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Foto 32 – Vagão utilizado para a alimentação do gado na Fazenda Santa Bárbara em Corumbaíba (GO)

3.2.3 As unidades de produção camponesas

[...] o campo está, também, contraditoriamente, marcado pela expansão da agricultura camponesa, onde o capital monopolista desenvolveu liames para subordinar/apropriar-se da renda da terra camponesa, transformando-a em capital. Aqui o capital não se territorializa, mas monopoliza o território marcado pela produção camponesa.

(OLIVEIRA, 2004)

Para Paulino (2012), diante das profundas e recentes mudanças na base técnica da agricultura, predominam as concepções de que o campo é marcado pela modernização e pelas relações tipicamente capitalistas de produção, o que não corresponde à realidade. Desse modo, é iminente a necessidade de repensar estas concepções homogeneizantes a partir dos fundamentos teórico-metodológicos pautados na contradição. Os mecanismos de territorialização e reprodução do capital no campo são heterogêneos e contraditórios envolvendo relações efetivamente capitalistas e relações não capitalistas de produção.

As relações de produção não capitalistas são incorporadas no processo de reprodução do capital porque o capitalismo no seu contínuo processo de expansão redefine relações antigas, subordinando-as à reprodução do capital, ao mesmo tempo em que engendra relações não capitalistas, contraditoriamente, necessárias a essa reprodução (MARTINS, 1981). Além disso, “O capitalismo necessita, para sua própria existência e desenvolvimento, estar cercado por formas de produção não capitalistas” (LUXEMBURGO, 1983). Dentre essas relações estão as unidades camponesas de produção.

Segundo Chayanov (1974), a economia camponesa não é tipicamente capitalista, por isso não se pode determinar objetivamente os custos de produção pela ausência dos “salários”. O retorno que obtém um camponês após o fim do ano econômico não pode ser conceituado como lucro, conforme ocorre com os capitalistas. O camponês, ao utilizar a sua força de trabalho e da sua família, tem o excedente como retribuição ao próprio trabalho e não como lucro, destinado ao consumo familiar de bens e serviços.

Conforme Santos (1978) na sociedade capitalista, o camponês é um personagem não especificamente capitalista, já que a relação social capitalista pressupõe a separação entre o trabalhador e as condições objetivas da produção (objeto e meios de trabalho). Isso ocorre por quatro aspectos centrais, enumerados por Santos (1978): primeiro, o camponês inserido no modo de produção capitalista não se relaciona com a terra como uma condição natural de produção, mas sua relação é determinada pelo fato de a terra ser um equivalente de mercadoria; segundo, o camponês detém a propriedade sobre os meios de produção; terceiro, o camponês possui os modos de vida necessários a sua manutenção como produtor; e quarto, o camponês não se inclui como parte direta das condições objetivas de produção, mas enquanto proprietário das condições de seu trabalho.

Ainda segundo Santos (1978), os elementos que constituem a unidade produtiva camponesa são: a força de trabalho familiar; as práticas de ajuda mútua – representadas por

mutirões e trocas de dias de serviço –; o trabalho acessório camponês – que acontece quando um camponês passa a ser um assalariado temporário de outro camponês, diante da demanda por mão de obra em algum período -, a força de trabalho assalariada – quando o camponês utiliza trabalho assalariado em momentos críticos de demanda na propriedade -; a socialização do camponês, a propriedade da terra, a propriedade dos meios de produção, jornada de trabalho combinada com as necessidades da propriedade, bem como, a reprodução simples da família camponesa.

Em Corumbaíba (GO) a maior parte dos proprietários rurais, sobretudo, os que se dedicam à produção leiteira, são os camponeses. Estes detêm a propriedade da terra e dos demais meios de produção, possuem modos de vida que lhe garantem a sua reprodução enquanto camponês e enquanto proprietários das condições de seu trabalho. Com efeito, são proprietários da terra onde vivem com sua família e produzem o leite, assim como do gado e dos demais equipamentos necessários para a produção. Como força de trabalho, utilizam a própria mão de obra e de sua família para garantir a sua reprodução e a permanência na terra.

