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Síntese dos "elementos" e os insumos para novos atributos da ATER

2. SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO E A VERTENTE AGRÍCOLA: TEORIA E

3.3. Síntese dos "elementos" e os insumos para novos atributos da ATER

O objetivo desta seção é extrair da narrativa dos países selecionados, ordenada nos "Elementos de Síntese”, o que há de mais relevante nas experiências visitadas, ou seja, formular uma síntese dos "elementos de síntese". Com esta, busca-se destacar daqueles temas tidos como relevantes, aqueles essenciais, na medida em que possam se constituir em insumos para a discussão de um novo perfil para a ATER e para o extensionista do Brasil.

A primeira consideração, à luz das experiências dos países selecionados, diz respeito à demarcação conceitual entre a agricultura empresarial, mesmo de pequeno

porte, e a agricultura familiar, dependente da ação governamental direta, que inclui as áreas de reforma agrária. Para o primeiro caso, "agricultura empresarial", todos os países visitados dispõem, cada vez mais, de serviços de assistência técnica (também denominados de consultoria, aconselhamento ou assessoria) prestados por empresas privadas ou por profissionais autônomos ou prestados pelas organizações dos próprios produtores, portanto de algum modo, financiados pelos produtores, serviços que vêm crescendo e adequadamente atendendo à demanda. No caso da agricultura familiar, incluídas as áreas de reforma agrária, caso específico da África do Sul e da Argentina e do Brasil, o serviço de ATER é, na maioria dos casos, oferecido diretamente pelo governo, ou financiado por este e executado por intermédio de organizações não governamentais. Nesse caso, o papel do governo tem sido de presença permanente, embora com crescentes dificuldades de financiamento e operacionais, o que se desdobra em casos de recorrente precariedade. Assim, os elementos a serem destacados aqui, embora tratem da ATER como um todo, devem levar em conta essa demarcação conceitual, que reflete em maior ou menor grau o fenômeno da heterogeneidade estrutural presente na agricultura, destacadamente na África do Sul, porém comum em outros países, como é o caso do Brasil.

Feitas essas considerações iniciais, o primeiro elemento essencial, recolhido da “visita” aos países selecionados, que pode contribuir para a configuração de um novo perfil para a ATER, diz respeito à necessidade da presença diretiva de um “Sistema Nacional de Inovação Agrícola”, no qual se insira o serviço de ATER e que integre os demais atores, todos responsáveis pelo processo inovativo. Portanto, em um novo perfil da ATER, não há espaço para a abordagem linear, mesmo que ainda presente em muitas realidades.

O segundo elemento está relacionado com um traço comum nas experiências exitosas visitadas que é a presença orgânica do “Ensino” na base do conhecimento agrícola que alimenta continuadamente a Pesquisa e a ATER em todas as dimensões da sua atividade, não apenas junto aos produtores, com também junto aos mercados. No mesmo caminho da integração de serviços, cabe destacar as experiências dos Estados Unidos, em cujo modelo a universidade congrega a pesquisa e a extensão rural, assim como o modelo argentino, no qual Pesquisa e Extensão estão juntas no INTA, experiências que demonstram a longevidade como uma característica relevante da sua atuação. Esse modelo, embora não assegure, tende a produzir canais de articulação e integração de conteúdos mais ágeis e mais próximos da realidade do produtor, do que o modelo com instituições individualizadas.

O terceiro elemento essencial identificado com a conformação de um “novo perfil para a ATER” se relaciona com o conjunto das novas demandas impostas à agricultura e que exigem da ATER e do profissional de ATER e da pesquisa uma postura técnica compatível e sintonizada com esses novos desafios que demandam novos conhecimentos, habilidades e competências. Um novo perfil que incorpora também o modelo das privatizações, que recebeu críticas, pelo menos na Europa, onde marginalizou da modernização aqueles produtores que não tinham condições de pagar pelos serviços de consultoria ou de apoio técnico.

Nesse conjunto, estão as “mudanças climáticas” que já estão a exigir uma completa reformulação dos conceitos, dos espaços e dos sistemas de produção sob pena de comprometer o objetivo central da segurança alimentar. Não menos importante, a “multifuncionalidade da agricultura” se constitui numa outra demanda presente nas experiências selecionadas que inevitavelmente provocará mais mudanças no perfil atual dos agentes de pesquisa e de ATER.

