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Evolução do entendimento das atividades de ater: perspectiva histórica

1. EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA ATER: INFLUÊNCIAS E DETERMINANTES

1.1. Evolução do entendimento das atividades de ater: perspectiva histórica

Um dos primeiros registros de orientações sobre práticas agrícolas é abordado por Swanson et al. (1997), dando conta que no ano de 1800 a.C. arqueólogos descobriram na Mesopotâmia algumas tabuletas contendo inscrições que orientavam cuidados com a irrigação de culturas e a forma de combate a ratos, que prejudicavam seriamente as colheitas (SWANSON; BENTZ; SOFRANKO, 1997).

Pode-se considerar como um outro registro, igualmente importante, sobre algo parecido ao que se concebe hoje como "assistência técnica e extensão rural", a passagem

bíblica, transcrita a seguir, mais especificamente em Isaías, Capítulo 28, versículos de 24 a 29:11

Quando o agricultor ara a terra para o plantio, só faz isso o tempo todo? Só fica abrindo sulcos e gradeando o solo? Depois de nivelado o solo, ele não semeia o endro e não espalha as sementes do cominho? Não planta o trigo no lugar certo, a cevada no terreno próprio e o trigo duro nas bordas? O seu Deus o instrui e lhe ensina o caminho. Não se debulha o endro com trilhadeira, e sobre o cominho não se faz passar roda de carro; tira-se o endro com vara, e o cominho com um pedaço de pau. É preciso moer o cereal para fazer pão; por isso ninguém o fica trilhando para sempre. Fazem passar as rodas da trilhadeira sobre o trigo, mas os seus cavalos não o trituram (BÍBLIA, ISAÍAS, 28:24-29).

Parece implícita no texto do profeta Isaías a também presença da “pesquisa”, na medida em que as orientações e instruções dadas parecem ser consequência de observações e de, possivelmente, algumas experimentações, como as do tipo "tentativas de acerto-erro". Daquele período até hoje, o desenvolvimento da História produziu contribuições de muitos estudiosos sobre o tema, aperfeiçoando e ampliando a sua base conceitual.

Para Swanson et al. (1997), o trabalho de extensão no mundo, embora respeitável, tem pouco registro histórico. Para eles, o trabalho de extensão significa uma importante inovação social, uma força importante nas transformações agrícolas, que tem sido criado e recriado, desenvolvido e adaptado ao longo dos séculos, algo como quatro mil anos, embora sua evolução mais intensa e moderna tenha ocorrido nos dois últimos séculos (SWANSON; BENTZ; SOFRANKO, 1997).

Para Ban e Hawkins (1996), na origem da extensão rural está o termo "extensão universitária" ou "extensão da universidade", que teve seu uso iniciado na Inglaterra em 1840, sendo ampliado a diversas universidades, chegando-se a 1880 com a denominação de "movimentos de extensão", que se caracterizavam como a "saída" da universidade dos seus intramuros para levar serviços a comunidades no seu entorno (BAN; HAWKINS, 1996, p. 8).

No entanto, o uso ampliado da noção de "estender" a informação relevante e útil para a população adulta em geral é anterior ao movimento de extensão universitária. No início do século XIX, um político britânico, Lord Henry Brougham, um defensor influente da educação formal para os pobres e da educação de adultos em massa, fundou a Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil (Society for the Diffusion of Useful Knowledge) em 1826. Seu objetivo era “transmitir informações úteis para todas as classes da comunidade, especialmente para os que não têm capacidade de estudar com professores experientes e que preferem aprender por

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O profeta Isaías viveu por volta de 700 anos a.C. Acredita-se que seus escritos foram atualizados e complementados por outros profetas da "escola Isaíana" e depois recolhidos por volta do final do século 4º a. C. (Bíblia Sagrada, tradução da CNBB, com introdução e notas, 2ªedição, Edições Loyola, São Paulo, 2002).

si mesmos”. A sociedade tentou fazer isso, em grande parte, através da produção de publicações de baixo preço e estabeleceu comitês locais em todo o país “para estender o objetivo da Sociedade” (Sociedade para a Difusão do Conhecimento Útil, 1827).

Durante seus vinte anos de existência, os temas agrícolas foram bem cobertos em publicações da Sociedade. Outras associações semelhantes, mas com curta duração, também foram estabelecidas antes de 1840 em vários outros países europeus, além de Índia, China Malásia e Estados Unidos (SWANSON; BENTZ; SOFRANKO, 1997).

