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3 O CAPITAL AGROINDUSTRIAL EM CORUMBAÍBA (GO): AS DISPUTAS TERRITORIAIS E OS NOVOS SUJEITOS DA RELAÇÃO CAPITAL/TRABALHO

3 O CAPITAL AGROINDUSTRIAL EM CORUMBAÍBA (GO): AS DISPUTAS TERRITORIAIS E OS NOVOS SUJEITOS DA RELAÇÃO CAPITAL/TRABALHO

3.1 A apropriação da renda da terra pelo capital agroindustrial

E a essa tendência corresponde noutro plano, o fato de a propriedade fundiária, como entidade autônoma, se dissociar do capital e do trabalho, isto é, a conversão de toda propriedade fundiária à forma adequada ao modo capitalista de produção. [...] À primeira vista, a identidade das rendas e das fontes de renda. São três grandes grupos sociais, e seus componentes, os indivíduos que os constituem, vivem respectivamente de salário, de lucro e de renda fundiária, utilizando a força de trabalho, o capital e a propriedade fundiária.

(MARX, 2008)

No contexto contraditório de apropriação da renda da terra pelo capital, Oliveira (2010) esclarece que, por um lado, tem-se a unificação do proprietário e do capitalista numa mesma pessoa, por outro lado tem-se a sujeição da renda da terra ao capital que ocorre nos setores de produção não capitalistas, como é o caso das propriedades camponesas. No primeiro caso, Oliveira (1985), explica que:

A renda da terra sob o modo de produção capitalista, é sempre sobra acima do valor das mercadorias, ou seja, lucro extraordinário permanente (acima do lucro médio) que todo capitalista, que explora a terra através de relações de trabalho assalariado, embolsa. [...] A renda capitalista da terra [...] tem sua origem na distribuição da mais-valia, onde a condição de proprietário da terra lhe garante o direito de receber a renda, assim, como o capitalista recebe o lucro médio (OLIVEIRA, 1985, p. 77).

Para Clemente (2006), o advento da agroindústria e dos processos de tecnificação na agricultura fez com que a territorialização do capital no campo ocorresse por meio da subordinação formal e também da subordinação real do trabalhador rural, sujeitando a renda da terra produzida na agricultura.

No que se refere renda da terra nas propriedades camponesas, Oliveira (2010) explica que:

[...] Quando na agricultura o capitalista e o proprietário da terra são personagens distintas, objetivamente separadas e contrapostas, só depois de completado o processo todo é que o capitalista entrega (transferindo) ao proprietário a renda da terra. [...] Essa situação não elimina a contradição entre terra e capital, apenas a mascara (OLIVEIRA, 2010, p. 06).

O processo de apropriação da renda da terra pelo capitalista ocorre por meio da sujeição da renda ao capital, portanto, nos setores não capitalistas de produção. Isso acontece sem que haja a expropriação dos instrumentos de trabalho, isto é, a perda da terra (LEAL; ALMEIDA, 2005). Os autores esclarecem que:

[...] o campesinato representa uma relação não capitalista porque as relações sociais no interior da unidade de produção são incompletas do ponto de vista do capitalismo, ou seja, há ausência do elemento salário, por outro lado, a figura do proprietário de terra e do trabalhador, encontram-se fundidas numa mesma pessoa: o camponês (LEAL; ALMEIDA, 2005, p. 01).

Nesse sentido, Martins (1983), afirma que ao preservar a propriedade da terra, o produtor que nela trabalha utilizando apenas o seu trabalho e de sua família, aumenta a sua dependência em relação ao capital, pois ocorre a sujeição da renda da terra ao capital. Para o autor, a subordinação da propriedade fundiária ao capital ocorre:

[...] para que ela produza sob o domínio e conforme os pressupostos do capital. A apropriação capitalista da terra permite justamente que o trabalho que nela se dá, o trabalho agrícola, se torne subordinado ao capital. A terra assim apropriada opera como se fosse capital, ela se torna equivalente de capital e, para o capitalista, obedece a critérios que ele basicamente leva em conta em relação aos outros instrumentos possuídos pelo capital. Ainda assim, o fato de que a terra pareça, socialmente, capital não faz dela, efetivamente, capital. De fato, o que ela produz, do ponto de vista capitalista, é diferente do que produz o capital. Assim como este produz lucro (isto é, a parcela da mais-valia, de riqueza a mais, que o capitalista retém), e o trabalho produz salário, a terra produz renda (MARTINS, 1983, p. 162).

