• Nenhum resultado encontrado

2. SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO E A VERTENTE AGRÍCOLA: TEORIA E

3.2. Pesquisa agrícola e extensão rural nos países selecionados: evolução e

3.2.2. Argentina

Para Reca (2006), uma síntese da história da economia agrícola argentina entre 1875 e 2005, vista sob o ângulo da evolução do PIB e do Valor Agregado Agropecuário, demonstra que ao longo desses 130 anos a taxa de crescimento da economia foi sempre superior à taxa de crescimento da produção agropecuária.

87 Embora o processo de reforma agrária na África do Sul não tenha sido objeto de discussão nesta tese, vale registrar que aquele país possui a maior economia e a maior superfície dos países do continente africano, todavia, possui também elevado grau de desigualdade, em ambos os aspectos. Segundo Lariff (2007), nenhum país africano sofreu maior expropriação de terras, inicialmente indígenas, do que a África do Sul. A ação de colonizadores holandeses e britânicos foi iniciada cedo, 1650, e durou por muito tempo, cerca de 300 anos.

Na visão do autor, isso significa que o setor agrícola propiciou um componente de estabilidade ao conjunto da economia, mesmo com a constatação de que a participação do setor na formação do PIB tenha se mostrado declinante ao longo desse mesmo período. Ainda assim, ressalta o autor o fato de o setor agropecuário vir apresentando, nos últimos anos da série analisada, taxas de crescimento semelhantes às mais altas verificadas na história da agricultura argentina (RECA, 2006, p. 7).

Do ponto de vista geográfico, a agropecuária argentina se desenvolve em dois ambientes claramente definidos: a região “dos pampas ou pampeana” e a região “não- pampeana”. A região “pampeana” se localiza no centro e no leste do país, sendo caracterizada por ser a maior produtora de grãos, sementes oleaginosas, gado e leite. Já a região “não- pampeana”, corresponde ao restante do território argentino, tendo a diversidade da produção agrícola como a sua grande marca. Lá se produz desde as uvas e outras frutas irrigadas na porção oeste; no Noroeste, açúcar, citros e o fumo; no Nordeste, o algodão e o chá-mate; até as ovelhas na Patagônia, ao sul. A região “pampeana” é a mais dinâmica das duas regiões, sendo líder tanto na produção, quanto na exportação de produtos agrícolas.

No seu conjunto, em 2014, a soja contribuiu com 46% do valor bruto da produção argentina e foi o principal produto da pauta agrícola, seguida pela pecuária bovina, vindos a seguir milho, leite, trigo e uva, os quatro últimos participaram com 13,2%, 11,6%, 5,6% e 3,1 %, respectivamente (FAOSTAT).

No plano do desenvolvimento tecnológico, a escolha do “caso argentino” também é motivada muito mais por semelhanças do que por diferenças com a agricultura brasileira. Por exemplo, a Argentina foi um dos primeiros países no mundo a introduzir variedades agrícolas geneticamente modificadas, já por volta de 1993 (FUCK, 2009, p. 81). No Brasil, a comercialização de OGM foi proibida em 1998, por força de uma ação do Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC), apenas sendo suspensa em 2003. Mas, por outro lado, há outros elementos que expressam semelhanças importantes, como é o caso da matriz produtiva da agricultura dos dois países, na qual, dos 10 principais produtos argentinos produzidos em 2014, seis deles também participavam da pauta dos 10 principais produtos brasileiros, naquele mesmo ano, segundo a FAO.88

A seleção do “caso argentino” que, ao lado do Brasil, representa um segundo país dentro da América do Sul, significa também a possibilidade de se tentar minimizar o eventual

88

Os seis produtos comuns aos “top 10” da Argentina e Brasil são: soja, carne bovina, leite, milho, algodão e cana-de-açúcar. Disponível em: <http://faostat.fao.org/DesktopDefault.aspx?pageid=339&country=9&lang=es>. Acesso em 02/06/2017.

viés das comparações com outros países, especialmente a França (e europeus ocidentais de forma geral). Para estes, por exemplo, a política de apoio ao processo de modernização agrícola e rural apresentou uma abundância de recursos públicos e privados em infraestrutura social e produtiva no meio rural bem diferente daquilo que ocorreu na América Latina, fatos que podem distorcer eventuais análises comparativas (KAGEYAMA, 2008, p. 75).

