• Nenhum resultado encontrado

Rua do Setor Simon Bolívar em Corumbaíba (GO): residencial onde vive a classe média do Município, com lotes, casas planejadas

Autora - CARNEIRO, Janãine D. P. L. Fonte - Pesquisa de campo, junho de 2012.

Além das mudanças espaciais identificadas no espaço urbano, com a territorialização da agroindústria leiteira, a relação cidade-campo também foi/é (re)significada, conforme apresentado no próximo item.

1.3.2 A relação cidade-campo: novos conteúdos

Marques (2006) assegura que existe “[...] a necessidade de considerar a relação campo-cidade para compreender como se constituem os espaços rural e urbano, concebendo- os como constitutivos de uma totalidade dialética que os engloba [...]” (MARQUES, 2006, p. 172), uma vez que se tem uma unidade formada na diversidade. O campo e a cidade são:

[...] dois espaços que constituem meios criados a partir de uma multiplicidade de relações sociais de alcance diferenciado, estabelecidas entre indivíduos, grupos sociais e entre estes e a natureza, que dão origem a configurações sociais específicas conhecidas como ruralidade e urbanidade (MARQUES, 2006, p. 172).

Para Williams (2011) a relação cidade-campo é uma construção histórica, ou seja, deve ser analisada como uma realização da sociedade humana, avaliando criticamente as diversas formas assumidas pelas ideias, tanto as persistências quanto a historicidade dos conceitos, estando relacionadas a um contexto mais geral.

[...] nem sempre percebemos que, em seu posicionamento geral, elas representam posicionamento em relação a um sistema social global. [...] as poderosas imagens que temos da cidade e do campo constituem maneiras de nos colocarmos diante de todo um desenvolvimento social. É por isso que, em última análise, não podemos nos limitar a contrastá-las; precisamos também examinar suas inter-relações e, através destas, a forma concreta da crise subjacente (WILLIAMS, 2011, p.483).

De forma estereotipada a concepção de cidade e campo é frequentemente reproduzida pelas ciências e pelas artes como se a cidade fosse sinônimo de realização, de saber, de comunicação, de progresso e de luz, ou mesmo como lugar de barulho, mundanidade e ambição, “[...] sua mobilidade social era a escola da civilização e da liberdade.” (WILLIAMS, 2011, p. 244). Já o campo é entendido como uma forma natural de vida, cercada de paz, inocência e virtudes simples, assim como a expressão do atraso, ignorância, limitação e da obscuridade. No entanto,

A realidade histórica, [...], é surpreendentemente variada. A “forma de vida campestre” engloba as mais diversas práticas [...] e sua organização varia da tribo ao feudo, do camponês e pequeno arrendatário à comuna rural, dos latifúndios e plantations às grandes empresas agroindustriais capitalistas e fazendas estatais. Também a cidade aparece sob numerosas formas [...] mas não há em absoluto uma relação de identidade (WILLIAMS, 2011, p. 12).

Segundo Mendonça (2004), o processo de territorialização do capital no campo nas áreas de Cerrado, está relacionado aos estereótipos mencionados por Williams (2011), todavia, são reinventados e incorporados nas ações ideológicas que legitimaram o processo de modernização conversadora implantada nessas áreas. Com isso, o “[...] discurso modernizador torna-se o discurso legítimo, capaz de unir as vontades, mesmo diante da existência de outros códigos concorrentes.” (MARQUES, 2006, p. 175). Isso porque:

No caso brasileiro, a concepção de atraso, de pobreza e de isolamento é apropriada e fortalecida pelo processo de acumulação do capital, pela ideologia do progresso e do desenvolvimento. O capital reinventa a discussão acerca do sertão, tido como o interior, em oposição ao litoral – a área onde a civilização está presente, ou seja, aquelas áreas já integradas aos interesses do capital. A dicotomia campo-cidade é transposta para a distinção entre o litoral (a civilização), as áreas já incorporadas ao circuito produtivo subsumido ao capital e o sertão (selvagem), abrangendo as áreas que ainda não estavam subsumidas ao processo de produção imposto pelo capital (MENDONÇA, 2004, p. 147).

