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Elementos da estratégia da ATER e da pesquisa para superar os desafios

1. EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA ATER: INFLUÊNCIAS E DETERMINANTES

1.4. A centralidade da inovação nos desafios da agricultura no mundo e no Brasil: o

1.4.2. Elementos da estratégia da ATER e da pesquisa para superar os desafios

Nesse complexo e diversificado ambiente, atribui-se aos sistemas de pesquisa agrícola e de ATER um papel de relevância crescente, não apenas por suas históricas responsabilidades institucionais, mas, sobretudo, por se esperar deles um comportamento e um perfil de atuação compatíveis e harmonizados com a natureza das mudanças e dos

desafios a serem enfrentados, sob pena de terem os seus espaços de atuação questionados e talvez até ameaçados.

No campo interno aos sistemas de P&D agrícola e de ATER, a busca pelo crescimento da produtividade com competitividade continuará sendo um dos principais pontos da agenda, contudo, sob um novo enfoque estratégico.

Esse novo enfoque deverá ser orientado pela abordagem dinâmica que envolve o processo de inovação e que demanda essencialmente articulação e cooperação entre todos os atores (SOLÓRZANO, 2012, p. 93).35 Esta perspectiva é também compartilhada por outros estudiosos, dentre os quais Knickel e outros (2008), que destacam a obsolescência do modelo linear como instrumento utilizado por muito tempo para interpretar o processo de inovação, a ser detalhado no próximo capítulo (KNICKEL et al., 2008, p. 886).

Para demonstrar o quão complexa é a tarefa de desenhar um cenário para o futuro da agricultura basta uma consulta à literatura sobre o tema para se verificar a existência de distintas tendências de pensamento, todavia, dentre essas, ganha destaque o tema da sustentabilidade.

BRUNORI et al. (2008), por exemplo, analisando um melhor modelo conceitual para os processos de inovação na agricultura e para o desenvolvimento rural, advogam que, em virtude dos cenários desenhados para agricultura do futuro, o aumento da produtividade pode não se configurar como o principal objetivo de política de inovação a ser contemplado na agenda da P&D agrícola. Esse grupo acredita que tal objetivo pode ser substituído por outro denominado “competitividade por intermédio da sustentabilidade”. Ou seja, mesmo classificando esses objetivos como de “interesse público” ou de “interesse privado”, o grupo entende que a busca da “competitividade por intermédio da sustentabilidade” seria um objetivo de interesse privado, fazendo parte de um “paradigma alternativo”.36 Em certo sentido, o grupo insere sua análise num novo momento histórico denominado de sociedade pós-produtivismo ou pós-produtivista (BRUNORI et al., 2008, p. 885).

Subjacente ao conjunto de mudanças e de desafios que se coloca aos serviços de pesquisa agrícola e de ATER, encontra-se uma outra revolução caracterizada pelo dinamismo e pela capacidade de inserção das Tecnologias da Informação e da Comunicação (TICs).

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De modo específico, o estudo se refere à abordagem Agricultural Innovation Systems, que contribui de modo central para o desenvolvimento da agricultura, promovendo a articulação e a interação entre diversos atores envolvidos, destacando dentre os quais: produtores, governos municipais, estaduais e federais, instituições de pesquisa e educacionais e o setor privado (indústria, comércio, etc.).

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A título de complementação do raciocínio, um outro objetivo da política, “crescimento e produtividade”, estaria classificado também como de “interesse privado", inserido, no entanto, no campo do “paradigma existente”, uma espécie de contraponto ao paradigma alternativo, de caráter moderno.

O papel exercido pela rede mundial de computadores, os fóruns promovidos pelas redes sociais, a disseminação extraordinária da telefonia móvel e outros inúmeros instrumentos de colaboração online têm provocado mudanças substantivas no acesso, nos benefícios produzidos pelo processo de conhecimento e na produção de novos conhecimentos. Essas ferramentas não podem ser ignoradas por qualquer sistema que atue no campo da inovação, como é o caso dos serviços de pesquisa e de extensão rural.

Perez, Marin e Alemán (2013) argumentam que a revolução provocada pelas TICs em todos os setores da economia é muito mais profunda do que apenas aquela simbolizada pelo uso de ferramentas de gestão. Os autores preveem a ampliação de transformações ainda maiores, inclusive nas trajetórias de inovação.

La revolución de las TICs ha transformado de forma radical el espacio de oportunidad desde la década de 1980. La globalización, las organizaciones de redes, la subcontratación, la deslocalización, la segmentación de mercados así como otros cambios en la estructura y estrategias de las empresas generaron un contexto completamente distinto, al igual que un conjunto de posibilidades diferentes. El acenso de Asia y la incorporación al sistema de mercado del entonces denominado segundo mundo, han acelerado el ritmo de crecimiento de la demanda de energía, alimentos y materias primas al punto de acercarse a los límites de los recursos, generando expectativas de un alza de precios. Las amenazas del calentamiento global y de otras limitaciones ambientales han modificado los requerimientos tanto de los productores como de los consumidores finales, y es posible que lleven a una reglamentación e impuestos que cambiarán aún más las especificaciones de la demanda, e influirán en las trayectorias de innovación. Todas estas transformaciones han tenido un profundo impacto en las posibilidades abiertas para los productores de recursos naturales. (PEREZ; MARIN; ALEMÁN. 2013, p. 31)

No aprofundamento dos impactos das TICs, o estudo prevê oportunidades relevantes para o setor agrícola, em especial na América Latina, por sua dotação favorável nos setores relacionados com o uso de recursos naturais, destacando-se os produtos destinados a nichos de mercados, muito valorizados, caso dos cultivos orgânicos, entre outros vários segmentos.

Na tentativa de uma resposta-síntese para esse profundo e diversificado conjunto de transformações e de desafios, Knickel et al. (2008) desenvolveram um modelo conceitual sobre a inovação na agricultura. Para os autores, o primeiro sinal a ser interpretado reside sobre o fato de que o papel tradicional da propriedade agrícola apenas como espaço de produção de alimentos vem sofrendo mudanças expressivas, a partir da compreensão factual do papel multifuncional da agricultura e das áreas rurais. De acordo com o estudo, em muitas regiões, os produtores podem ter suas rendas ampliadas, a partir de novas modalidades de empreendimentos rurais, explorando novos produtos e serviços e novos mercados, dentre

outras oportunidades. Contudo, frequentemente, há um hiato entre essas novas possibilidades e a capacidade de inovação das agências de apoio em prestarem suporte aos produtores.

Diante dessa constatação, segundo o modelo, o processo atual de inovação, desenvolvido pelas instituições de pesquisa, de ATER e de outros apoios aos produtores rurais deve ter seus princípios, estratégias e execução reestruturados, de modo a adaptar-se às transformações em curso, sob pena de essas instituições se constituírem em verdadeiros obstáculos ao desenvolvimento dos produtores rurais (KNICKEL et al., 2008, p. 883).

Portanto, parece ser inegável que todas essas transformações e desafios enfrentados pela agricultura e que haverá de enfrentar nas próximas décadas exercerão uma repercussão forte e direta sobre os modelos de pesquisa agrícola e de ATER. De modo especial naqueles países em que a agricultura detém importância crítica no seu processo de desenvolvimento. E, nestes países, não seria distante supor que a ATER e a pesquisa governamentais, na medida em que não derem respostas adequadas aos desafios colocados, tenham seus espaços de trabalho ameaçados por outros atores capazes de prover respostas mais ágeis e apropriadas às expectativas da sociedade.