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1 A FORMAÇÃO SOCIOESPACIAL DE CORUMBAÍBA (GO): O LUGAR DA PESQUISA

1 A FORMAÇÃO SOCIOESPACIAL DE CORUMBAÍBA (GO): O LUGAR DA PESQUISA

1.1 Corumbaíba (GO): um olhar geográfico

A geografia é uma forma particular de ciência que tira sua especificidade de relacionar imagem e fala por meio da categoria da paisagem. E essa especificidade vem do fato de que para produzir a sua forma de representação de mundo a geografia tem que conceber o mundo como espaço. Essas duas categorias necessitam para isso mobilizar a categoria intermediária do território. [...]

(MOREIRA, 2011)

A realidade é configurada pelas transformações espaciais e temporais, estando em constante (re)construção. Esse movimento do real é contraditório, desigual e combinado, colocando-se para a Geografia e para os geógrafos como um importante desafio a ser superado. Nesse prisma, a realidade socioespacial de Corumbaíba (GO) constitui o ponto de partida para esta pesquisa, uma vez que são as transformações socioespaciais que vem ocorrendo nos últimos vinte anos, os elementos que motivam/ram a sua realização. Portanto, espaço, território, lugar e paisagem são as categorias geográficas que permitem desvelar, ao menos em partes, as tramas espaciais da relação capital x trabalho no Município.

A abordagem do lugar da pesquisa busca a compreensão dos seus elementos que se hibridizam e constituem o espaço geográfico. Esses elementos existentes, de ordem material e imaterial, se entrecruzam e compõem a realidade, num processo constante de (re)construção histórica. Esta deve ser entendida também a partir da relação entre o local e global, ou seja, levando-se em consideração os elementos internos e os externos que se “misturam” na constituição do lugar. Santos (1999) entende que:

A partir da noção de espaço como um conjunto indissociável de sistemas de objetos e sistemas de ações podemos reconhecer suas categorias analíticas internas. Entre elas, estão a paisagem, a configuração territorial, a divisão territorial do trabalho, o espaço produzido ou produtivo, as rugosidades e as formas-conteúdo. [...], levanta- se a questão dos recortes espaciais, propondo debates de problemas como o da região e do lugar; o das redes e das escalas. [...] impõem-se a realidade do meio com seus diversos conteúdos em artifício e a complementaridade entre uma tecnoesfera e uma psicoesfera. [...] podemos propor a questão da racionalidade do espaço como conceito histórico atual e fruto, ao mesmo tempo, da emergência das redes e do processo de globalização. O conteúdo geográfico do cotidiano também se inclui entre conceitos constitutivos e operacionais, próprios à realidade do espaço geográfico, junto à questão de uma ordem mundial e de uma ordem local (SANTOS, 1999, p. 19).

Nesse sentido, propõe-se o estudo da territorialização do capital agroindustrial, em Corumbaíba (GO), a partir das mudanças espaciais nas relações de trabalho e no conteúdo das relações campo/cidade, pois na cidade se instala a agroindústria, e no campo, onde estão as unidades produtoras e fornecedoras do leite in natura, como matéria-prima para a empresa. Este estudo busca considerar o recorte espacial a ser estudado, como um híbrido, e não

somente a partir de fatores que existem no lugar, mas se inter-relacionam na produção do espaço. Para Santos (1999):

[...] a ideia da forma-conteúdo une o processo e o resultado, a função e a forma, o passado e o futuro, o objeto e o sujeito, o natural e o social. Essa ideia também supõe o tratamento analítico do espaço como um conjunto inseparável de sistemas de objetos e sistemas de ações (SANTOS, 1999, p. 83).

Ao analisar as abordagens do espaço na Geografia, Santos (1999) chama a atenção dos geógrafos para a totalidade do espaço geográfico, pois em tempos de globalização esta questão se fortalece, diante das constantes menções ao chamado espaço global. Para o autor:

[...] um caminho seria partir da totalidade concreta como ela se apresenta neste período de globalização – uma totalidade empírica – para examinar as relações efetivas entre a Totalidade-Mundo e os Lugares. Isso equivale a revisar o movimento do universal para o particular e vice-versa, reexaminando, sob esse ângulo, o papel dos eventos e da divisão do trabalho como uma mediação indispensável (SANTOS, 1999, p. 92).

