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2. SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO E A VERTENTE AGRÍCOLA: TEORIA E

3.2. Pesquisa agrícola e extensão rural nos países selecionados: evolução e

3.2.4. França

No caso da França, a principal razão da sua escolha como referência de análise se deveu ao fato de o seu modelo de pesquisa agrícola e extensão rural (vulgarisation agricole) possuir um forte conteúdo estatal, porém, com uma característica especial, que é a participação importante das representações de produtores rurais no âmbito das altas decisões desses dois serviços públicos, sobretudo no de extensão.128 Essa característica do modelo adotado pelos serviços franceses de pesquisa agrícola e de extensão rural desperta a atenção em face de sua singularidade institucional, enquanto elemento diferenciador dos modelos dos demais países selecionados.

Uma outra razão da escolha do “caso francês” está relacionada à evidência de ter sido a França o país da Europa que menos implementou mudanças radicais nos seus serviços de pesquisa agrícola e de extensão rural, destacando-se nestas mudanças, a comercialização e a privatização, movimentos que estiveram presentes em muitos países europeus. Mesmo assim, para Labarthe (2009), os serviços de pesquisa e de extensão rural franceses podem ser considerados como serviços de formato público-privado (LABARTHE, 2009, p. S198).

Além dessas razões, cabe considerar que o serviço de extensão rural francês foi fundado em 1879, totalmente financiado pelo Estado, podendo, assim, ser considerado como um dos mais antigos do mundo.129 Ao lado da extensão, a França possui o mais antigo organismo de pesquisa agronômica da Europa, o Institut National de La Recherche

Agronomique (INRA), criado em 1946.130

Para os objetivos e metodologia deste estudo, todas essas evidências reunidas possuem um significado especial, tendo em vista a possibilidade de reflexão que elas ensejam, pois são decorrentes do conjunto das inúmeras e ricas mudanças sofridas pelo setor agrícola,

128

Ver LABARTHE, 2009, p. S196.

129 Disponível em: <http://www.fao.org/docrep/w5830e/w5830e03.htm>. Acesso em 20 jun.2015. 130 Fonte: http://www.inra.fr/60ans/histoire.

francês, em particular, e europeu, num sentido mais amplo, impactando, inevitavelmente, todos os serviços de apoio à atividade agrícola.131

A agricultura da França é constituída, como na maioria dos países do oeste europeu, por pequenas unidades familiares de produção, apresentando elevados custos de produção.132 Enquanto a atividade econômica se concentra num pequeno número de grandes empresas, a agricultura continua a ser feita por pequenas empresas de carácter predominantemente familiar. Na maioria das explorações agrícolas francesas, o proprietário da exploração trabalha sozinho, contando com a ajuda ocasional de outros trabalhadores ou membros da família (CHAMBRES D’AGRICULTURE, 2012).133

Neste ambiente, o serviço de extensão rural, responsável historicamente por atuar com difusão e validação de inovações tecnológicas, encontra dificuldades de sucesso, face às características das próprias unidades produtivas (LABARTHE, 2009, p. S196). Essas características que condicionam, em grande medida, a sobrevivência e o crescimento das pequenas propriedades agrícolas foram objeto de estudo no qual Perrier-Cornet & Aubert (2009) argumentam que a concentração da produção agrícola entre poucas empresas cresce continuamente, sendo este o perfil da agricultura avançada.134 Essa característica também se constitui em um dos elementos diferenciadores entre a agricultura dos países desenvolvidos e daqueles em desenvolvimento.135 Ou seja, é o modelo de produção adotado que assegura a eficiência das grandes empresas, sejam familiares ou semi assalariadas nos países avançados, que se fundamenta no crescimento do tamanho da unidade de produção agrícola e no crescimento econômico continuado da empresa.

O mesmo estudo aponta que na França, de 2000 a 2007, a média da área das unidades agrícolas “profissionais” cresceu de 64,5 para 78 hectares, numa velocidade de dois hectares por ano, dinâmica que os autores consideram de particular importância para a consolidação do monopólio da terra no país. (PERRIER-CORNET; AUBERT, 2009, p. 2). Ratificando o estudo mencionado, por ocasião do recenseamento agrícola de 2010, constatou-se a existência

131

Para citar apenas uma dessas transformações, a França possui, ao lado dos Estados Unidos, uma das menores participações da PEA agrícola na PEA total, no mundo e dentre os países aqui selecionados.

