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1. EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA ATER: INFLUÊNCIAS E DETERMINANTES

1.4. A centralidade da inovação nos desafios da agricultura no mundo e no Brasil: o

1.4.3. Inclusão competitiva: um desafio do tamanho do Brasil

Atualmente, o agronegócio se posiciona como um dos setores mais dinâmicos da economia nacional, contribuindo, em números aproximados, em 2015, com 21,5% do PIB, 20% do emprego total e com 46% (US$ 89 bilhões) das exportações totais do país, apresentando um saldo da balança comercial do agronegócio superior a US$ 75 bilhões em 2015.37 As estimativas da produção agrícola de grãos para a safra 2016/2017 indicam para uma safra de 232 milhões de toneladas, ocupando uma área de 60,36 milhões de hectares (Conab, 2017).38

A despeito dessa performance, a agricultura brasileira ainda conta com um expressivo e majoritário quantitativo de estabelecimentos rurais à margem do processo de tecnificação. Essas duas caraterísticas antagônicas suscitam uma motivação singular para o estudo do papel de ATER e da pesquisa, no enfrentamento desse que significa o grande desafio do

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Disponível em: http://cepea.esalq.usp. br/macro/ e http://cepea.esalq.usp. br/macro/. Acesso em: 17 out.2016 38

Para detalhes, ver Conab, disponível em: < http://www.conab.gov.br/OlalaCMS/uploads/arquivos /17_05_12_10_37_57_boletim_graos_maio_2017.pdf >. Acesso em: 02 jun. out.2017.

agronegócio brasileiro, que é o da inclusão competitiva desse enorme contingente de produtores rurais.39

A expressão “inclusão competitiva” aqui utilizada tem inspiração nos estudos de Fernandez-Stark et al. (2012), que propõem metodologia que objetiva a inclusão de pequenos e médios produtores rurais latino-americanos em cadeias agrícolas de alto valor (globais, nacionais ou regionais), por intermédio do aumento da competitividade. O modelo proposto nos estudos está alicerçado em limitações comuns que esses produtores enfrentam para competir nos mercados nacionais e internacionais: acesso a mercados; acesso à assistência técnica; coordenação e colaboração, entre atores; e acesso a financiamentos.

Para o caso específico dos agricultores familiares brasileiros, esta tese optou por acrescentar, às limitações apontadas nos estudos, parte do conjunto dos “condicionantes de desempenho e da adoção de tecnologias pelos agricultores familiares”, proposto por Buainain (2007), dada a sua relevância para o aumento da competitividade e aderência ao caso brasileiro.

Cabe registar o uso da mesma expressão, “inclusão competitiva” por Silva e Leitão (2009), que, conceitualmente, restringem-na à condição de “sobrevivência” dos produtos da agricultura familiar no mercado (SILVA; LEITÃO, 2009, p. 18).

Assim, no entendimento desta tese, a “inclusão competitiva”, por envolver atributos como produtividade, qualidade, preço, sustentabilidade, dentre outros, se constitui num aprofundamento da condição da “inclusão produtiva”, ensejando não apenas participação, mas, também a ampliação da participação dos produtos da agricultura familiar nos mercados.

Para compreender um pouco do início desse processo de modernização da agricultura brasileira, Buainain et al. (2013) afirmam que as "as raízes mais promissoras da moderna agricultura brasileira" foram fincadas na década de 1960, seguindo um modelo de inspiração norte-americana, cujos alicerces eram constituídos por uma política de crédito rural subsidiado, extensão rural e pesquisa agrícola públicas. Os autores atestam que o desempenho desse modelo foi positivo, embora reconheçam que o modelo produziu, por outro lado, um “processo discriminatório quanto às regiões, aos tipos de cultivos favorecidos e aos beneficiários” (BUAINAIN et al., 2013, p. 108).

39 O termo “agronegócio” será aqui empregado na sua concepção mais ampla, tal a definição original cunhada por John Davis e Ray Goldberg, em 1957: “a soma total das operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas, das operações de produção nas unidades agrícolas, do armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos a partir deles” (Tradução nossa) (DAVIS, J. H., e GOLDBERG, R. A, 1957). No conceito, portanto, não há nenhuma menção à agricultura empresarial ou à agricultura familiar, estando ambas contempladas, embora constate-se que, no Brasil, popularizou-se o conceito de “agronegócio” como contraposição ao de “agricultura familiar”.