A realidade espacial em Corumbaíba (GO) pode ser compreendida a partir desta inter-relação entre os elementos particulares e os universais, formando a totalidade do espaço geográfico. Esta totalidade deve ser vista como a junção de várias partes e sujeitos, entendidos a partir do movimento do real e da totalidade que configuram a realidade. Posteriormente, Santos (1999) complementa:

O todo somente pode ser conhecido através do conhecimento das partes e as partes somente podem ser conhecidas através do conhecimento do todo. Essas duas verdades são, porém parciais. Para alcançar a verdade total, é necessário reconhecer o movimento conjunto do todo e das partes, através do processo de totalização (SANTOS, 1999, p. 96).

Neste estudo busca-se compreender a realidade socioespacial de Corumbaíba, a partir da relação entre a chamada Totalidade-Mundo e o Lugar e entre o todo e as partes. Assim, deve ser analisada com base na constante relação entre os elementos ditos locais e os ditos globais, e ainda, os resultantes dessa interação. “Cada lugar é, ao mesmo tempo, objeto de uma razão global e de uma razão local, convivendo dialeticamente.” (SANTOS, 2012, p. 98).

As múltiplas dimensões do espaço são construídas por meio das múltiplas relações sociais, econômicas, políticas, ambientais e culturais. Nesse sentido, Fernandes (2009) afirma que o território é um todo, mas deve ser entendido como parte da realidade, a partir de sua multidimensionalidade, isso porque, assim como o espaço, deve ser compreendido por meio das relações sociais, ou melhor, da relação classe-território, cujas relações produzem diferentes territórios, constantes conflitualidades e distintas territorialidades, a partir de intencionalidades divergentes.

Haesbaert (2007) assegura que os territórios devem ser entendidos a partir da multiterritorialidade ou reterritorialização, cujas totalidades estão sobrepostas e descontínuas.

Portanto, a leitura que se faz dos territórios não deve estar vinculada ao entendimento do conceito de território restrito ao espaço e a espacialidade.

Para Raffestin (1993) espaço e território não são sinônimos. O espaço é anterior ao território, uma vez que o território se forma a partir do espaço como resultante de:

[...] uma ação conduzida por um ator sintagmático (ator que realiza um programa) em qualquer nível. Ao se apropriar de um espaço, concreta ou abstratamente (por exemplo) pela representação, o ator “territorializa” o espaço. [...] É uma produção, a partir do espaço, mas não é espaço. É uma produção, a partir do espaço. Ora, a produção, por causa de todas as relações que envolve, se inscreve num campo de poder (RAFFESTIN, 1993, p. 143-144).

Os principais elementos constituintes do território, segundo Saquet (2010) são:

Identidade (entendida como referência, enraizamento, ligação, afetividade, materialização, efetivação, lugar); relações de poder dominação e subordinação; redes de circulação e comunicação, visíveis e invisíveis, materiais e imateriais, infraestruturais e abstratas, movimento. Esses três elementos estão interligados e em interação. Há no território, a referência, a identidade e diversidade na unidade [...] (SAQUET, 2010, p. 161).

Nessa perspectiva, pretende-se compreender a territorialização da Italac Alimentos em Corumbaíba (GO), pois se refere a um espaço “[..] construído pelo ator, que comunica suas intenções e a realidade material por intermédio de um sistema sêmico. [...]. É, [...] o espaço que se tornou território de um ator, desde que tomado numa relação social de comunicação.” (RAFFESTIN, 1993, p. 147). A territorialidade é dinâmica e deve ser entendida como um conjunto de relações mantidas com o território, a partir da relação entre sociedade, tempo e espaço. Deve ser concebida sempre como uma relação, já que:

A territorialidade se manifesta em todas as escalas espaciais e sociais, ela é consubstancial a todas as relações e seria possível dizer que, de certa forma, é a “face vivida” da “face agida” do poder [...] (RAFFESTIN, 1993, p. 161-162).

Ainda segundo Raffestin (1993) a territorialidade:

[...] adquire um valor bem particular, pois reflete a multidimensionalidade do “vivido” territorial pelos membros de uma coletividade, pelas sociedades em geral. Os homens “vivem”, ao mesmo tempo, o processo territorial e o produto territorial por intermédio de um sistema de relações existenciais e/ou produtivistas. [...], todas são relações de poder, visto que há interação entre os atores que procuram modificar tanto as relações com a natureza como as relações sociais. Os atores, sem se darem conta disso, se auto modificam também. O poder é inevitável e, de modo algum, inocente. Enfim, é impossível manter uma relação que não seja marcada por ele (RAFFESTIN, 1993, p. 158-159).