Avançando-se um pouco mais na História, é instrutivo o que afirmam Swanson et al. (1997), ao destacarem que, para o surgimento do trabalho formal de extensão agrícola, algumas condições recorrentes têm sido observadas em várias circunstâncias. A primeira condição é que a informação exista de forma sistematizada e que esteja disponibilizada por intermédio de boas práticas agrícolas, inovadoras ou adaptadas a um ambiente particular, baseadas no acúmulo de experiências ou em resultados de pesquisa, por mais simples que sejam. Em segundo lugar, é importante destacar que essa informação ou prática seja utilizada, dentre outras coisas, para educar os agricultores profissionais, que ainda podem adaptá-la ou aperfeiçoá-la, transformando-se em seus novos promotores e multiplicadores. Em terceiro lugar, é necessário que exista uma estrutura administrativa ou organizacional adequada, pelas quais possam ser concebidas, definidas e executadas as ações de extensão. Em quarto lugar, é necessário que haja um suporte institucional e legal que demonstre que o trabalho de extensão agrícola é desejável e deve ocorrer. Em quinto lugar, há, invariavelmente, uma variedade de antecedentes que têm suscitado iniciativas de organizações voltadas para prover a informação agrícola, o aconselhamento ou o assessoramento. Além disso, a incidência de situações críticas, como a fome, a perda de safra, o esgotamento do solo, condições econômicas precárias, podem se constituir em razões imediatas para justificar a organização do trabalho de extensão. Este conjunto ou várias dessas condições estão presentes no surgimento e na evolução das formas modernas de extensão agrícola (SWANSON; BENTZ; SOFRANKO, 1997).

A propósito da primeira condição, a existência do novo conhecimento, cabe lembrar que, na Europa da década de 1840, a ciência agrícola estava evoluindo rapidamente, com avanços notáveis sendo feitos na Alemanha, por Justus von Liebig, em Giessen, no campo da química agrícola, e com o estabelecimento de experimentos agrícolas em Rothamsted, na Inglaterra, por John Bennet Lawes e Henry Gilbert.

As sociedades agrícolas e seus programas agrícolas estavam florescendo e havia a produção de numerosas publicações e periódicos que tinham agricultores como público alvo.

Escolas agrícolas tinham se estabelecido na maioria dos países europeus. Adicionalmente, uma pequena minoria de fazendeiros e agricultores mais jovens tinha recebido uma educação formal em práticas agrícolas que, ao lado de outros agricultores treinados para prestarem serviços agrícolas, estavam disponíveis para serem contratados como assessores, conselheiros ou professores. Muitos dos proprietários de terra mais progressistas contratavam tais assessores para viajar às suas propriedades e implantar os métodos aperfeiçoados junto aos seus trabalhadores ou arrendatários. Com a "existência do conhecimento," estava dado o principal elemento necessário para a criação dos serviços de extensão agrícola, elemento importante já presente na França, Alemanha e Estados Unidos naquela época.

Outro exemplo clássico de condição necessária ao surgimento do serviço de extensão é dado pelas circunstâncias de criação do primeiro serviço de extensão da época moderna, que foi o da Irlanda. A criação desse serviço foi motivada pela ocorrência de uma praga na cultura da batata, principal alimento da dieta de uma população majoritariamente agrícola. A praga atingiu toda a Europa em 1845, sendo mais grave na Irlanda. A "fome da batata", como ficou conhecida, persistiu até 1851. A iniciativa de criação do serviço teve também a decisiva participação do novo vice-rei britânico nomeado para a Irlanda em 1847, o conde de Clarendon, que, logo após sua chegada em Dublin, escreveu uma carta ao presidente da Royal

Society of Agricultural Improvement Ireland (fundada em 1841), que atuava como sociedade

central de numerosas sociedades agrícolas locais. Esta carta se constituiu numa diretriz oficial, conclamando a sociedade a nomear professores itinerantes que percorressem os bairros com mais dificuldades com o objetivo de informar e mostrar aos pequenos agricultores, em termos simples, a forma de melhorar o seu cultivo e como progredir sem o cultivo da batata.

"Instrutores práticos do Senhor Clarendon", como ficaram conhecidos, foram nomeados, pagos e disponibilizados semanalmente para a sociedade em Dublin. Ao longo dos quatro anos de sua existência, o esquema foi financiado em sua metade por proprietários de terras e doações de caridade e o restante vindo de fundos controlados pelo governo (SWANSON; BENTZ; SOFRANKO, 1997).

