e desempenho de excelência, data dos primórdios da gestão enquanto ciência. Já Taylor (1911/1967), com a Organização Científica do Trabalho, referiu como factor determinante para a produtividade industrial a existência de objectivos claros, simples e específicos, que deveriam corresponder à execução de tarefas elementares do trabalho. Também Fayol (1920/1965) alerta para a importância da existência de objectivos para um bom desempenho e funcionamento das empresas. Mas é com Drucker (1954) que a definição de objectivos é considerada como a base da gestão das organizações e das pessoas (e.g., Drucker, 1985; Greenwood, 1981; Ivancevich, 1972 e 1974).

Com a Teoria da Definição de Objectivos os autores pretendem responder à questão “Será que os objectivos afectam a acção?... [e mais especificamente]... será que o trabalho de definição de objectivos, por si só, afecta a realização de tarefas?” (Locke e Latham, 1990: xvi). Assim, esta teoria posiciona-se na linha da Teoria da Intencionalidade de Ryan (1979,

21

Veja-se a sua evolução através da seguinte sequência de artigos: Locke, 1968; Latham e Locke, 1978; Locke e Latham, 1990; Locke, 1997; Locke, 2002; Locke e Latham 2002; Locke e Latham 2004.

citado por Locke e Latham, 1990)22 e da Teoria Sócio-Cognitiva de Bandura (1986). Na sua génese está a “...premissa de Ryan (1979) de que objectivos conscientes afectam a acção.” (Locke e Latham, 2002: 705). Por outro lado, estipula também que os objectivos são precursores e reguladores da acção, sendo que esta é definida como o resultado do desempenho de uma tarefa. Pressupõe, também, que as cognições do sujeito, bem como a sua auto-eficácia, são desencadeadores da acção, entendida esta como a expressão das intenções conscientes do indivíduo, que tem em vista a obtenção de um determinado resultado (Bandura, 1999 e 2001; Bandura e Locke, 2003; Locke e Latham, 1990, 2002 e 2005).

Numa perspectiva mais global, a Teoria da Definição de Objectivos corrobora um conjunto de teorias de liderança que realçam a definição e o desenvolvimento de objectivos partilhados pelo grupo como uma das tarefas chave do líder e do gestor (e.g., Drucker, 1985; Likert, 1967), na medida em que “o conceito de liderança implicaria a realização de objectivos comuns tanto dos líderes como dos seguidores” (Jesuíno, 1999: 12). Há, por isso, uma estreita ligação entre a definição dos objectivos e a eficácia do líder, pois é através dos objectivos que se vai realizar a integração dos colaboradores num projecto colectivo (Drucker, 1954 e 1985; Greenwood, 1981). Por outro lado, os objectivos vão determinar o desenvolvimento de relações de solidariedade, pois “para que cada membro da organização se sinta altamente motivado, deve saber que tanto os objectivos da organização, como a sua própria tarefa, são indispensáveis para a consecução dos objectivos da mesma” (Likert, 1961/1971: 127).

Podem destacar-se diversos autores que equacionaram a definição de objectivos como um factor crítico de sucesso da liderança. Boyatzis (1982) verificou que a capacidade de definir e planear objectivos estava entre as características mais importantes de um líder. Bradford e Cohen (1984) recomendaram o estabelecimento de objectivos claros e desafiantes, para as diversas unidades e grupos constituintes da organização. Também Bennis e Nanus (1985) realçam a importância da definição de uma “core vision”, bem como a sua comunicação aos subordinados. Já Yukl (1989), após uma extensa revisão da literatura publicada sobre liderança, concluiu que a definição e clarificação de objectivos era o mais importante comportamento de liderança. Por sua vez, Kotter (1996) verificou que os gestores de sucesso são os que definem e vão gradualmente aumentando a exigência dos objectivos das

22

suas unidades. Esta necessidade de definição e comunicação de objectivos é particularmente sentida em processos de mudança organizacional, nos quais um factor crítico de sucesso é o desenvolvimento de uma visão e de uma estratégia, a sua comunicação e a criação de um sentido de urgência, que unifique e integre os esforços individuais (Kotter, 1996). Refira-se ainda que, numa perspectiva de desenvolvimento profissional, Howard e Bray (1988), após um estudo longitudinal de 20 anos, concluíram que o mais poderoso determinante da progressão profissional era a ambição individual, expressa através de objectivos profissionais e pessoais desafiantes.

Em conclusão, a Teoria de Definição de Objectivos de Locke e Latham (1990) é uma teoria motivacional, sócio-cognitiva, orientada principalmente para a acção e para a explicação dos resultados obtidos. Está em constante evolução, através da integração de novos elementos, especialmente os que são contraditórios com o quadro teórico estabelecido. Por outro lado, tem em vista uma crescente abrangência e globalidade explicativa, perspectivando-se como uma “meta-teoria”, que tem em vista a definição de “...processos através dos quais podemos construir teorias mais válidas, mais completas, e mais práticas” (Locke e Latham, 2004: 389).