Para Shanin (2005), os camponeses devem ser compreendidos a partir de um contexto histórico social mais amplo, ou seja, como parte de uma formação social, e ainda, com base nas suas especificidades, encontradas na realidade. Nesse sentido os camponeses:

[...] não são um modo de produção porque lhes falta a estrutura político-econômica relativamente autossuficiente, isto é, os sistemas mais significativos de exploração e apropriação do excedente têm sido, de modo geral, externos a eles. Desnecessário dizer que os camponeses não são todos “iguais” e que toda comunidade camponesa dispõe de estruturas complexas de exploração interna “de vizinhança” frequentemente encadeada em redes de “apadrinhamento”. Entretanto, para a maioria dos camponeses, a desigualdade (e a exploração) intracamponesa é secundária, diante da extra camponesa, tanto em termos da quota extraída quanto da maneira como agem sobre eles a dinâmica estrutural e a estrutura de classes (SHANIN, 2005, p. 11).

Os camponeses devem ser analisados a partir da sua camponesidade e com referências ao contexto histórico a que está vinculado. No dizer de Paulino (2012):

[...] como elemento de dentro do capitalismo, esses sujeitos seguem, incorporando técnicas, produzindo mercadorias sem, contudo tornarem-se capitalistas face ao controle dos meios de produção; sem tornarem-se proletários, ainda que o trabalho familiar seja fundamento de sua reprodução (PAULINO, 2012, p. 74).

Nessa perspectiva, os camponeses devem ser compreendidos a partir das suas diferenciações e particularidades, sobretudo, como parte do capitalismo, uma vez que, não é possível isolar o campesinato das condições produtivas deste modo de produção. Para Paulino (2012) a condição de ser camponês tem sido estabelecida de forma equivocada por grande parte das pesquisas de Geografia Agrária no Brasil. O campesinato faz parte do capitalismo, ademais,

Conforme foi demonstrado, a atividade camponesa não inverte as bases da acumulação ampliada; nota-se exatamente o contrário, pois o fato de estar assentada em relações não tipicamente capitalistas, visto que o excedente de renda gerado é passível de ser apropriado pelo capital sob duas formas: direta ao ocorrer a intermediação entre os produtores e os consumidores finais, num circuito que passa pelo rebaixamento do preço inicial do produto à sua supervalorização nas etapas subsequentes; indireta, ao serem despendidos menos recursos com o pagamento de salários, visto que a reprodução da força de trabalho tem o custo reduzido quando parte dos alimentos é produzida sem que a remuneração dos produtores seja mediada pela extração do lucro médio (PAULINO, 2012, p. 45).

De acordo com Paulino (2012), a inserção do camponês no mercado não estabelece a sua extinção no modo de produção capitalista. O camponês não deixa de ser camponês quando vende seus produtos, ou recorre ao mercado para adquirir outros produtos inviáveis de serem produzidos nas unidades camponesas. Essa concepção está relacionada à abordagem desses sujeitos como seres sociais isolados e ausentes nas relações de mercado. Contudo, o mercado também pode ser uma estratégia de fortalecimento, por também constituir fonte de renda e “[...] por permitir aos camponeses dedicarem-se com mais afinco aos cultivos mais rentáveis, adquirindo no mercado aquilo cuja produção própria lhe roubaria tempo e recursos preciosos, principalmente a terra” (PAULINO, 2012, p. 56). Com isso, “Não se pode afirmar [...] que os camponeses rejeitem o progresso material, mas que eles o condicionam à garantia de autonomia [...]” (PAULINO, 2012, p. 49).

Nas unidades camponesas produtoras de leite em Corumbaíba (GO) nota-se a inserção desses produtores no mercado, pois comercializam a produção e, com a renda que obtém, adquirem os produtos que não dispõem e também os produtos necessários para a produção leiteira. Todavia, permanecem autônomos para decidir em que medida devem se inserir na lógica do mercado e investirem nesta produção, adotando a inovação técnica.

Quando questionados sobre o porquê de não modernizarem a produção em suas propriedades, os camponeses entrevistados revelam que não pensam nisso, pois acham o preço do leite muito baixo para garantir o retorno do investimento que é alto. Diante disso, esses produtores da bacia leiteira de Corumbaíba (GO) mostram-se desmotivados para investirem na modernização da atividade e mantém uma pequena produção, como garantia de renda fixa, mantendo-os no setor, todavia no patamar de pequenos produtores não especializados.

Constantemente, os camponeses são induzidos pela agroindústria laticinista por meio da política de preços _ com o amparo do Estado _ a aumentar a produção e melhorar a qualidade do leite. Como não o fazem, são penalizados com pagamento do produto por preços menores, se comparados aos grandes produtores especializados. Com a comercialização do produto, os camponeses são inseridos no processo de reprodução do capital por meio da

sujeição da renda da terra. Em contrapartida, também adquirem renda, o que garante a sua reprodução social e a permanência na terra.