Além de todas essas características presentes na agricultura argentina, há uma outra de grande importância que passou a ser melhor qualificada a partir do Censo Agropecuário de 2002, que é a dimensão da sua agricultura familiar. Para a Argentina, como unidade de exploração agropecuária familiar entenda-se aquela unidade na qual se verificam o trabalho direto do produtor e o trabalho da família, aceitando-se a possibilidade da incorporação de até dois trabalhadores assalariados permanentes. Quanto à área da unidade, ela não é considerada um critério de enquadramento para a condição de unidade familiar, porém, foi estabelecido um limite superior de área e de capital.89

Do conceito, também foram excluídas aquelas unidades de produção juridicamente caracterizadas como sociedades anônimas ou sociedades por ações.90

O estudo Obschatko (2009), com base no último Censo Agropecuário 2002, revelou a existência de 251.116 unidades familiares de produção agropecuárias, significando 75,5% do total das unidades de produção agropecuária de todo o país. Ainda de acordo com o mesmo estudo, as unidades familiares de exploração agropecuárias ocupavam 30,9 milhões de hectares, ou seja, 17,7% da área total explorada pelas atividades agropecuárias na Argentina.

Ao pressupor produtividades médias, o estudo estima que as unidades familiares de produção contribuíram no ano do Censo com 27% do total do valor da produção agropecuária do país. No total, as unidades agropecuárias familiares abrigavam, por ocasião do censo de 2002, mais de 823 mil pessoas, representando cerca de 67% da população das unidades de produção agropecuárias. Dessas mais de 823 mil pessoas, 21% eram produtores, 65% eram familiares e 14% eram compostos de não familiares e outros. Do total de residentes, 44% eram mulheres e 28% eram de jovens com idade inferior a 14 anos.

Do ponto de vista mais amplo, a população residente nas unidades de produção agropecuárias familiares possui, na média, um razoável grau de instrução, sendo este um

89

Ver Obschatko (2009, p. 10). 90

Segundo Ramilo e Prividera (2013), a agricultura familiar é uma forma de vida e uma questão cultural que tem como principal objetivo a “reprodução social da família em condições dignas. A gestão da unidade produtiva e as inversões nelas realizadas são feitas por indivíduos que mantêm entre si laços de família”, a maior parte do trabalho é aportada pelos membros da família; a propriedade dos meios de produção (nem sempre a terra) pertencem à família e é no seu interior que se realiza a transmissão de valores, práticas e experiências (RAMILO; PRIVIDERA, 2013, p. 5; tradução nossa).

relevante fator de sensibilidade à adoção de inovações: 72% de toda a população residente possui nível primário; 18% possuem o nível secundário e 7% possuem o nível terciário (superior), em todos os casos, completo ou incompleto (OBSCHATKO, 2009, p. 61).

Uma outra característica relacionada ao padrão tecnológico diz respeito à utilização de mecanização agrícola pelas unidades familiares, que representa 25% de toda a área contratada por todas as unidades agropecuárias. Esse dado tem repercussão direta sobre a produtividade do trabalho, assim como indica a incorporação "indireta" de mão de obra na unidade familiar. No caso da utilização de insumos agroquímicos, a agricultura familiar argentina tem padrões muito semelhantes à agricultura empresarial ou não familiar: 81% da área cultivada recebeu aplicação de herbicidas, 52% de inseticidas e 14% de fungicidas. Os fertilizantes foram aplicados em 28% da área cultivada pelas unidades familiares. O plantio convencional foi predominante entre os produtores familiares, contudo, já à época do Censo, cerca de 40 mil produtores realizaram cultivo mínimo e plantio direto, com o plantio direto cobrindo três milhões de hectares.

No que concerne à gestão das unidades produtivas, 19% elaboram registros de produção e contábeis; 5 a 6% elaboram cálculos econômicos e apenas 2,7% utilizam computadores na administração e na contabilidade. Com relação à capacidade associativa, o cooperativismo é a modalidade predominante, contemplando 14% das unidades familiares. Seguem-se outras formas e práticas associativas, como pool agrícola-pecuário, a União Transitória de Empresas (UTE) e a integração com agroindústrias, que embora apresentando uma pequena participação relativa, significam uma presença importante por sua diversificação e buscar responder a uma questão crucial para a agricultura familiar que é a obtenção de escala de produção (OBSCHATKO, 2009, p. 12).