132 Pelo lado do contribuinte europeu, nesses custos devem ser incluídos os custos com os subsídios patrocinados pela União Europeia nos programas de apoio à agricultura, a exemplo da Common Agricultural Policy (CAP), que tem se revelado, inclusive no caso da França, como de resultado negativo em relação à melhoria na evolução da eficiência técnica das unidades de produção agropecuária (DESJEUX; LATRUFFE, 2010, p. 2 e 4).

133 Disponível em: <http://www.chambres-agriculture.fr/fileadmin/user_upload/National/002_inst-site- chambres/pages/infos_eco/FicheAgri_Portugais.pdf>. Acesso em 13 nov. 2016.

134 A escala de produção também pode ser considerada um condicionante do desempenho da extensão rural. 135 Nesse estudo, a França foi o país analisado.

de 515 mil unidades de exploração agrícola na França (continente e territórios ultra periféricos), enquanto que no ano 2000 este número era de 665 mil, uma redução importante de quase 30%. Atualmente, mantém-se esta tendência demográfica de longo prazo e não deverá parar nos próximos tempos (CHAMBRES D’AGRICULTURE,2012).

O estudo conclui afirmando que, por um lado, não existem mais terras sem exploração ou terras de reserva para serem incorporadas ao processo produtivo, por outro, a rígida estrutura de propriedade limita o acesso das terras em produção. Desse modo, os autores afirmam que o acesso à terra se constitui em um dos problemas determinantes para se compreender as dificuldades enfrentadas pela pequena produção agrícola francesa (PERRIER-CORNET; AUBERT, 2009, p. 2).

As câmaras de agricultura e a extensão rural (vulgarisation agricole)

Por ocasião do período pós-Segunda Guerra Mundial e na tentativa de superar as dificuldades enfrentadas pela pequena produção, surgiu uma ideia, dentre outras, de estimular o processo de modernização agrícola do país, a partir de esforços na injeção de investimentos na produção de novos conhecimentos, sendo o serviço de extensão rural um dos protagonistas e, ao mesmo tempo, um dos beneficiários dessa política (LABARTHE, 2009, p. S196).

A gênese do serviço de extensão francês, segundo Rolland (1984), foi inspirada na criação, em 1879, do cargo de professor de agricultura em cada município, cuja missão era oferecer curso completo de agricultura nas escolas normais primárias, além de proferir palestras em todo o país sobre técnicas agrícolas modernas. Essa iniciativa teve papel preponderante na formação das organizações de produtores rurais (associações, cooperativas, sindicatos, etc.). Depois de 1919, a instituição dos “conselhos de desenvolvimento” em cada município (departamento) passou a ampliar os serviços de extensão. Estes conselhos, embora desativados em 1935, deixaram suas raízes, produzindo, pós 1945, inúmeras atividades extensionistas de bons resultados, movimento que veio a causar conflitos entre grupos de interesse que buscavam o controle da atividade extensionista (ROLLAND, 1984, p. 11).

Nessa direção, cabe sublinhar que uma primeira iniciativa, sob a forma de lei federal, abriu caminho para a transferência da administração da extensão rural da esfera governamental para o âmbito privado ou até profissional. Essa primeira Lei de abril de 1959 estabeleceu um texto-compromisso, uma espécie de “estatuto” da extensão, definindo-a como “a difusão de conhecimentos técnicos, econômicos e sociais, necessários aos agricultores”. O mesmo texto reconheceu a possibilidade de a atividade de extensão desenvolver-se na esfera

da iniciativa pública ou privada ou ainda profissional. Previa também que a coordenação da extensão fosse exercida por um Conselho Nacional, nomeado pelo Ministro da Agricultura e, no plano municipal, por um “comitê departamental da extensão para o progresso agrícola”, a ser presidido pelo prefeito municipal (ROLLAND, 1984, p. 15).

O acirramento das disputas pelo controle da extensão rural levou as autoridades responsáveis pelo trabalho oficial de extensão a implementar uma reformulação no Ministério da Agricultura, que culminou com o Decreto de 4 de outubro de 1966, decidindo por conceder às organizações dos produtores a liderança do controle das atividades de extensão rural (ROLLAND, 1984, p. 11). A organização escolhida foram as Câmaras de Agricultura que são o centro da representação política dos produtores rurais na França, representação constituída a partir de eleições nos sindicatos da categoria. A transferência da responsabilidade dos serviços de extensão pode ser analisada como um arranjo institucional que permitiu nesse período o domínio da representação dos produtores que passaram a ter um papel importante no Sistema de Conhecimento Francês (French Knowledge System).