Com a produção camponesa, a agroindústria laticinista garante o fornecimento de matéria prima a preços baixos para atender ao mercado, o que significa maior lucratividade. Essa é uma das razões para a manutenção das unidades camponesas no modo de produção capitalista. Isso porque a política de diferenciação de preços por qualidade e quantidade do leite implantada pelo Laticínio é mais uma estratégia do capital para aumentar as taxas de lucro, já que a compra do produto de qualidade inferior, por preços menores é mais vantajosa. Na realidade, o leite considerado de qualidade inferior é misturado ao considerado de qualidade superior. A mistura acontece já no caminhão-tanque utilizado para a coleta a granel nas propriedades rurais e é ampliada ao chegar à plataforma de descarga na fábrica, onde todo o produto é armazenado em tanques e submetido ao mesmo processo de beneficiamento.

Então, a qualidade do leite coletado nas propriedades não influencia na qualidade do produto final, pois ao fabricar o leite UHT longa vida ou os demais produtos lácteos, a tecnologia e o processo físico-químico de fabricação eliminam as diferenças de qualidade do produto in natura, o que não justifica a diferença de preços pagos aos produtores, pelo contrário, mascara a perversidade da relação camponês-indústria, semelhante ao que ocorrera com os camponeses produtores de uva no sul do país, analisados por Santos (1978). Portanto, quanto menor o preço pago aos produtores pela matéria prima, maior será o lucro dos capitalistas. Para Santos (1978), essa é uma estratégia da indústria para efetivar mais um elo de exploração do camponês.

Por sua vez, a comercialização do leite produzido nas unidades camponesas é necessária para a reprodução da família e a sua permanência na terra. Com isso, têm-se as contradições, pois ao mesmo tempo em que a venda do leite promove a sujeição da renda da terra e a subordinação formal do trabalho ao capital, também contribui para a reprodução da família camponesa e a sua permanência na terra.

Para Cristina dos Santos (2004):

[...] no processo de trabalho do pequeno produtor de leite ocorre a subordinação formal do trabalho ao capital, à medida que o produtor sendo proprietário dos meios de produção, tais como a terra, animais e equipamentos, tem seu produto subjugado no momento de sua transformação em mercadoria. [...] A subordinação da pecuária leiteira ao capital não é recente, mas se aprofundou ainda mais após as transformações ocorridas nos anos 1990 [...] (CRISTINA DOS SANTOS, 2004, p. 82).

Nas propriedades camponesas são desenvolvidas diversas atividades agropecuárias, além da pecuária leiteira. Dentre as atividades destinadas ao mercado, em três das

propriedades, observou-se a criação de bezerros para corte. Em todas elas, as produções de frango caipira e suínos são para o consumo da família, mas o excedente é vendido no comércio local. As plantações de mandioca e árvores frutíferas nas sedes das propriedades são identificadas em todas as propriedades. As hortaliças e o milho também são cultivados em todas elas nos respectivos períodos de safra. Mesmo assim, a pecuária leiteira é a única fonte de renda mensal dos camponeses. Daí a sua relevância para a reprodução das famílias na terra.

Foto 35 – Sede de propriedade camponesa em Corumbaíba (GO): moradia, pomar e mandiocal

Autora – CARNEIRO, Janãine D. P. L.

Fonte - Pesquisa de campo, fevereiro de 2013.

Foto 36 – Plantação de milho numa propriedade camponesa em Corumbaíba (GO)

Autora – CARNEIRO, Janãine D. P. L.

De acordo com Paulino (2012), a pluriatividade é comum na maior parte das propriedades camponesas, que articulam as atividades destinadas ao mercado e outras, destinadas ao sustento da família e da propriedade, como o cultivo de milho, mandioca, hortaliças, frutas, aves e suínos.

Segundo os presidentes do Sindicato dos Produtores Rurais (SR) e do Sindicato dos Trabalhadores e Trabalhadoras Rurais (STTR), a pecuária leiteira está presente em quase todas as propriedades rurais em Corumbaíba (GO). Dentre elas, a maioria é de pequenas propriedades cuja produção tem destinos diversos, conforme já evidenciado. Nesse sentido, a produção de leite é considerada viável pelos camponeses, embora reconheçam os problemas enfrentados para permanecerem no mercado e também a exploração capitalista, representada pela agroindústria, que vem sofrendo a partir da comercialização do produto.