Nesse sentido, a ideologização do campo, tido pela sua natureza selvagem, precisava ser domesticada. Assim:

[...] tentou homogeneizar as diversas formas societais existentes, [...] desconsiderar qualquer vestígio das diferentes formas de produzir e de viver, características das sociedades pré-capitalistas que ocupavam essas áreas desde tempos imemoriais (MENDONÇA, 2004, p. 150).

A modernização era considerada necessária e urgente para garantir o progresso, pois seria capaz de modificar a rusticidade do campo e assegurar comodidade e conforto ao

sertanejo. Assim, “[...] não havia dúvida quanto à necessidade de introduzir as novas técnicas e o modo de vida urbano e industrial no “sertão”.” (MENDONÇA, 2004, p. 151). No entanto, esse progresso técnico, refere-se a um progresso do capital e para o capital, já que se trata do progresso a partir da adoção das técnicas capitalistas de produção como uma forma de dominação do capital sobre o trabalho.

Para Saquet (2010) existe um processo de expansão do capital no espaço rural brasileiro por meio das agroindústrias. As agroindústrias estão nas cidades e no espaço rural, por meio da integração contratual efetuada, que integra e subordina produtores familiares através do mecanismo de preços diferenciados praticado no mercado. “Há aí, mais um processo de ligação entre o rural e o urbano, inclusive, com agentes sociais de outros países, através da comercialização dos produtos, insumos, [...] prestando assistência técnica; comercializando os produtos [...].” (SAQUET, 2010, p. 174). Isso porque, por meio da agroindústria, ocorre a articulação entre os diferentes agentes sociais, espaços, lugares e territórios que integra e subordina trabalhadores familiares, proprietários e arrendatários. As indústrias, sobretudo, as agroindústrias, promovem a articulação dos produtores agropecuários com os agentes do capital, em nível nacional e internacional, tendo o Estado como mediador desse processo por meio das políticas de crédito agrícola.

A territorialização da agroindústria laticinista, Italac Alimentos, em Corumbaíba (GO), promove mudanças no que se refere à relação cidade-campo no Município. Ao se instalar na cidade a empresa intensifica a dinâmica territorial capitalista, motivada pela lógica da produção e da circulação de mercadorias. No campo, manifesta-se pela modernização da produção leiteira e promove a sujeição da renda da terra nas unidades produtoras/fornecedoras de leite. Nota-se o aumento da participação da atividade industrial na arrecadação municipal, a elevação dos índices de urbanização e a mobilidade do trabalho.

O Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) é indicador da relevância da atividade industrial, do comércio e dos serviços para a economia de Corumbaíba (GO). De acordo com a Secretaria de Gestão e Planejamento do Goiás (SEGPLAN), em 2000 o ICMS era de R$ 4.949 (mil), em 2011 foi de R$ 21.859 (mil). A participação da atividade industrial foi R$ 7.642 (mil) ICMS Indústria e a agropecuária de R$ 4.573 (mil) ICMS Produção Agropecuária, conforme mostra a Tabela 7. No total, a taxa de ICMS apresentou um crescimento do 77,3%. De 2007 a 2011, o Comércio atacadista e distribuidor apresentou um aumento de 57%, já o Comércio varejista cresceu 69%. A Agropecuária, no mesmo período, cresceu 49%, já a Indústria aumentou 39% entre 2007 e 2010, mas decaiu 6,3% em 2011. A

Prestação de serviços apresentou declínio de 71%, passando de R$ 63 (mil) em 2007 para R$ 18 (mil) em 2011.

Tabela 7 - Evolução da arrecadação do ICMS em Corumbaíba (GO), segundo setores da economia (1998-2011) (R$ mil) Setor da Economia 1998 2000 2005 2007 2008 2009 2010 2011 Comércio atacadista e distribuidor - - - 3.608 6.680 6.860 6.780 8.388 Comércio varejista - - - 220 268 408 571 707 Indústria - - - 4.902 8.092 11.275 8.156 7.642 Prestação de serviços - - - 63 72 47 21 18 Produção agropecuária - - - 2.300 3.032 4.175 4.479 4.573 Outros - - - 32 16 06 436 526 Total 1.274 4.940 8.856 11.317 15.090 22.774 20.448 21.859 Fonte - SEPIN GO (2012).

Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012.