Além das características específicas de cada realidade rural, moldando a ação do agente de ATER, como aquelas relativas ao assessoramento aos novos “negócios de base agrícola” e à “atração de investimentos”, questões comuns na experiência dos Estados Unidos, mas absolutamente urgentes noutras realidades, dentre as quais a brasileira.

De igual importância, adicione-se aquela trazida pela exigência de “novas normas e padrões”, relacionados às questões ambientais, qualidade dos alimentos e de saúde do trabalho, comuns na França e Europa e, por certo, em breve noutros países. Somam-se a essas novas demandas aquela relativa às “novas formas de organizações” dos produtores (clusters, rede, pool, etc.) e a crescente “participação feminina” na atividade agrícola, movimentos para os quais a ATER e a pesquisa terão necessariamente de se capacitar para promover mais fluidez no diálogo. A prática da “agricultura de base agroecológica”, com destaque para a agricultura orgânica é outra imposição dos novos tempos na realidade dos países selecionados e de muitos outros. Essa forma diferenciada de fazer agricultura impõe uma reformulação expressiva de conceitos e de currículos e do modo de atuação de pesquisadores, extensionistas e educadores, produzindo, seguramente “novos perfis” profissionais institucionais e curriculares.

As experiências dos Estados Unidos (Conselhos) e França (Câmaras de Agricultura) quanto ao papel da organização dos produtores, influenciando diretamente os destinos da política agrícola do país, da ATER e da pesquisa, revelam a diretriz de estimulo ao protagonismo dos produtores nas decisões em âmbito nacional, significando também, um

antídoto eficaz contra as interferências políticas nefastas à boa gestão da pesquisa e da ATER, principalmente, e ainda presentes entre nós.

Um último elemento está vinculado à “emergência da TICs” nas atividades agrícolas, constituindo-se em instrumento de transformação profunda das práticas de todos os atores do SNIA. Embora a inserção das TICs na realidade rural de países como Brasil, Argentina e África do Sul ainda seja tímida, esse é um movimento irreversível e que provocará mudanças substantivas na relação produtor/extensionista/ pesquisador.

Por fim, do conjunto dos elementos mais relevantes recolhidos da “visita” aos quatro países selecionados é razoável perceber que agricultura, no seu sentido mais completo, vem operando transformações importantes na busca da superação dos desafios que lhe são impostos, atuais e futuros. Essas transformações repercutem em todo o mercado e, de modo especial, repercutem também no SNIA.

O resultado final é que atividade agrícola vai assumindo novas feições, sem, contudo, abandonar as suas principais responsabilidades históricas com a segurança alimentar e com a redução da pobreza. No entanto, as novas feições exigem mais competitividade com sustentabilidade, uma equação de resolução complexa que demanda um novo aparato de conhecimento e de apoio técnico e institucional.

Nesse caso, insere-se o extensionista/consultor técnico, instado a contribuir com os novos padrões da agricultura, o que lhe exige novos atributos, que abrangem, dentre outras áreas: o domínio sobre a abordagem do desenvolvimento territorial; a sensibilidade para a descoberta e atração de novos negócios de base agrícola; a habilidade para o estímulo ao empreendedorismo; a capacidade de atuar numa agricultura multifuncional; o conhecimento de normas relativas a questões ambientais, de qualidade dos alimentos e de saúde do trabalho; desenvoltura na articulação com organizações/representações de produtores; competência no trato das questões de mercado e de marketing; competência técnica no manejo de questões ligadas às mudanças climáticas; habilidade para lidar com a emergência da liderança feminina nos negócios agrícolas; habilidade no uso de novas ferramentas de trabalho disponibilizadas pelas TICs, etc. O novo perfil extensionista que vem sendo desenhado impõe, por outro lado, uma reformulação profunda também nas estruturas de ensino de formação profissional, localizadas não apenas nas universidades, assim como, nas estruturas institucionais de concepção e formulação de políticas agrícolas e de ciência, tecnologia e inovação.

4. ATER NO BRASIL: PASSADO DE CONTRIBUIÇÕES, FUTURO DE