Por último, recorre-se ao trabalho de Ramilo e Providero (2013) que, em 12 estudos de casos abrangendo diversas regiões do país, revela ser a extensão rural um segmento considerado importante e muito valorizado pela agricultura familiar argentina; no entanto, revela também a percepção de alguns produtores familiares, digna de registro, segundo a qual, “parece haver uma expectativa de que se exige um modelo de extensão que comece a partir das necessidades e preocupações do produtor e não das prioridades dos profissionais ou instituições das quais eles fazem parte” (RAMILO; PRIVIDERA, 2013, p. 275).

De acordo com os mesmos autores, e na mesma linha da expectativa sobre a extensão rural, já existem iniciativas no campo da pesquisa agrícola que direcionam sua atenção para enfoques metodológicos de natureza mais participativa, como é o caso das experiências com

Investigación Acción Participativa-IAP (RAMILO; PRIVIDERA, 2013, p. 242). Essa

experiência, que envolveu um conjunto de organizações e instituições públicas e privadas comprometidas com o desenvolvimento rural e educacional na Província de Corrientes, parece apontar caminhos para a pesquisa, a exemplo da ATER, diferentes dos caminhos atuais, ou seja, apontando para uma ação mais crítica e reflexiva e de natureza bottom-up.

Pesquisa e extensão rural

Para o melhor entendimento do momento atual, faz-se necessário um breve recuo no tempo. De 1850 a 1930, coube ao estado argentino fomentar a produção agrícola, tendo como estratégia o processo de colonização. Nesse período, atribui-se à Sociedade Rural Argentina (SRA) representante do setor privado, ocupar-se do papel de modernização do setor, difundindo técnicas agropecuárias aos seus associados (THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 59).

Até meados do século XX, a produção agrícola argentina demonstrava estagnação, fruto de grandes períodos de insuficiência na incorporação de novas tecnologias (INTA, 2004, p. 2). Mais à frente, a derrota do regime peronista em setembro de 1955 reforça o ambiente propício à liberalização e à ruralização da economia argentina. A adoção do Plano Prebish consolida as medidas favoráveis à modernização da agropecuária no período pós-peronista (GIRBAL-BLACHA, 2010, p. 5). Em 1956, à frente da Comissão Econômica para América Latina (CEPAL), o economista Raúl Prebisch apresentou ao novo governo argentino uma proposta com recomendações para enfrentar a situação econômica, que tinha como ponto de partida a superação do atraso tecnológico no campo. Para tanto, o Plano Prebish, como foi chamado, enfatizava a atenção ao desenvolvimento da ciência e tecnologia na agropecuária e recomendava o estabelecimento de um programa de tecnificação do campo, centrado da criação de um instituto público de pesquisa agrícola e de difusão tecnológica, que seria incumbido de promover as inovações desenvolvidas no país e no exterior (OEI, 2012).

Nesse caminho, o Ministério da Agricultura promoveu algumas iniciativas no âmbito da difusão de tecnologia e em dezembro de 1956 foi criado o Instituto Nacional de Tecnología Agropecuaria (INTA), com o objetivo de tirar o país do retrocesso produtivo.91 Do ponto de

91 Uma dessas iniciativas do Ministério da Agricultura foi criar a Direción de Agronomías Regionales (57 unidades regionais e 220 locais) e a sua função era a difusão de conhecimentos, objetivando a melhoria econômica, cultural e social da população rural. Nesse período, são iniciadas as primeiras experiências-piloto de extensão rural, que não prosperam e a produção agrícola fica estagnada por outras razões contextuais (THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 59).

vista formal, o INTA foi concebido como um organismo nacional com a “finalidade de impulsionar, vitalizar e coordenar o desenvolvimento da pesquisa e extensão agropecuárias e acelerar, com os benefícios dessas funções fundamentais, a tecnificação e o melhoramento da empresa agrária e da vida rural” (INTA, 2011).92

A estratégia adotada pelo INTA seguiu o padrão difusionista do modelo extensionista americano, propondo-se à difusão de inovações que proporcionassem o aumento da produção e das exportações.93 O público beneficiário era constituído pela família rural, todavia, as mulheres e os jovens eram trabalhados de forma separada e o propósito era o da melhoria de vida e a redução dos níveis de migração (THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 59).