Nesse sentido, a territorialização da agroindústria laticinista, Italac Alimentos, em Corumbaíba (GO) é conduzida pela lógica da (re)produção do capital, ou melhor, pelo interesse de produzir mercadorias e obter lucro por meio da apropriação do trabalho e da natureza, ora transformada em recursos, e pela sujeição da renda da terra, garantindo a acumulação capitalista e promovendo mudanças nas relações sociais. Este processo é

visualizado a partir da sua relação com o trabalho, uma vez que se constituem, no capitalismo, pares dialéticos. Por outro lado, têm-se os territórios pré-existentes, tais como no Cerrado goiano, que também influenciam e são influenciados pelas investidas do capital, alterando a relação capital x trabalho.

O capital – aqui com ênfase no capital agroindustrial lácteo – se territorializa seguindo uma tendência inerente ao seu modo de produção, ou seja, “lançando suas garras” pelos mais diferentes espaços geográficos, transformando as relações pré-existentes, que (Re) Existem, pois são (re)significadas. Esta expansão faz parte da sua natureza intrínseca, incontrolável e expansionista, ocorrendo desde a sua constituição enquanto modo de produção. Tais aspectos constituem sua centralidade, consagrados desde a chamada acumulação primitiva, denominando assim, o processo histórico que promoveu a formação das:

[...] condições básicas da produção capitalista [...], de um lado, o proprietário dos meios de produção, que compra a força de trabalho alheia; e, por outro, os trabalhadores livres, que vendem sua força de trabalho. Para que estas condições fossem atingidas, foi necessária a dissociação entre os trabalhadores e os meios pelos quais realizam o trabalho. A acumulação primitiva transformou em capital os meios de subsistência e de produção e os produtores diretos em assalariados [...] é a pré-história do capital e do modo de produção capitalista [...] (MARX, 2010, p. 825).

O capital é por essência incontrolável (MESZÁROS, 2002). A incontrolabilidade faz parte da sua razão de ser, pautada na expansão e na acumulação, nas quais todos os impedimentos são removidos e/ou adaptados/subordinados. No momento da sua consolidação, como modo de produção, o capital supera as barreiras representadas pelos modos de produção anteriores, remove as restrições sociais, políticas e materiais, numa autorregulação contínua, sempre em escala crescente. A partir de então, submete as potencialidades subjetivas e materiais em sua própria natureza, já que é um modo de controle que não restringe o seu imperativo expansionista, historicamente instável. No contexto atual, demonstra o aspecto total da incontrolabilidade, não tolerando regras que possam comprometer a sua dinâmica (PANIAGO, 2007).

As mudanças promovidas pela territorialização do capital, segundo Harvey (2005), se dão porque “[...] a burguesia tanto cria como destrói os fundamentos geográficos – ecológicos, espaciais e culturais – de suas próprias atividades, construindo um mundo à sua própria imagem e semelhança [...]” (HARVEY, 2005, p. 40). Esse argumento é fortalecido, ao afirmar que toda formação social, ou território, “[...] que é inserida ou se insere na lógica do desenvolvimento capitalista, tem de passar por amplas mudanças legais, institucionais e

estruturais do tipo descrito por Marx sob a rubrica da acumulação capitalista.” (HARVEY, 2005, p. 127).

A acumulação do capital sempre foi uma questão profundamente geográfica e “[...] sem as possibilidades inerentes à expansão geográfica, à reorganização espacial e ao desenvolvimento geográfico desigual, o capitalismo há muito teria cessado de funcionar.” (HARVEY, 2005, p. 40). Todavia, o mundo não é homogêneo, pelo contrário, possui múltiplas variações, justificando a expansão desigual e combinada do capital com suas especificidades, que tornam o processo complexo e contraditório. Essa desigualdade se deve ao fato de que:

O mundo não se apresenta como um tabuleiro sobre o qual a acumulação do capital jogou o seu destino. É uma superfície muito variada, diferenciada ecológica, política, social e culturalmente. Os fluxos do capital encontram alguns terrenos mais fáceis de ocupar do que outros, em diferentes fases de desenvolvimento (HARVEY, 2005, p. 67).

Além desse aspecto, Smith (1988) salienta que o desenvolvimento desigual é a expressão geográfica das contradições do capital, já que:

[...] A missão histórica do capital é o desenvolvimento das forças de produção por via da qual a igualização geográfica das condições e dos níveis de produção torna-se possível. A produção da natureza é a condição básica para esta igualização, mas a igualização é continuamente frustrada pela diferenciação do espaço geográfico. A diferenciação como o meio para um fixo espacial torna-se ela própria um problema a ser resolvido. [...] Assume muitas formas, mas fundamentalmente expressa a diferenciação social que é a verdadeira definição do capital: a relação capital e trabalho. Na medida em que o desenvolvimento desigual se torna crescente necessidade para se evitar as crises, a diferenciação geográfica se torna cada vez menos um subproduto e mais uma necessidade central para o capital (SMITH, 1988, p. 217).