No Brasil, o movimento do capital opera, de modo geral, ora no sentido da separação entre a propriedade e a exploração dessa propriedade, ora no sentido da separação entre o burguês e o proprietário, pois tanto na grande propriedade quanto na pequena o capital tende a se apropriar da renda da terra. O capital não pode tornar-se proprietário real da terra para extrair o lucro e a renda, ele assegura o direto de extrair a renda, por exemplo, ao estabelecer a dependência com crédito bancários e outros intermediários (MARTINS, 1981). Oliveira (2010) reforça esse argumento ao afirmar que a sujeição da renda da terra ao capital nas propriedades camponesas está vinculada às relações comerciais, visto que:

[...] o processo de relações não capitalistas de produção como recurso para garantir a sua própria expansão, tem-se dado, no caso brasileiro, inicialmente pela intensificação das relações comerciais, que têm através da circulação da mercadoria de origem agrícola, drenado toda a renda diferencial para esse setor, onde graçam toda sorte de representantes do capital comercial, também conhecidos como intermediários, atravessadores, atacadistas, etc. (OLIVEIRA, 2010, p. 09).

Nessa perspectiva, as ações do capital comercial e do Estado contribuem para a sujeição da renda da terra pelo capital, pois:

[...] o Estado se incumbe de mediar esse processo e acelerá-lo. Agindo, pois através do crédito bancário (oficial), cria os liames da dependência do produtor (do pequeno, principalmente), mantendo-o permanentemente endividado. No final do processo, drena, através dos juros cobrados pelos empresários, parte da renda da terra, mesmo no caso de não ser o proprietário dela. A outra parte da renda da terra é extraída pelos componentes do capital comercial, que tem atuado no sentido de impor preços abaixo do valor dos produtos, ficando assim com parcela cada vez maior da renda e da parte que seria creditada como lucro médio, que nesse caso não regula a produção, pois a terra do pequeno produtor é terra de trabalho, e não empregada como instrumento da exploração da força de trabalho de outrem (assalariado) (OLIVEIRA, 2010, p. 10).

A renda da terra é um dos elementos que explicam o sentido da recriação do campesinato no capitalismo, pois, existem diversas formas encontradas pelos capitalistas, para subtraírem-na dos camponeses, inclusive pelos interstícios da sujeição da renda camponesa ao

capital na esfera do consumo produtivo, ou seja, no tributo pago por essa classe especificamente para produzir. A sujeição da renda da terra pelas indústrias acontece no plano da produção – pois as cadeias industriais se sustentam por meio da matéria-prima fornecida por esta classe –, e também pela ação do capital comercial (PAULINO, 2012).

No caso da produção de alimentos para consumo interno generalizado, como nas unidades camponesas, o capital cria as condições para extrair o excedente econômico no processo de circulação dos produtos agrícolas. Nas grandes propriedades, com possibilidade de produzir as commodities agrícolas em sistemas de monocultivo e a pecuária de corte, o capital tende a se apropriar da terra, obtendo o lucro e a renda (capitalizada), em um movimento monopolizador que lhe torna absoluto na exploração e na obtenção dos rendimentos, dando as condições imperiosas para expansão e acumulação do capital no campo (OLIVEIRA, 2010).

Especificamente sobre a pecuária do leite, Oliveira (2010) afirma que está quase totalmente monopolizada pelo capital agroindustrial, já que o setor encontra-se subordinado às transnacionais que atuam direta e indiretamente, tais como, as indústrias de ração, instrumentos e demais insumos agropecuários. Além disso, tem-se a presença do Estado, que atua como mediador do capital industrial. A mediação ocorre pelas seguintes formas: implementação de programas de fomento e financiamentos nos bancos estatais – o que viabiliza a territorialização o capital financeiro no campo –; pela difusão ideológica da necessidade de modernização, como imprescindível ao desenvolvimento local e regional; pela regulamentação da produção e da comercialização do produto, por meio das normativas, como a IN 51 e a IN 62, cujos critérios estão intimamente vinculados à utilização de inovações tecnológicas, que exigem investimento de capital.

Em Corumbaíba (GO), a apropriação e sujeição da renda da terra ao capital, nas empresas rurais e nas unidades camponesas, ocorrem por meio da venda do leite à agroindústria laticinista. Nesse caso, as exigências do mercado, representadas pela agroindústria laticinista, estimulam a especialização na atividade por meio da política de diferenciação de preços equivalente à quantidade e à qualidade do leite. Ao pagar mais pelo leite produzido em maior quantidade e de melhor qualidade, a empresa impõe a lógica capitalista e reforça, para o produtor, a necessidade de produzir mais e melhor, caso deseje aumentar a sua renda. Os produtores que decidem se especializar na produção buscam a melhoria constante da produção, investindo cada vez mais capital no processo produtivo, para atender as exigências do mercado. Já os pequenos produtores – em sua maioria, destituídos de

capital – veem-se a margem do setor, pois são penalizados por não atingirem os níveis de qualidade e de qualidade estabelecidos.

