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1. EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA ATER: INFLUÊNCIAS E DETERMINANTES

1.3. A ATER e a sua inserção no (novo) desenvolvimento rural

Aqui, torna-se relevante uma breve incursão no ambiente no qual se desenvolve o trabalho de ATER e, o mais importante, uma incursão sobre as consequências produzidas pelo seu esforço. Assim, para que se tenha uma caracterização da ATER naquilo que se relaciona com o seu alcance, enquanto instrumento de política agrícola, é adequado que se discuta o seu papel no processo de desenvolvimento rural, desaguadouro natural das ações da ATER.

Segundo Kageyama (2008), o "desenvolvimento rural não é identificado com crescimento econômico, mas visto como um processo que envolve múltiplas dimensões: econômica, sociocultural, político-institucional e ambiental" (KAGEYAMA, 2008, p. 52). Ou seja, em sua trajetória evolutiva mais recente, vertentes como desenvolvimento humano e sustentabilidade ambiental passaram a integrar o conceito de desenvolvimento rural. Essa evolução incorpora não mais e tão somente a visão de desenvolvimento, medido apenas pelo crescimento do produto, mas avança em perceber o desenvolvimento como progressos nos campos do bem-estar e ambiental.

Nesse sentido, ao se cotejar a estrutura conceitual da ATER, discutida até aqui, com as quatro dimensões do (novo) desenvolvimento rural, mencionadas no parágrafo anterior, percebe-se que o trabalho de ATER, em maior ou menor grau, expressa um relevante potencial de contribuição a todas elas.

Kageyama (2008), ao relacionar bem-estar e desenvolvimento, faz referência às ideias de Amartya Sen, segundo as quais o padrão ou a qualidade de vida não se mede pela posse de um conjunto de bens, nem pela utilidade deles decorrente, mas está presente nas capacidades (capabilities) de que os indivíduos possuem para mobilizar os bens e deles obterem satisfação ou felicidade.24

Também sob o enfoque das capacidades, parece aceitável imaginar uma importante contribuição potencial da ATER para o desenvolvimento rural sustentável, no sentido da possibilidade de, por intermédio de um processo educativo, despertar e aprimorar as capacidades presentes nos indivíduos (produtores rurais e comunidades) de modo que eles próprios possam assumir o protagonismo do seu desenvolvimento.

Implícito está o papel educativo da ATER, referido anteriormente, assim como o papel de "difusão de inovações", este mais relacionado às dimensões econômica e ambiental.

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Ideias contidas no clássico "Poverty and famines: an essay on entitlement and deprivation", 1982, de Amartya Sen.

Assim, a contribuição potencial da ATER estaria presente na consecução do objetivo do processo de desenvolvimento, que seria viabilizado pela expansão e aprimoramento das capacidades humanas, assim como pelo crescimento econômico, sendo este menos importante, embora necessário para o alcance daquele.

No plano objetivo, as transformações por que passa o conceito de desenvolvimento rural, algo apontado por Vander Ploeg et al (2000), já eram perceptíveis na Europa por volta dos anos 2000 e já presentes nos dias atuais noutros países, inclusive no Brasil.

De acordo com Van der Ploeg et al. (2000), a agricultura continuará no núcleo do desenvolvimento rural, entretanto, o paradigma da modernização agrícola como elemento central para o aumento da renda no meio rural cedeu lugar para a produção de outros produtos e serviços, que configuram um novo modelo para o desenvolvimento rural.

A nova base desse novo modelo não privilegia as economias de escala e a verticalização da produção, opta, sim, por mais flexibilidade da organização da produção e por valorizar a pluriatividade do núcleo familiar (Van der Ploeg et al., 2000, p. 393).

O novo modelo surgiu na Europa como se fora uma resposta às consequências do modelo anterior, que suscitou no mesmo estudo o seguinte comentário:

O êxodo rural, a diminuição do número de fazendas e uma queda acentuada nas oportunidades de emprego eram vistos como o resultado inevitável deste modelo. Além disso, aumentaram as disparidades regionais e cresceram as tensões entre a agricultura, por um lado, e paisagem, natureza, meio ambiente e qualidade de produtos, por outro. (Van der Ploeg et al., 2000, p. 392; tradução nossa)

Nessa nova configuração, está presente, por exemplo, a produção de bens públicos como a "gestão da natureza" (paisagem), onde sinergias e articulações são construídas e geridas não mais apenas no plano de uma propriedade rural, mas na perspectiva de um ecossistema, envolvendo muito mais atores. Surgem, também, outras oportunidades de negócio como o turismo rural, o artesanato rural, os produtos orgânicos, o aproveitamento da pluriatividade familiar e da multifuncionalidade da agricultura, dentre outras.

Enfim, essa nova base do desenvolvimento rural, um processo que envolve várias instâncias, vários e novos atores, e inúmeras feições, cria novos produtos e serviços associados a novos mercados, privilegia os recursos internos às fazendas e à região ou território e valoriza a "redução de custos, a partir de novas trajetórias tecnológicas" (VANDER PLOEG et al., 2000, pp. 391-6).

Acrescente-se que, sob a influência desse movimento, pode-se pressupor o surgimento de um rico ambiente de inovações e de aprendizagem, que produzirá outros avanços

decorrentes, inclusive nos padrões de formação e desenvolvimento de pessoas, como explicam Corazza e Bonacelli (2014):

A inovação envolve a interação de agentes distintos, que aprendem com essa dimensão interativa. A aprendizagem está socialmente imersa.... Ela é um processo e envolve cumulatividade e path dependence (existem trajetórias ou vias de progressão que se delineiam em função das capacidades cognitivas dos agentes envolvidos, por exemplo). (CORAZZA; BONACELLI, 2014, p. 106)

Por último, e como consequência imediata e direta dessas transformações em curso no processo de desenvolvimento rural, é possível imaginar que, no caso do Brasil, deve emergir a necessidade do aprimoramento dos perfis profissionais voltados para lidar com esses novos serviços, produtos e negócios, especialmente no que se relaciona ao assessoramento aos novos empreendedores e a toda a cadeia que passa a se estabelecer a partir dessa nova configuração.

Do conjunto dos profissionais envolvidos, tanto na esfera pública quanto privada, os profissionais de ATER seguramente estarão entre aqueles com maior afinidade aos novos padrões de aprimoramento da sua formação profissional, tendo em vista os seus vínculos com a realidade rural e o background acumulado ao longo do tempo, elementos facilitadores de sua atuação mesmo em novos cenários.

Dessa constatação, deriva uma outra que diz respeito aos formadores dos profissionais envolvidos com o novo desenvolvimento rural, em especial, os agentes de ATER. Ou seja, a nova feição do desenvolvimento rural demandará dos profissionais do ensino um novo projeto de formação profissional, haja vista serem eles responsáveis por interpretar a situação atual, projetar os cenários futuros, aperfeiçoar os perfis dos profissionais atuais e formar os novos profissionais que deverão estar habilitados atuar no novo desenvolvimento rural.

Nesse sentido, duas perguntas parecem pertinentes: estarão os serviços de ATER governamental no Brasil estruturados com profissionais de perfil compatível com as novas demandas e os novos desafios do novo desenvolvimento rural? E a segunda: estará o sistema de ensino preparado para (re)formar esses "novos" profissionais?

1.4. A centralidade da inovação nos desafios da agricultura no mundo e no Brasil: o papel