Identifica-se também o aumento da participação do setor industrial na arrecadação de ICMS do Município. Esse crescimento é atribuído ao Laticínio Italac Alimentos, uma vez que a empresa é a maior do setor no Município. Mesmo que o crescimento do ICMS Indústria tenha sido acompanhado pelo crescimento do ICMS Agropecuária, a maior parte na arrecadação do município, em quantidade, é representada pela indústria, mesmo com as oscilações, o que demonstra a importância cada vez maior desta atividade econômica.

Ao analisar a relação cidade-campo em Corumbaíba, entre os anos 1991 e 2010, também é possível observar alterações no que refere à urbanização. Segundo os dados da Tabela 8, se, por um lado, ocorre crescimento da população urbana em Corumbaíba, por outro lado, ocorre o decréscimo da população rural. Vale destacar que no total de população rural do Município são contabilizadas as populações dos Povoados do Areião e da Ponte Quinca Mariano, com um total aproximado de 159 e 187 habitantes, respectivamente19. Isso justifica o índice elevado de habitantes no campo, se comparados á média de Goiás e do Brasil. Segundo o IBGE (2010) a taxa de urbanização em Goiás foi de 90,29 % e a do Brasil foi de 84,4% em 2010.

A Tabela 8 mostra que a taxa de urbanização20 em 1991 foi de 59,23%, passando para 72,5% em 2000, registrando um aumento de 13,72%. Já em 2010, a taxa de urbanização foi 77,1%, registrando um crescimento de 4,15%, mostrando que o índice de migração

19 A quantidade de habitantes do Povoado do Areião e do Povoado Ponte Quinca Mariano é um dado

aproximado.

20 O termo urbanização aqui utilizado refere-se ao aumento da população que vive em cidades em relação à

campo-cidade diminuiu nesse período em relação à 1991/2000, mesmo que a maior parte da população do município esteja na cidade. ´

Tabela 8 - Taxa de urbanização - Corumbaíba (GO) (1991-2010)

Ano População Total População Rural Taxa (%) População Urbana Taxa (%)

1991 5.529 2.254 40,77 3.275 59,23

1996 5.970 1.926 32,27 4.044 67,73

2000 6.655 1.800 27,05 4.855 72,95

2004 7.233 1.646* 22,75 5.356* 77,25

2010 8.181 1.874 22,90 6.307 77,1

Fonte - IBGE (2010); SEPIN (2012).

Organização - CARNEIRO, Janãine D. P. L., 2012.

Em Corumbaíba (GO) a situação não é diferente, da maior parte dos municípios brasileiros, onde cada vez mais as pessoas saem do campo para habitar a cidade e/ou cidades próximas. Assim, o crescimento populacional verificado na cidade de Corumbaíba (GO) não está relacionado ao número de nascimentos, mas ao aumento de migrantes recebidos. O principal atrativo para essa população é a intensificação da atividade agroindustrial presente no Município, destacando-se o Laticínio Italac Alimentos, que oferece mais de 600 vagas de emprego diretamente, constituindo-se na maior fonte particular de empregos na cidade, conforme já referido anteriormente.

Mesmo diante das limitações dos dados oficiais nota-se em Corumbaíba (GO) a mobilidade de força de trabalho, outra manifestação da inter-relação entre campo e cidade, uma vez que há no Município, moradores oriundos do campo, proprietários rurais ou seus filhos. Isso, para Saquet (2010) contribui para a expansão do sítio urbano, além de reproduzirem na cidade, aspectos da sua vida rural, tais como, hortas, pomares e jardins, hábitos alimentares, dentre outros. Além disso, a mobilidade do trabalho faz com que a renda dos agricultores seja ampliada com os novos empregos na cidade, aumentando o poder de compra das famílias, o que promove maior circulação de mercadorias, entre o campo e a cidade e entre as cidades.

Na Foto 17 observa-se uma moradia de trabalhadores na Vila da Prata em Corumbaíba (GO). Nesta moradia identifica-se a presença de um pomar formado por diversas árvores frutíferas, uma prática comum nas demais moradias do bairro. Esta é uma paisagem comum nesse bairro, assim como, no Setor Vila Nova, onde a maioria das casas tem jardim, pomar e o cultivo de hortaliças, mandioca e milho, bem como, em algumas, a criação de galinhas e porcos. Para estas famílias, o cultivo de alimentos é uma tradição e constitui-se fonte de complementar de renda. Tem-se também, nesses bairros, a criação de animais domésticos, tais como, cães e gatos (PESQUISA DE CAMPO, 2012).