A entidade selecionada representava principalmente um determinado grupo social de produtores, os dos “produtores profissionais”. A consequência imediata e previsível foi a de que esses “produtores profissionais” foram os beneficiários prioritários do trabalho de extensão no país. Por outro lado, eles se constituíam na principal base produtiva do setor agrícola, assim como, nos maiores contribuintes para os investimentos em extensão, investimentos derivados de taxas que eram impostas à atividade agrícola (LABARTHE, 2009, p. S198).

Assim, atualmente, um dos principais ofertantes dos serviços de extensão rural na França é a Câmara de Agricultura, que faz parte de um sistema liderado pelo Ministério da Agricultura, do qual participam, ainda, o Instituto Nacional de Pesquisa Agronômica (INRA), as escolas de engenharia agrícola e o segmento de Educação Agrícola136. Este sistema conta ainda com a participação da Federação Nacional dos Produtores-FNSEA, da Associação Nacional para o Desenvolvimento Agrícola- ANDA e dos institutos de pesquisa aplicada, colocando-se numa instância intermediária entre o INRA e as Câmaras de Agricultura (LABARTHE, 2009, p. S196).

A entidade “Câmaras de Agricultura” é uma organização dos produtores rurais, criada na década de 1924 com a missão de viabilizar a interlocução entre o setor público e os produtores rurais. Dados de 2016 apontam que a organização possui uma forte estrutura, com

111 unidades públicas, distribuída em todo o território nacional, composta por: 89 câmaras de representação municipal (Câmaras departamentais e interdepartamentais), 19 câmaras de representação regional e 1 estrutura no nível nacional, representada pela Assembleia Permanente das Câmaras da Agricultura (ACA). Conta nos seus quadros com aproximadamente 8.010 colaboradores, incluindo 6.055 engenheiros e técnicos.

Em 2016, seu orçamento foi de US$ 966,7 milhões ($ 702 milhões de Euros), oriundos das seguintes fontes137: 42% oriundos de impostos e taxas; 27% de rendas por serviços prestados a agricultores, empresas, etc.; 25% oriundos de contratos e acordos com governo, autoridades locais, União Europeia, etc.; e 6% de outras fontes. A entidade “Câmaras de Agricultura” elegeu na última eleição 4.200 representantes, escolhidos num universo de três milhões de eleitores. A entidade conta ainda com uma instituição de ensino superior e de pesquisa, a Esitpa, com a missão de "formar atores e tomadores de decisão para o futuro da agricultura", objetivando a promoção da produção de bens e serviços agrícolas voltados à alimentação mundial138. Em 2013, a Espipa havia formado

6.000 profissionais, e abrigava 500 alunos em formação (CHAMBRES

D’AGRICULTURE)139

.

Do ponto de vista de diretriz de atuação, a extensão rural e a pesquisa agrícola seguiram a política agrícola nacional da Europa, que teve como objetivo central, no período dos pós Segunda Guerra (1945-1990), a garantia da segurança alimentar, buscada por intermédio do aumento da produção e da produtividade agrícolas. As estratégias para o alcance desse objetivo eram concretizadas em investimentos tangíveis e intangíveis. A implantação do serviço de extensão rural fez parte desse conjunto de investimentos, localizando-se no nível nacional e financiada a partir de investimentos públicos140. Na França, esses investimentos foram crescentes até a década de 1980, fato parcialmente refletido pela evolução do número disponível de extensionista por produtores, que variou de 1: 900, em

137 Data cotação utilizada: 31/12/2013. Taxa: 1,3771 Dólar dos-EUA = 1 Euro. Fonte: <http://www4.bcb.gov.br>.

138 Escola criada em, Paris, 1919, como l'ITPA (Institut technique de pratique agricole). Em 1964: a instituição foi autorizada para oferecer o curso de engenharia na agricultura; em 1967 a ESITPA / ITPA passa a atuar sob a égide de 23 Câmaras de Agricultura; em 1981, integra-se à estrutura da Assembleia Permanente das Câmaras de Agricultura. A partir de então, a Escola constitui-se num serviço da Assembléia Permanente das Câmaras de Agricultura, tornado-se reconhecida como uma das instituições públicas de educação agrícola superior que se dedicam à missão da educação agrícola, atuando sob concessão governamental. Em 2007, passa a chamar-se Ecole d'ingénieurs en agriculture. Fonte: <http://www.esitpa.org/l-esitpa/historique/>. Acesso em 03 jan.2014.

139 Disponível em: <http://www.chambres-agriculture.fr/chambres-dagriculture/nous-connaitre/dates-et-chiffres- cles-du-reseau/>. Acesso em 13 mar.2016.