Dessa forma, a expansão geográfica e o desenvolvimento desigual se tornam mais uma estratégia do capital para se manter enquanto modo de produção, diante da crise ocasionada pelo excedente de capital e de força de trabalho, espalhando-se pelo globo em alguns lugares como uma verdadeira “ praga de gafanhotos”, e em outros, como uma verdadeira forma de articulação entre os diferentes modos de produção, por conseguinte, como “[...] um produto do desenvolvimento e dos limites do capital. Mais concretamente, é a lógica do desenvolvimento desigual que estrutura o contexto para a articulação.” (SMITH, 1988, p. 222).

No que se refere ao mundo do trabalho, diante das ações expansionistas do capital e das diferentes estratégias territoriais assumidas nesse período histórico da humanidade, Thomaz Júnior (2011) diz que:

[...] a subversão das necessidades humanas aos imperativos da valorização do capital e à reprodução do valor de troca atingiu em profundidade as mediações de primeira ordem, que foram, de maneira nefasta, sendo substituídas pelos elementos

fetichizadores próprios do sistema de metabolismo social do capital. Por isso, o trabalho alienado passa a compor a forma dominante para a valorização de capital. Esses novos elementos de controle social e metabólico fazem com que os meios se tornem os fins últimos, sendo que, por sua vez, os fins ontológicos da humanidade (produção de valores de uso) são transformados em meios subsumidos aos tais fins reificados (THOMAZ JÚNIOR, 2011, s/p).

Posteriormente, Thomaz Júnior (2011) complementa que:

Sob o capitalismo o trabalho como atividade vital se configura como trabalho estranhado, expressão designativa de uma relação social encimada na propriedade privada, no capital e no dinheiro. É exatamente nesse ambiente de apropriação de riquezas que a terra e a água ocupam lugar central, quando se põe em questão a sobrevivência do planeta, a produção de alimentos, a exploração e a comercialização de matérias-primas etc. [...] (THOMAZ JÚNIOR, 2011, s/p).

Nessa perspectiva, há de se atentar para a centralidade do trabalho enquanto construção histórica, e que, no capitalismo, assume “[...] uma simbiose sem a qual não é possível analisar a sustentação da sociedade e compreender as tramas espaciais decorrentes.” (MENDONÇA, 2004, p. 42). Nesse sentido, é preciso ter cautela, pois:

[...] muitos pseudo-marxistas apressados, se dedicam a descrever/interpretar o mundo do trabalho, pulverizando as ações políticas dos trabalhadores e, assim, negam o trabalho como centralidade da reflexão, não reconhecendo a perspectiva histórica da emancipação social (MENDONÇA, 2004, p. 49).

Atentando-se para este aspecto, é possível reconhecer o trabalho em seu caráter ontológico, emancipatório, e a força de trabalho como fonte de valores de uso, ou melhor, “[...] apontar o projeto político da classe trabalhadora enquanto sujeito da sua própria história e, assim, também as condições potenciais para avançar rumo à emancipação social.” (MENDONÇA, 2004, p.43).

Por isso, ao analisar a expansão do capital agroindustrial lácteo, em Corumbaíba - um município nas áreas de Cerrado - após os anos 1990, é preciso considerar as suas especificidades, lembrando-se que as diversas estratégias utilizadas para sua territorialização fazem parte de um contexto mais amplo e da própria natureza do capital e da relação capital x trabalho, entretanto, se interagem com os elementos pré-existentes, que são específicos do lugar. Estas territorialidades pré-existentes são (re)significadas, ou no dizer de Pelá; Mendonça (2010), (Re) Existem.

O Cerrado goiano, para Pelá; Mendonça (2010) encontra-se numa encruzilhada de tempos, e é um mosaico de territórios em disputa, onde estão as estratégias diversas dos setores hegemônicos do capital, e as (Re)Existências. É por isso que:

Apesar de a modernização dos territórios cerradeiros ter promovido uma avassaladora homogeneização espacial, persistem práticas socioculturais cheias de símbolos: rurais, tradicionais, modernos, que imbricados constituem teias e tramas

complexas (PELÁ; MENDONÇA, 2010, p.66).