Duas visões distintas, porém, coincidentes na busca do desenvolvimento rural, formam o marco teórico que fundamentou o nascimento da ATER no INTA. A primeira, de ordem técnica, relacionada diretamente com objetivos econômicos e com as condições de produção e exploração racional dos recursos. A segunda, de ordem educacional, que enfatizava a mudança de mentalidade do homem rural, no sentido de torná-lo apto a uma vida moderna. Ou seja, o objetivo do trabalho de ATER seria o de alcançar melhores níveis de produtividade agrícola, que proporcionariam melhores níveis de vida no campo, por meio de um processo educativo da família rural. Assim, pode-se dizer que a ATER é criada no INTA com a perspectiva de “levar o Ministério da Agricultura ao campo”, o que lhe facilitou consolidar uma ampla cobertura territorial, através das Agências de Extensão Rural (AER), promovendo um contato direto com a população rural e a implementação das suas propostas de trabalho (ALEMANY, 2003, p. 143).

De modo sucinto, é possível assegurar-se que da década de 1960 até parte da década de 1970, o INTA desempenhou um importante papel nas funções de geração e difusão de tecnologia, que em muito contribuiu com as mudanças ocorridas no setor agropecuário argentino, sendo nessa época um ator quase que único na missão de modernizar a agropecuária do país (INTA, 2012).

No período compreendido entre os anos de 1970 e 1980, ocorre na Argentina um episódio denominado por alguns estudiosos como “quiebre institucional”, no qual o Estado se enfraquece, abrindo mão de seus papéis.94 No caso argentino, havia escassez de

92 O INTA foi criado por meio do Decreto-lei 21.680/56. Disponível em:<http://inta.gob.ar/sobre-el- inta/historia>.

93 Também conhecido como “transferencismo”, componentes do modelo também conhecido como Rogeriano (THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 60).

94 Durante a década compreendida entre 1973-1983 o crescimento mundial é freado, há expressiva alta nos preços dos combustíveis e nos níveis de inflação. Com a crise mundial, o PIB da Argentina se retrai, entre 1973-

recursos, inexistência de políticas, de coordenação e de implementação. Nessa fase, verifica-se no INTA, um alargamento da distância entre pesquisa e a ATER. Como resultante de todos esses fatores, o serviço de extensão sofre duras consequências, perde muitos dos seus funcionários, e sua presença no meio rural é bastante reduzida. Como decorrência imediata, surgem organizações não governamentais (ONGs), ocupando o espaço deixado e priorizando a atuação com pequenos produtores minifundiários (THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 60). Aliam-se a esses fatos, os cortes permanentes nos orçamentos do INTA, associados a intensos debates em favor da privatização do órgão (INTA, 2004, p. 3)

É justamente nesse cenário que, a partir da metade dos anos 1980, o setor agropecuário passou a ser impactado por importantes mudanças estruturais que produziram desaceleração relativa nos índices de produtividade agrícola e transformações nos mercados de produtos primários, levando o INTA a operar um profundo redesenho organizacional que se ajustasse ao novo cenário do setor, com destaque para as medidas no campo da participação, da descentralização e integração.

Para dar consequência aos princípios da participação e descentralização, o Instituto tomou a decisão de constituir 15 Conselhos de Centros Regionais e 3Conselhos de Centros de Pesquisa, com autonomia para definir prioridades e alocar recursos. Os Conselhos eram constituídos por associações de produtores, representantes dos governos provinciais, comunidade científica e universidades. O princípio da integração se materializou a partir das formas conjuntas de atuação com a iniciativa privada, tendo como instrumento principal os convênios de vinculação tecnológica. No âmbito público, a nova postura possibilitou a execução, por exemplo, de dois importantes programas governamentais: o Programa Federal de Reconversão Produtiva (Câmbio Rural), destinado a médios e pequenos produtores e o Prouvera, implementado para fomentar a produção de alimentos para populações carentes (INTA, 2012).95

Thornton e Cimadevilla (2008), referindo-se aos últimos anos, registram que os programas estavam passando por mudanças estruturais importantes e até traumáticas, estimulados por uma política institucional renovada, indicando a necessidade de se fortalecer

76; fábricas são fechadas, instituições bancárias são inauguradas, o volume das exportações declina 21,3% e o poder de compra das exportações cai em quase 46%. Na década de 1980, a economia agrária argentina deve ser analisada à luz da crise mundial e da política financeira ortodoxa, que produziu o Processo de Reorganização Nacional (GIRBAL-BLACHA, 2010, p 6).