Em 1879, a França foi o primeiro país a criar um serviço de extensão agrícola totalmente financiado pelo Estado. O trabalho que havia sido iniciado anteriormente a essa data feito por agricultores itinerantes passa agora a ser feito por professores das ciências agrícolas também itinerantes (professeur departamental d'agriculture). Uma das funções de cada professor agrícola, que se movimentava dentro do município, era a de preparar professores do ensino primário e, principalmente, de:

“(...) manter os agricultores informados sobre as modernas descoberta se as novas invenções que poderiam ser aplicados economicamente e com vantagem”; “para ser um popularizador (vulgarisateur) de progresso”; “para iluminar o coração da zona rural”. O número desses extensionistas cresceu rapidamente até o final da década de 1880 toda a França estava sendo servida (JONES; GARFORTH, 1997; tradução nossa)

Desse modo, percebe-se na iniciativa francesa a presença dos elementos conceituais relevantes que fariam parte de outras experiências que viriam a ser espalhadas pelo mundo, como: o caráter educativo do trabalho, na medida em que realizado por professores e que contribuía na formação de novos professores; a promoção da difusão de inovações agrícolas competitivas; a harmonia do novo conhecimento e as características locais; e a motivação dos produtores agrícolas e comunidades rurais.

Um pouco mais adiante, o termo "extensão agrária" ganha musculatura institucional e avança nos Estados Unidos, não sendo pretensioso afirmar que uma das conceituações pioneiras e formais da história da extensão agrária/agrícola no mundo está na Lei Smith Lever, de 1914, que criou o Serviço Cooperativo de Extensão Rural dos Estados Unidos. Este, seguramente, influenciou a criação de inúmeros serviços semelhantes em muitos outros países, inclusive o do Brasil. A Lei mencionada estabelecia conceitualmente que:

O trabalho cooperativo de extensão agrícola consistirá no desenvolvimento de aplicações práticas dos conhecimentos de pesquisa, em ações de orientação e demonstrações práticas de tecnologias ou práticas existentes ou melhoradas na agricultura, na utilização de energia solar, no que diz respeito à agricultura, economia doméstica e energia rural. (SMITH LEVER ACT; tradução nossa)12

Por essa Lei, a "extensão agrícola" era considerada um órgão legal de educação, ligada ao Ministério da Agricultura, sob a forma de um sistema nacional mantido e assessorado pelos governos federal, estaduais e municipais, de modo cooperativo, envolvendo: ensino, pesquisa, empresas privadas, representação de produtores, entre outros (OLINGER, 1996, p. 18).

Como se observa, o termo "assistência técnica" não está explicitamente presente nesse fragmento da Lei; por outro lado, é destacado de modo absolutamente claro e direto o papel da pesquisa e dos meios e métodos de comunicação para tornar o trabalho de difusão, com ênfase no efeito demonstrativo, algo prático e acessível a qualquer tipo de público.

Para Olinger (1996), o extensionismo como instituição pública nasceu nos Estados Unidos para conciliar uma oportunidade de desenvolvimento que apresentava, de um lado,

oferta abundante de terras agricultáveis a preços baixos e, do outro, a escassez de recursos humanos qualificados, capazes de proporcionar produção agrícola rentável. Assim, surge

A extensão como instrumento de ensino e educação informais, fora dos moldes da escola clássica, precisamente para que agricultores, donas de casa e jovens rurais tivessem a oportunidade de aprender sem prejudicar as lides rurais ou domésticas... (OLINGER, 1996, p. 12).

Para o mesmo autor e dito de outro modo, o serviço de extensão rural dos Estados Unidos tinha como objetivo: ajudar a difundir entre as famílias rurais, informações úteis e práticas sobre assuntos relacionados com agricultura e economia doméstica e encorajar a aplicação das mesmas (OLINGER, 1996, p. 23).

Um vasto panorama do termo "extensão", usado em vários países no mundo, é traçado por Ban e Hawkins (1996). Nesse panorama, é possível perceber o real significado atribuído à atividade de extensão a partir da etimologia da palavra empregada para designá-la. Na Holanda, por exemplo, é usada a palavra voorlichting, significando “iluminar o caminho à frente para ajudar as pessoas a encontrar o seu próprio caminho”. Ingleses e alemães utilizam a expressão Beratung, que pode ser traduzida como “assessorar”; já a Espanha utiliza o significado de “capacitação”.