Para Chaveiro; Calaça (2012), existe a necessidade e o esforço em desenvolver uma abordagem totalizante do Cerrado, que reconheça os diferentes conflitos de sua inserção na economia mundial, da reorganização das classes sociais, das regiões e dos lugares, que recorra às diversas perspectivas, no campo político, econômico, social e cultural, e ainda, trate as distintas formas de apropriação e territorialização do capital. Para estes autores, deve-se reconhecer como escalas de pode _ por meio de seus elementos estratégicos _ são territorializados no Cerrado. Assim, “[...] esses agentes, atores e sujeitos por não serem iguais, nem terem intencionalidades e estratégias semelhantes agem no espaço estabelecendo conflitos e pacto” (CHAVEIRO; CALAÇA, 2012, p. 04).

A abordagem do Cerrado deve contemplar:

A representação do Cerrado feito pelo diferentes atores sociais; a intervenção do Estado e o pacto de elite no processo de ocupação; a importância das políticas territoriais e governamentais; a diferenciação regional; o corredor produtivo que se formou nas últimas décadas; o intenso processo de urbanização e a estrutura fragmentada dos municípios; a ideologização e a transformação do Cerrado como marca; o sentido estratégico de sua localização; a cultura ecológica dos povos indígenas; a estrutura da relação capital e trabalho pela hegemonia do agronegócio etc (CHAVEIRO; CALAÇA, 2012, p. 10).

Os fatores elencados por Chaveiro; Calaça (2012) demonstram a complexidade das tramas territoriais que configuram as áreas de Cerrado. Tais elementos fazem parte da paisagem goiana, que conforme Barreira (2002), é a forma mais visível da prática social que cria territórios e altera substancialmente os arranjos espaciais e territoriais preexistentes. A categoria paisagem assume destacada importância, pois se apresenta, à primeira vista, como o momento atual, embora esteja carregada de histórias cristalizadas noutros momentos, evidenciando as rugosidades, assim como os usos redefinidos ou incorporados em novos contextos. Mendonça (2004) complementa que:

A paisagem é cumulativo de tempos, mas, sobretudo, malha territorial visível e não- visível, sentida, construída historicamente pelos agentes produtivos, fundados na relação capital x trabalho. A paisagem é, portanto, composta de formas visíveis, duráveis, que lhe conferem certa estabilidade temporal e pela forma parcialmente invisível da estrutura social (MENDONÇA, 2004, p. 46).

Paisagem e espaço não são sinônimos, todavia, a paisagem, adentrando-se além da sua aparência, permite entender o espaço por meio de sua manifestação formal. Carlos (2008), afirma que sob a aparência estática da paisagem revela-se “[...] todo o dinamismo inerente ao próprio processo de existência da paisagem, uma relação fundamentada em contradições; em que o ritmo das mudanças é dado pelo desenvolvimento das relações

sociais.” (CARLOS, 2008, p. 48). A paisagem é formada por meio da reprodução espacial, por meio da relação entre o novo e o velho, e ainda, pelo processo de reprodução humana que se materializa no espaço geográfico, e é apreendido na paisagem. Portanto, “essa paisagem é humana, histórica e social e se justifica; existe pelo trabalho do homem, [...], da sociedade que a cada momento ultrapassa a anterior, [...] trabalho considerado como atividade transformadora do homem social [...].” (CARLOS, 2008, p. 48).

Numa pesquisa geográfica com o objetivo de compreender as mudanças espaciais e o processo de territorialização do capital, a observação científica da paisagem permite de início, a apreensão dos elementos visíveis, e posteriormente, dos elementos invisíveis que demonstram a processualidade e os múltiplos efeitos dessa ação no espaço geográfico. Ademais:

[...] é a partir da visualização da diversidade espacial da paisagem, que o estudioso compreenderá o espaço geográfico numa relação de decomposição e recomposição da totalidade. Possibilita-se, assim a compreensão do todo investigado, numa relação contraditória e completa (porém, não se acabada, pois são processuais. Isto já é a própria contradição em si) (SILVA, 2010, s/p).

Dessa forma, esses são alguns dos aspectos teórico-metodológicos da abordagem geográfica e as categorias de análise adotadas na pesquisa. Para tanto, no próximo item serão apresentados alguns aspectos da realidade socioespacial do lugar, (re)elaborados com a territorialização do capital agroindustrial e financeiro, resultando num espaço geográfico configurado pelos conflitos entre as dinâmicas do capital e do trabalho, ou seja, a partir da luta de classes e das diferentes territorialidades.