Nas empresas rurais, para aumentar a produção e a produtividade os produtores devem comprar gado especializado60, meios de produção (tratores, ordenhas e tanque de resfriamento), insumos (rações, sementes, adubos e medicamentos), além de assistência técnica especializada. Uma vez aumentada a produção, utilizam o trabalho assalariado nas diferentes etapas da produção leiteira, ou seja, desde a ordenha e manejo do gado até a realização de atividades de manutenção dos pastos e cercas, além do plantio das lavouras e das produções de silagens e rações para o gado.

Nas propriedades camponesas o leite é visto como uma fonte de renda que garante a reprodução da família e a sua permanência na terra. Com efeito, mesmo diante do baixo preço pago pelo produto, os camponeses que permanecem na atividade também adquirem no mercado os insumos necessários para atender as exigências do setor. No entanto, faz isso apenas quando considera imprescindível para assegurar a pequena produção e se manter no mercado formal, o que diferem da lógica propriamente capitalista. Esse processo é estimulado pelo capital produtivo, pelo capital comercial e pelo Estado, conforme evidencia Oliveira (2010) e Paulino (2012).

O Estado atua no setor como agente normatizador, por meio das instruções normativas – tais como, a Instrução Normativa (IN 51) e a Instrução Normativa (IN 62)61 – estabelecendo critérios para a produção, vinculados à utilização e técnicas e instrumentos modernos nas propriedades. As normas sanitárias estabelecidas para o setor são parâmetros para a diferenciação de preços por qualidade pagos aos produtores tanto para os produtores especializados quanto para os produtores camponeses. Os programas de financiamento estão disponíveis, sobretudo, para os grandes proprietários, mas são utilizados também para os pequenos na aquisição, principalmente, do tanque de resfriamento.

Em Corumbaíba (GO), observa-se que, todos os seguimentos de produtores – empresários, pecuaristas e camponeses – já fizeram financiamentos para investir na atividade leiteira, ora para a compra de ordenhadeiras, tanques, silagem, tratores e vacas leiteiras, ora

60 As raças de gado com maior produtividade leiteira são: Holandesa, Jersey, Guernsey, Pardo Suíço, Gir

Leiteiro e Girolando. Tais raças são originárias dos países europeus e no Brasil, são utilizadas em propriedades especializadas na produção leiteira. Além disso, exigem manejo especializado para manter a produção e a saúde dos animais (Disponível em: http://www.manera.feis.unesp.br/fazenda%20escola/bov_leite.htm. Acesso em: 14 de março de 2013).

61

Conforme evidenciado no capítulo 2, a IN 51 e a IN 62 são normativas estabelecidas pelo Ministério de Agricultura, Pecuária e Abastecimento, considerando a necessidade de aperfeiçoamento e modernização da legislação sanitária federal sobre a produção de leite.

para plantio de lavouras e reforma de pastagens. O Gráfico 4 apresenta os principais investimentos do capital financeiro na atividade leiteira, nas propriedades.

Gráfico 4 – Finalidade dos financiamentos realizados pelos empresários, pecuaristas e camponeses produtores de leite em Corumbaíba (GO)

Organização – CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte – Pesquisa de campo, novembro de 2012.

No Gráfico 4 observa-se que todos os proprietários já recorreram a financiamentos para investirem na produção de leite. No que se refere às empresas rurais nota-se que: 60% financiaram a ordenhadeira mecânica; 40% o tanque de expansão; 80% as vacas leiteiras; 60% as pastagens; 60% as lavouras destinadas à fabricação de rações; e 100% os tratores e maquinários. Os pecuaristas – 50% – financiaram apenas a reforma das pastagens. Nas propriedades camponesas identifica-se que: 66% financiaram o tanque de expansão; 50% as vacas leiteiras; 33% a reforma de pastagens, sobretudo a aplicação de calcário no solo; e 33% os tratores.

Dessa forma, notam-se diferentes estratégias desempenhadas pelo capital agroindustrial em Corumbaíba (GO) para apropriação e sujeição da renda da terra. Estas estratégias são diferentes para os diferentes produtores – empresas rurais, pecuaristas tradicionais e propriedades camponesas –, conforme evidenciam as suas dinâmicas territoriais. Com isso, os efeitos para estas propriedades também são distintos, com diferentes níveis de subordinação, embora coesionados pela lógica da reprodução do capital agroindustrial e financeiro. 60% 40% 80% 60% 60% 100% 0% 0% 50% 0 0% 60% 50% 33% 0% 33% 0 20 40 60 80 100 120 Empresas rurais Pecuaristas Camponeses