O processo discriminatório a que se referem Buainain et al. (2013) é abordado por Alves, Souza e Rocha (2013), ao analisarem dados do Censo Agropecuário de 2006, segundo os quais, 500 mil estabelecimentos rurais, de um total de 4,4 milhões, geraram 87% da renda bruta, cabendo a 3,9 milhões de estabelecimentos uma contribuição de 13%. Destes, 2,9 milhões participaram com 3,27% da renda bruta gerada. A conclusão dos autores é que a tecnologia explicou a maior parte (68,1%) das desigualdades da renda bruta no Brasil e nas regiões; a terra explicou apenas 9,6% e o trabalho explicou 22, 3% do crescimento da renda bruta. Noutras palavras, “a tecnologia explica a dispersão da renda bruta, ou seja, as desigualdades na ótica da renda bruta e sua concentração” (ALVES; SOUZA; ROCHA, 2013, p. 74). Adicionalmente, os autores chamam atenção para fato da perda de hegemonia do fator terra, o que os leva a admitir a possibilidade de fracasso dos programas de assentamentos de agricultores, caso a geração de tecnologia não seja privilegiada, ao lado da extensão rural e das políticas de mercado.

O estudo de Alves et al. (2013) associa-se às conclusões de Gasques et al. (2012) que apontam o rendimento como sendo a variável que explicou a quase totalidade do aumento da produção agrícola no Brasil, ao analisarem as contribuições entre área explorada e rendimento. Assim, Alves et al. (2013) concluem que existe um grande desafio para a sociedade que é o de incluir 3,9 milhões de estabelecimentos que ficaram à margem do processo de modernização da agricultura brasileira, possibilitando-lhes, por intermédio de políticas públicas de pesquisa e de ATER, em especial, o acesso à tecnologia e à remoção das imperfeições do mercado40 (ALVES et al., 2013, p. 75).

De modo complementar ao estudo de Alves et al. (2013), cabe alusão ao estudo da OCDE (2012), que analisa os níveis de proteção ao setor agrícola nos países associados, assim como de países emergentes, entre os quais o Brasil. O estudo faz referência a dois indicadores: (i) “Producer Support Estimate (PSE)”, para os períodos 1995-97 e 2008-10, apresentado como um percentual da receita agrícola bruta; (ii) o segundo, “Total Support

Estimate (TSE)”, também para os mesmos períodos, 1995-97 e 2008-10, apresentado como

um percentual do PIB. No primeiro indicador, o nível de proteção ao setor agrícola do Brasil, medido pelo PSE, para o período mais recente, 2008- 2010, só foi maior do que o índice da África do Sul, ficando atrás da Rússia, China e Ucrânia. Para o segundo indicador, TSE, a situação é idêntica à do primeiro havendo apenas uma alteração na ordem daqueles países que

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Os autores sublinham uma distinção conceitual: "Distingue-se concentração da renda bruta de desigualdade da renda bruta. Se a concentração está presente, significa que uma minoria de estabelecimentos gera porcentagem elevada da renda bruta e a grande maioria contribui pouco para produção" (ALVES et al., 2013, p. 68).

estão à frente do Brasil: China, Ucrânia e Rússia, para o período 2008- 2010 (OCDE, 2012, p. 33).

O estudo da OCDE ratifica a necessidade de o Brasil aperfeiçoar suas políticas de proteção e de apoio ao setor agrícola, sobretudo ao segmento mais excluído dessas políticas, algo já apontado por Brandão (2013), que defende um redirecionamento dos recursos para as áreas de treinamento, educação e extensão rural, com menos ênfase no crédito subsidiado.

Sobre o papel do crédito, o autor pondera que muitas propriedades rurais não utilizam tecnologia, dadas as severas restrições de acesso ao uso do crédito rural. Os bancos comerciais, em geral, devido ao elevado risco associado aos empréstimos à agricultura, têm uma participação muito pequena na oferta de crédito, limitando assim, a oferta de crédito correspondente aos recursos alocados pelo Tesouro Nacional. Registre- se a prática de algumas grandes empresas fornecedoras de insumos ou empresas que compram produtos agrícolas que ofertam crédito para os produtores; todavia, essa prática não contempla a grande maioria dos produtores (BRANDÃO, 2013, p. 48).