95

A experiência anterior do INTA em programas com essas características parece positiva, tendo em vista os bons resultados obtidos com o apoio a diversos setores produtivos, ação que atenuou processo de exclusão social e migração rural. (INTA, 2004, p. 43).

a ATER quanto aos seus enfoques, procedimentos e estruturas. Na opinião dos autores, essa etapa demandaria “uma extensão rural comprometida com a sustentabilidade e com uma prática baseada no enfoque territorial” (THORNTON; CIMADEVILLA, 2008, p. 60).

Em resumo, o primeiro projeto institucional da ATER no INTA pode ser descrito como concebido sob o “paradigma educacional”, que perdurou ao longo dos primeiros vinte anos do Instituto, de 1956 a 1976, e que fincou as bases de importantes transformações que deram origem ao segundo projeto institucional, denominado de “transferencista”, já mencionado anteriormente. Este segundo projeto prevaleceu até o início dos anos 1990, momento a partir do qual iniciaram-se as mudanças com o foco dirigido para a privatização ATER, assim como no desenvolvimento de novas formas de intervenção no meio rural.

Ao final da década de 1990, tem origem no INTA um outro debate, que propõe uma nova orientação para o trabalho de ATER e, consequentemente com repercussão no trabalho da pesquisa, orientação que estaria voltada para responder às importantes demandas sociais, ambientais e tecnológicas impostas pelas circunstâncias atuais96 (INTA, 2003, p. 141). A capacidade de mudança e de adaptação às diferentes visões do processo de desenvolvimento explicam a continuidade institucional alcançada pelo INTA nesse percurso. O INTA pode ser considerado a única organização latino-americana de desenvolvimento rural que alcançou um elevado grau de longevidade nesse complexo panorama agrícola da região, elemento diferencial que se soma à conjunção da pesquisa agrícola e extensão rural, numa única instituição (INTA, 2003, p. 140).97

Na história da ATER do INTA há uma singular constatação que a torna muito semelhante à história inicial da ATER no Brasil, muito embora existam diferenças na formatação institucional adotada pelos dois países. No relato do estudo do INTA (2003) registra-se que as equipes de extensionistas argentinos conseguiram desenvolver uma verdadeira “cultura extensionista” e uma "mística" que transcendiam à esfera profissional. O convencimento da missão educativa que os extensionistas desempenhavam e o caráter social que imprimiam à sua tarefa levaram a extensão rural a ocupar um lugar de destaque junto às populações rurais. Naquela época, o extensionista do INTA sentia-se muito mais que um empregado público, pois percebia que a sociedade valorizava o seu papel social, assim como a importância do seu trabalho (INTA, 2003, p. 143).98

96

O Plano Estratégico do INTA para o período 2005-2015 trata com detalhes sobre o futuro desenhado para a Pesquisa Agrícola e ATER no país, tema que será tratado mais à frente.

97 A partir de 1993, o INTA constituiu a Fundação ArgenINTA e a INTEA S.A, compondo o Grupo INTA. Para mais detalhes, acessar <http://inta.gob.ar/sobre-el-inta/grupo-inta>.

98

Ainda com relação à difusão de tecnologia, a contribuição específica dada pelo trabalho da ATER desenvolvido pelo INTA, principalmente nos Programas Câmbio Rural e Minifúndios, é também considerada de grande importância nos avanços na modernização do setor agrícola, contudo não se pode desconhecer a contribuição dada pelo setor privado nesse processo, essencialmente quando se trata da adoção de práticas como a ampliação da utilização da mecanização, agroquímicos e sementes melhoradas, oferta de insumos e comercialização da produção (INTA, 2000, p. 7).99

Entretanto, em contraposição aos elementos positivos anteriores, a visão de Bisang (2008) sobre a modernização da agropecuária argentina é crítica ao afirmar que todos os avanços alcançados são oriundos do processo desencadeado pela “Revolução Verde” e que foram incorporados pela agropecuária argentina de forma tardia, por décadas. Todavia, como que amenizando a crítica, ele afirma que o país se mostra na vanguarda quanto à sua inserção no bojo de uma nova revolução em curso que é a da “biotecnologia”. Para ele, as modificações substantivas na própria tecnologia, induzindo mudanças nas formas de organização, na reconfiguração dos agentes econômicos, nos sistemas de relações e até nos marcos institucionais, indicam mudanças na direção do surgimento de um novo paradigma tecnológico. Nesse ambiente, convivem novos e velhos modelos de funcionamento e organização, nos limites de uma atividade agrícola muito dinâmica que aprofunda suas bases