Numa tentativa de síntese, os dois autores buscaram formular um conceito que incorporasse todas as nuances desses vários significados, chegando à seguinte definição: “extensão envolve o uso deliberado da comunicação e da informação para ajudar as pessoas a formar opiniões racionais e a tomar decisões acertadas” (tradução nossa). A análise dos inúmeros conceitos levou também os dois estudiosos a uma outra conclusão importante: a de que não está bem definida a linha que separa a “extensão” da educação de adultos (BAN; HAWKINS, 1996, p. 12).13

Ban e Hawkins (1996) também chamam atenção para aqueles agentes de extensão que executam tarefas de orientação quanto ao controle de pragas e doenças, ou quanto ao uso de

13 Segundo Vogt e Alves (2005), “na acepção que se tem na atualidade, a educação de adultos teve seu início no século XIX, na Europa, em um momento marcado pelas mudanças sociais decorrentes da industrialização e urbanização, gerando necessidade aos poderes públicos de criarem meios de instrução, como capacitação ao trabalho o que, naquele momento, significava um progresso e avanço social”. A 5ª Conferência Internacional sobre Educação de Adultos, realizada em Hamburgo, Alemanha e promovida pela UNESCO, em 1997, definiu que: “Por educação de adultos se entende o conjunto dos processos de aprendizagem, formal ou não, graças ao qual, as pessoas, cujo entorno social as considera adultas, podem desenvolver suas capacidades, enriquecer seus conhecimentos e melhorar as suas competências técnicas ou profissionais ou orientar-se para atender suas próprias necessidades e da sociedade. A educação de adultos abrange a educação formal e a educação permanente, a educação não formal e toda a gama de oportunidades de educação informal e ocasional existentes numa sociedade educativa multicultural, em que são reconhecidas as abordagens teóricas e baseadas na prática” (UNESCO, 1997, p. 7; tradução nossa).

insumos diversos, tais como fertilizantes, ou ainda quanto ao cumprimento de normas e padrões, trabalho ao qual eles classificaram de "assessoramento" ou "aconselhamento", algo distinto, quando executado isolado do trabalho de extensão (BAN; HAWKINS, 1996, p. 13).

Dessa diferenciação, parece então surgir a ideia embrionária do conteúdo conhecido atualmente como "assistência técnica", conteúdo invariavelmente inserido na tarefa de extensão, justificando-se assim a expressão "assistência técnica e extensão rural" (ATER), empregada especialmente no Brasil, mas também em outros países.

Ainda na tentativa de formular uma síntese conceitual para o trabalho de extensão rural, é oportuno destacar uma definição relevante surgida no âmbito de dirigentes de organismos de extensão rural no mundo, reunidos em Tegucigalpa (Honduras) em 1984, quando acordaram que:

A Extensão Rural é um processo de educação e capacitação de caráter permanente, que se caracteriza pela relação e comunicação recíproca e constante dos técnicos com os produtores, suas famílias e suas organizações. O propósito desse trabalho é alcançar, por meios participativos, a análise da problemática da agropecuária, tanto das propriedades em particular, como das comunidades, zonas e regiões agrícolas onde os agricultores se desenvolvem; a definição e a caracterização dos problemas mais prementes; a seleção das melhores soluções para esses problemas, com ênfase na utilização dos recursos disponíveis no próprio meio; a realização de programas de capacitação que surjam dessa análise e a avaliação permanente do processo (EMBRATER, 1987, p. 5).

No Brasil, em 1948, ocorreu a primeira iniciativa formal de extensão rural com a criação da Associação de Crédito e Assistência Rural de Minas Gerais (ACAR-MG). A essência do surgimento da ACAR-MG está na concepção de que o "crédito" somado à "assistência técnica", realizada por meio do processo educativo, possibilitaria elevar o nível de vida das famílias rurais de Minas Gerais (OLINGER, 1996, p. 48). De acordo com a Embrater (1986a), o modelo conceituado extensão rural em Minas Gerais foi inspirado no modelo Farm Security Administration, dos Estados Unidos, estando assim estruturado conceitualmente:

A Associação de Crédito e Assistência Rural - ACAR, fundada em 1948, foi a primeira experiência brasileira direcionada para a introdução de novas técnicas de agricultura e economia doméstica, de incentivo à organização e de aproximação do conhecimento gerado nos centros de ensino e de pesquisa aos produtores rurais.14