De acordo com Paulino (2012), a opção dos camponeses por produzirem culturas alimentares de baixo rendimento, tais como o leite, está vinculada à ocupação da mão de obra familiar, o que lhes assegura rendimentos brutos maiores. Os camponeses não têm recursos suficientes para investirem em culturas mais rentáveis, além disso, os meios de produção são limitados e não possuem capital para suportar os riscos inerentes às atividades de maior rendimento.

Em Corumbaíba (GO), a opção pela prática da pecuária leiteira nas pequenas propriedades pode ser explicada conforme a lógica territorial camponesa, já que:

[...] o que determina a pecuária [...] é a busca de estratégias produtivas que permitem a ocupação da mão-de-obra familiar, sem a realização de grandes inversões de dinheiro com retorno incerto, que a tornou a substituta mais adequada aos cultivos tradicionais. [...] o cuidadoso cálculo que fazem é no sentido de definir um limite para o jogo travado com o mercado, limite esse que consiste na manutenção dos meios de produção (PAULINO, 2012, p. 209).

Nessa perspectiva, a escolha dos camponeses pela produção leite está vinculada aos recursos disponíveis na propriedade, tais como a terra, o rebanho bovino e a força de trabalho familiar. Esses recursos possibilitam a prática da atividade sem grandes investimentos de capital e constitui importante fonte de renda para as famílias, contribuindo sobremaneira para a reprodução social das mesmas. Na avaliação dos camponeses a pecuária leiteira, mesmo diante de tantos problemas enfrentados para se manterem no mercado, é viável por não representar grandes riscos de prejuízos. Essa concepção é evidenciada no depoimento de um dos camponeses:

Olha, a gente num fica rico com leite não [...] eu fico aqui na minha terrinha, tirei leite a vida inteira [...] o dinheiro do leite dá pra pagar as conta de todo mês, é como se fosse um salário [...] quando tem alguma despesa a mais vendo uns bezerros [...] mas também se não tem muito investimento, não dá prejuízo, sabe [...] dá pra manter

as coisas [...] agora, num dá pra enfiar a cara não [...] tem que ter outras coisas (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Com isso, a pecuária leiteira se faz presente na maior parte das propriedades camponesas em Corumbaíba (GO). A opção pela atividade não é aleatória, tampouco está relacionada apenas à situação de mercado, pelo contrário, perpassa pela estrutura interna da propriedade e pela análise de conjuntura que os envolve. Na realidade, é “[...] uma combinação de fatores em que a equação custos-renda-riscos comparece como preponderante na referida escolha” (PAULINO, 2012, p. 208).

Uma das características do território camponês é a combinação de diferentes formas de emprego da força de trabalho familiar. A pecuária leiteira se ajusta às condições internas da propriedade, ou seja, é uma atividade que possibilita a reprodução da família, sendo considerada viável do ponto de vista das condições objetivas internas e, também do mercado (PAULINO, 2012).

No que se refere à mão de obra, um dos camponeses acrescenta: “[...] levanto cedo, tiro o leite mais meu filho, antes dele ir para a escola. Depois é só apartar as vacas. Sobra tempo para mexer com outras coisas na roça [...] nóis mesmo tira sozinho (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

Sobre a infraestrutura na propriedade um dos entrevistados assegura: “Pra produzir leite eu preciso de umas vacas, do balde e do curral. Eu produzo pouco, é uns 120 litros, mas não quero aplicar um rio de dinheiro para produzir muito, então eu não tenho prejuízo [...]” (PESQUISA DE CAMPO, 2013).

A importância da pecuária leiteira é crescente e passou a ser relevante na reprodução social dos pequenos e médios proprietários rurais, na medida em que proporciona um fluxo regular de renda, que não é oferecida por nenhum outro produto agrícola, tendo em vista a falta de capitais para investimentos em infraestrutura, correção dos solos, fertilizantes, sementes, máquinas, dentre outros procedimentos indispensáveis às outras atividades agrícolas. Tais procedimentos também são necessários para a produção de leite, contudo, a sua ausência não impede a produção (CRISTINA DOS SANTOS, 2004).

A produção de leite também significa “fartura” para os camponeses, pois é utilizado na alimentação da família, tanto in natura, quanto no preparo de outros alimentos, como requeijão, doces, queijos, quitandas, dentre outros. O soro produzido na fabricação dos queijos também serve de alimento para os suínos destinados ao consumo da família, cujo excedente também é comercializado no mercado local (PESQUISA DE CAMPO, 2013).