140

O termo “vulgarisation” foi cunhado como central para significar o papel do novo serviço, sugerindo a popularização do conhecimento técnico.

1949, para 1: 560, em 1967; e para 1:145, em 1982. O termo “parcialmente” foi empregado devido ao fato de que o número de produtores rurais também sofreu importante decréscimo no mesmo período, naquele país, embora numa taxa menor do que a taxa da relação extensionista/produtores (LABARTHE, 2009, p. S195).

No plano das articulações institucionais, a relação entre o serviço de extensão e os institutos de pesquisa aplicada, que também foram constituídos no nível nacional, com estrutura que refletia em seus departamentos o perfil da agricultura do país, pode ser considerada como vetor importante no processo de inovação na agricultura francesa (LABARTHE, 2009, p. S196).

Aparentemente, o modelo adotado pela França revela, a princípio, o caráter linear da sua atuação, entretanto, estudo citado por Labarthe (2009) argui que os avanços tecnológicos na agricultura francesa eram resultados de uma coprodução de conhecimento, proporcionada pelas articulações de diversos atores, tais como: produtores, extensionistas, organizações de produtores, institutos de pesquisa aplicada, dentre outros141 (LABARTHE, 2009, p. 196).

Já no plano das articulações entre pesquisa agrícola, extensão rural e produtores, os movimentos de troca de experiências e debates, como os grupos de produtores, clubes de estudo ou grupos atuantes nos Centros de Análise de Técnicas Agrícolas (CETA), desempenhavam importante papel na implementação da pesquisa agronômica, embora se reconheça que a participação de produtores mais tradicionais e pobres nesses movimentos seja cada vez mais escassa. Ainda, com relação às ações de pesquisa agrícola e sua relação com a extensão, cabe um breve complemento. Diferentemente do Brasil, a tarefa de conceber, elaborar e implementar a política nacional de pesquisa e inovação é da responsabilidade do Ministério da Educação Superior e Pesquisa em colaboração com o Ministério da Agricultura e Pesca.

Quanto aos recursos financeiros, os principais responsáveis pelo financiamento do sistema de pesquisa na França são os Ministérios, da Agricultura & Pesca e da Educação Superior & Pesquisa, por intermédio da Agência Nacional de Pesquisa (Agence Nationale

de la Recherche-ANR), criada em 2005, com a missão principal de financiar grandes

programas de pesquisa científica e tecnológica. Fora do âmbito do governo, são também

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O estudo citado é o de Leewis e Van den Ban (2004). A coprodução de conhecimento pode ser exemplificada pelo papel desempenhado pelas estações experimentais e as redes de fazendas experimentais que contribuíam para a validação de tecnologias, através de inúmeros experimentos e diversidade de inovações. Noutro exemplo estão o Ministério da Agricultura e as organizações de produtores que eram responsáveis pelo financiamento das estações e das fazendas experimentais. Acrescente-se ainda a intensa produção de literatura coeditada pelos diversos atores (LABARTHE, 2009, p. S196).

financiadores a União Europeia, as empresas, as organizações públicas territoriais e regionais, as associações e fundações (ARIMNET, 2010, p. 4).142

Feito esse panorama geral, resta esclarecer como e onde ocorre a integração da pesquisa agrícola com o serviço de extensão. O modelo concebido para o sistema de pesquisa conta com um espaço de “transferência de conhecimento agrícola”, no qual estão presentes 20 universidades de ensino superior, que empregam 2.500 funcionários, atendendo a 14.000 estudantes. No caso do ensino superior relacionado especificamente à agricultura, os trabalhos de desenvolvimento e extensão são executados por meio de 60 “centros tecnológicos”, 122 agências dos distritos agrícolas, beneficiando 600.000 produtores e 4.000 pequenas e médias empresas agroindustriais. Os centros tecnológicos são organizações “semi públicas”, articulados em três redes, lideradas pela ACTA (Association de Coordenation

Technique Agricole), pela ACTIA (Association de Coordination Technique pour l'industrie Agroalimentaire) e pelos CTI (Centres Techniques Industriels), que atuam

de modo federativo, com pesquisa aplicada e transferência de tecnologia sob demanda dos usuários (ARIMNET, 2010, p. 37).