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Disponível em:< http://www.emater.mg.gov.br/portal.cgi?flagweb=site_tpl_paginas_internas2&id=2#. U8mjksi5dac>. Acesso em18 jul. 2014

Do exemplo da ACAR-MG derivam várias outras instituições semelhantes em outros estados brasileiros, em todas utilizando-se o termo “Assistência Rural”. A expansão do modelo de extensão de Minas Gerais para quase todo o Brasil ocorreu sob o patrocínio técnico e financeiro das instituições norte-americanas American International Association (AIA) e Escritório Técnico de Agricultura (ETA), dos governos federal, estaduais e municipais e agroindústrias, assim como dos produtores. A participação das instituições norte-americanas revela a reprodução do modelo conceitual de Minas Gerais nos outros estados e territórios brasileiros (EMBRATER, 1986a).

Mesmo sob inspiração do serviço de extensão dos Estados Unidos, apenas a partir de 1952 o termo “extensão” ganhou uso cotidiano na ACAR, motivação ocorrida por intermédio de um curso havido na Escola Superior de Agricultura de Viçosa (ESAV), Minas Gerais (OLINGER, 1996, p. 44).

Em 1956, o modelo ACAR alcança a dimensão de Sistema, com a criação da Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural (Abcar), uma associação nacional, sem fins lucrativos e de direito privado, que tinha a função de coordenar o serviço de extensão no Brasil, tendo em vista que a participação do ETA, que vinha desenvolvendo esse papel, era respaldada por um convênio com prazo de extinção (OLINGER, 1996; EMBRATER, 1986a).

Para a Abcar, o conceito de ATER que orientava as ações de suas associadas em todo o Brasil, tinha o seguinte conteúdo:

Extensão Rural é, em essência, um processo de ação educativa, envolvendo os agricultores e suas famílias e as próprias comunidades, orientado de modo a induzir mudanças quanto ao comportamento individual e coletivo, por via de novos conhecimentos, atitudes, hábitos e habilidades, em face dos problemas de produção, comercialização e administração da propriedade e do lar, saúde e outros que obstaculizam o progresso da agricultura. Elevação dos níveis de renda do agricultor e a melhoria das condições de vida das populações rurais. (ABCAR, 1965, p. 5)

A partir de 1964, o modelo conceitual da Abcar passa por mudanças importantes ao incorporar as diretrizes do governo federal, estabelecidas no Plano Quinquenal (1961-1965), segundo as quais o crédito subsidiado se constituiria no elemento viabilizador da tecnificação da agricultura para a produção de excedentes exportáveis. O público prioritário da extensão seria constituído por médios e grandes produtores, considerados como aqueles que dariam melhores e mais rápidas respostas à proposta de tecnificação, fenômeno denominado a seguir como "modernização conservadora" da agricultura brasileira (EMBRATER, 1986a).

As consequências de tais transformações conceituais tiveram repercussão imediata na ênfase ao trabalho de atendimento individualizado a produtores rurais, especialmente

relacionado à concessão de crédito rural e orientações técnicas, em detrimento ao trabalho com grupos de produtores de cunho mais participativo e organizativo. Há registros atestando que “o trabalho com as famílias rurais foi questionado e arrefecido” (EMBRATER, 1986a, p. 10).

Ainda de acordo com a mesma fonte, verificava-se no ano de 1969 a redução da influência norte-americana, com o encerramento do convênio com a AIA, deixando esta de participar da junta governativa da Abcar. Este espaço que foi ocupado integralmente pelo Ministro da Agricultura, como presidente daquela Associação e pelos secretários estaduais de agricultura como presidentes das juntas governativas das entidades estaduais (ACAR); esse fato guarda relevância com os contornos conceituais da extensão rural no país a partir de então.

Como consequência da mudança e do amadurecimento do Sistema, já se observava nas suas programações de 1972 e 73 um destaque à priorização do enfoque regional e o retorno do trabalho com os pequenos produtores.15 Nessa fase, as estratégias privilegiavam a difusão de tecnologia agropecuária, o fortalecimento da empresa agropecuária, a comercialização da produção e o desenvolvimento de recursos humanos (EMBRATER, 1986a).

Em 1974, é criada a Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural (Embrater) e estimulada a transformação das associações estaduais (ACAR) em também empresas estaduais (Emater), compondo assim o Sistema Embrater. Do ponto de vista conceitual, o novo sistema passa a: (i) priorizar a difusão da “moderna” tecnologia agropecuária e gerencial, por produto, para médios e grandes produtores; e (ii) para os