Até mesmo no caso bem-sucedido da pesquisa agrícola no Brasil, cabem mais ressalvas dignas de reflexão. Salles-Filho et al (2011) apontam que, apesar de a pesquisa e produção agrícolas estarem muito próximas, os caminhos por onde ocorre essa aproximação são às vezes “tortuosos e de baixa eficiência”. Segundo o mesmo estudo, essa relação precisa ser melhorada antes que o modelo atual se esgote, devido, sobretudo, à redução de determinados investimentos em pesquisa.

Em comparação com a agricultura dos Estados Unidos, umas das mais modernas do mundo, estudo de Fornazier e Vieira Filho (2013), ao examinar a heterogeneidade estrutural no setor agropecuário nos Estados Unidos e no Brasil verificou que a Produtividade Total do Fatores (PTF) tem crescido nos dois países, em grande medida devido à adoção de tecnologias poupadoras de mão de obra e do mais racional uso de insumos. No entanto, "o Brasil, mesmo diminuindo a diferença, não está próximo do índice de produtividade dos Estados Unidos", muito embora estejam presentes importantes questões particulares que marcam o processo de modernização dos dois países (FORNAZIER; VIEIRA FILHO, 2013, p. 5).

Em resumo, o que se pode perceber de toda discussão empreendida até aqui pode ser sintetizada com as seguintes constatações: (i) que a agricultura continuará importante para toda a sociedade nas próximas quatro ou cinco décadas, tanto quanto o foi no passado; (ii) que os desafios (segurança alimentar, pobreza, mudanças climáticas, produção de energia limpa, inclusão competitiva, multifuncionalidade etc.) enfrentados e a enfrentar pela agricultura no mundo e no Brasil são igualmente proporcionais à sua importância e possuem

um potencial importante de desestabilizar o processo de desenvolvimento em muitas regiões do mundo; (iii) que o processo de inovação na agricultura é vital para o enfrentamento dos desafios e essencial para dar concretude às transformações exigidas; (iv) que os transbordamentos que o processo de inovação vier a irradiar deverão contemplar todos os atores envolvidos no sistema;41 e (v) que nesse quadro de transformações, cabe às instituições de pesquisa agrícola, de extensão rural e de educação um papel determinante para o êxito das transformações.

Dito de outro modo: para que a agricultura possa dar à sociedade a resposta que ela espera com a qualidade desejada e no prazo adequado, o caminho mais curto e contemporâneo será o de incorporar à sua própria dinâmica, nela incluídos todos os atores do sistema, um comportamento permanentemente inovativo. Esse é, portanto, o grande desafio que se coloca especialmente para a ATER e para a pesquisa agrícola, assim como, para o interesse analítico desta tese.

Dados os argumentos já postos e considerando os cenários e desafios discutidos, além do estoque de conhecimento acumulado pela ATER brasileira, esta tese compreende o significado do termo Assistência Técnica e Extensão Rural como um processo educativo não formal, de natureza dialógica, que incorpora no seu quadro conceitual: (i) as demandas dos produtores rurais e os desafios de uma agricultura permanentemente mais competitiva, como ponto de partida para suas ações; (ii) a implementação compartilhada (produtores, extensionistas, pesquisadores, educadores e outros atores relacionados) de projetos viabilizadores de inovações técnicas, sociais e organizativas;42 e (iii) a contribuição à melhoria de vida dos produtores, famílias e comunidades e ao desenvolvimento sustentável, como ponto de chegada do trabalho extensionista.

41 Aqui compreendido conceitualmente como um sistema setorial de inovação, que tende a ser cada vez mais diversificado e completo e que terá sua discussão aprofundada no capítulo seguinte (FAPESP, 2011, p. 10-13). 42 Essa categorização de inovações é citada por Freeman e Louçã (2004, p. 154), atribuindo a sua concepção à Carlota Perez; de todo modo, tal categorização não conflita com aquela contida na 3ª edição do Manual de Oslo, segunda a qual as inovações podem ser de quatro tipos: Inovação de Produto; Inovação de Processo; Inovação Organizacional; e Inovação de Mercado (OECD, 2013, p. 10).

2. SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO E A VERTENTE AGRÍCOLA: TEORIA E