Em outro estudo, Compagnone, Petit e Lémery (2008) concluem que o novo papel a ser desempenhado pelas Câmaras trata-se de um papel de mediação que, embora exercido com competência ao longo dos anos, na relação com inúmeros e diversos atores e na liderança de programas e projetos, tem se caracterizado com um papel ambíguo, especialmente pelo fato de restar às Câmaras pequeno grau de autonomia, no mérito dessas novas questões, que possuem impacto direto sobre a atuação da extensão rural, especialmente em suas estratégias de atuação e na formação do seu quadro técnico (COMPAGNONE; PETIT; LÉMERY; 2008, p. 875).

Privatização e comercialização na extensão rural no contexto da multifuncionalidade

Desde 1990, o formato institucional dos serviços de extensão rural em muitos países europeus tem sofrido ajustes consideráveis, os principais deles dizem respeito aos

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Segundo dados da ARIMNET, os principais atores do sistema público de pesquisa agrícola da França (INRA, CIRARD, CNRS, INFREMER e IRD) empregavam em 2008 um total de 14.000 pessoas, dos quais 3.556 pesquisadores, com orçamento anual de 1,180 bilhão de Euros (US$ 1,625 bilhão-Taxa de câmbio calculada pelo Banco Central do Brasil, em 31/12/2013, 1 EURO = 1,3771 Dólar dos EUA). Disponível em: http://www.arimnet.net/ARIMNet%20country%20report_FRANCE1010%20MDMO%20final4.pdf. Acesso em 03 mai. 2017.

movimentos de sua privatização e comercialização.143 A privatização tem ocorrido como mecanismo de substituição dos atores públicos por um novo ator privado, os consultores privados, sobretudo os especializados em complexos agroindustriais. Como exemplo trazido por Labarthe (2009), está o caso da Holanda, que privatizou os serviços de extensão rural e o sistema de produção de conhecimento, no período 1999/ 2000144. A França, nesse sentido, é o único país europeu que tem operado menos mudanças no serviço de extensão rural. Por outro lado, tem sido aguda a crise que envolve o sistema de cogestão do serviço de extensão francês, particularmente no que se refere ao desmonte da ANDA. Quanto à modalidade conhecida como comercialização, ela tem significado que os produtores agrícolas, cada vez mais, têm sido cobrados pelos serviços que lhe são prestados. Nessa direção, alguns estudos têm apontado que a diversidade da economia agrícola de muitos países industrializados no pós-Segunda Guerra tem suscitado a possibilidade de os serviços de extensão serem substituídos pelo modelo de consultoria privada, face à sua obsolescência145 (LABARTHE, 2009, p. S194).

A perspectiva trazida pelos movimentos privativistas do serviço de extensão rural impõe à França importantes desafios para o sistema nacional de inovações agrícolas, no contexto da abordagem multifuncional da agricultura. Assim, é possível afirmar que os principais desafios que os serviços de extensão rural e de pesquisa agrícola vêm se defrontando na França dizem respeito às expectativas colocadas pelo padrão multifuncional da agricultura, como a necessidade de novos conhecimentos que possam levar em consideração a integração das várias e importantes funções da unidade agrícola: produção primária, proteção ambiental e segurança alimentar.

Sobre a multifuncionalidade da agricultura na França, que exerce influência direta sobre o perfil dos agentes de extensão rural, cabe um comentário breve baseado em Laurent (2013). A multifuncionalidade na agricultura francesa ganhou expressão e apoio das estratégias governamentais por muitos anos por reconceituar competitividade, a partir da inserção de novas atividades derivadas da agricultura, contribuindo para o desenvolvimento local/territorial. Essas atividades, de modo integrado e articulado, proporcionam no seu conjunto um novo padrão de desenvolvimento local que se contrapõe à falta de

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A redução dos investimentos públicos em extensão rural tem sido drástica nesse período, mais na Holanda do que na França. Na Holanda, a redução entre 1999 e 2000 chegou a 90% (LABARTHE, 2009, p. S198).

144 Labarthe (2009, p. S200) a privatização dos serviços de extensão tem promovido a desconstrução das ligações e articulações dentro do sistema agrícola de produção de conhecimento o que poderá acarretar graves danos ao sistema.

competitividade internacional vista pelos olhos da tradição econômica até então. Ou seja, a multifuncionalidade corresponde às inúmeras e articuladas contribuições da agricultura para o desenvolvimento social, econômico e ambiental e político. A multifuncionalidade criou na agricultura da França mediterrânea, por exemplo, cenários do que seria a expressão objetiva do desenvolvimento rural sustentável, no que se refere à promoção do emprego local, à redução da pobreza, à oferta e qualidade de produtos e serviços, dentre outros benefícios, como o surgimento de uma agricultura periurbana de pequena escala, agroturismo, etc.