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As transformações na agricultura e na dinâmica de inovação e os reflexos na

1. EVOLUÇÃO CONCEITUAL DA ATER: INFLUÊNCIAS E DETERMINANTES

1.2. As transformações na agricultura e na dinâmica de inovação e os reflexos na

Nesta seção, pretende-se investigar as influências dos grandes avanços do conhecimento técnico-científico e das transformações institucionais, em geral, e na agricultura em particular, sobre a evolução conceitual e institucional da ATER. Essa investigação será desenvolvida sob uma outra perspectiva, a teórico-institucional, complementar à anterior, de cunho predominantemente histórico.

A ideia a ser perseguida supõe que a evolução conceitual da ATER também sofreu influência da forma e da natureza dos modelos com os quais as instituições se organizam e interagem no âmbito do processo de inovação, cujo entendimento também passou por uma

forte mudança nos últimos 50 anos. Dito de outro modo, esta seção busca identificar e compreender possíveis relações entre as grandes revoluções tecnológicas ocorridas no mundo, em especial na agricultura, e a evolução conceitual e institucional da ATER.

Uma primeira "revolução" de impacto inquestionável sobre a forma de se fazer agricultura no mundo foi a Revolução Agrícola Inglesa, ocorrida entre 1700 a 1750. No entendimento de Hayami e Ruttan (1988, p. 51), essa revolução pode ser assim caracterizada:

A revolução agrícola inglesa consistiu na evolução de um sistema intensivo, integrado, de técnicas de lavoura e zootecnia. No processo, o sistema de rotação de culturas de Norfolk substituiu o sistema de três campos abertos, no qual a terra arável era alocada entre cultivos permanentes e pastagens permanentes. Isto envolveu a introdução e uso mais intensivo de novas culturas forrageiras e de adubação verde e um aumento na disponibilidade e no uso de adubos de origem animal. Estas novas técnicas culturais permitiram a intensificação da produção de culturas agrícolas e da criação de gado, através da reciclagem de nutrientes vegetais, sob a forma de adubos animais com o objetivo de manter a fertilidade do solo. Os progressos na tecnologia foram acompanhados pela consolidação e pelo fechamento das propriedades rurais com cercas e por investimentos no desenvolvimento de terras. O efeito final foi um crescimento substancial, tanto na produção agrícola total como na produção por hectare.

Para os mesmos autores, o sistema que deu base à revolução agrícola inglesa se desenvolveu por vários séculos, sendo popularizado no final do século XVIII e início do século seguinte, sendo a sua difusão responsável pela base técnica da desenvolvida agricultura inglesa, a partir do período 1850/1870 (HAYAMI; RUTTAN, 1988).

Os dois estudiosos afirmam que em sociedades pré-industriais eram factíveis taxas sustentadas de crescimento agrícola na casa de 1,0% ao ano. “Com o advento da industrialização, os potenciais para o crescimento da produção agrícola deslocaram-se de 1,5% a 2,5% ao ano” (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 47). Eles acrescentam:

Após a Revolução Industrial, taxas de crescimento dessa ordem ocorreram, durante períodos relativamente longos, na Europa Ocidental, América do Norte e Japão. Desde a metade do século 20, o potencial de crescimento da produção agrícola, aparentemente, elevou-se novamente para taxas anuais de crescimento superiores a 4%. Taxas sustentadas de crescimento dessa ordem foram observadas, principalmente, em economias que começaram a se desenvolver recentemente, como México, Brasil, Formosa e Israel (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p 47).

Ainda segundo os mesmos autores, a revolução agrícola inglesa criou as bases para a Revolução Industrial, que teve no ano de 1771, como “ano inaugural”, segundo Perez (2009), que a denomina de “Revolução Tecnológica” ou “primeira onda de inovação”. Para Perez (2009, p. 8; tradução nossa), “Revoluções Tecnológicas” são definidas como “(..) um

conjunto de descobertas radicais interligadas, formando uma grande constelação de tecnologias interdependentes; um cluster de clusters ou de um sistema de sistemas”.

O advento da Revolução Industrial, por sua vez, realimentou e aprofundou as transformações na agricultura, especialmente no vigoroso aumento da produtividade do trabalho e da terra, dada a introdução contínua de máquinas e equipamentos.

Para Perez (2009), a "Era do Vapor", considerada a "segunda onda de inovação", vem acompanhada de inúmeros avanços com impactos diretos sobre a atividade agrícola. Por exemplo, os avanços alcançados na química agrícola pela Europa, simultâneos à profusão de experimentos agrícolas, ocorridos por volta de 1840, que produziram, por um lado, a geração de novos conhecimentos e, por outro, o estímulo à difusão desses resultados.

Como exemplo, nessa época, última metade do século XIX, o Império Britânico organizava o trabalho de descoberta e exploração de plantas por intermédio de um sistema de "jardins botânicos", que foi "desenvolvido para facilitar a transferência, o teste e a introdução de materiais vegetais", ou seja, o embrião de uma estratégia de geração e difusão de inovações agrícolas. Essa estratégia não diminuía uma outra que consistia na observação empírica e no aprendizado sobre as diferenças substanciais na produtividade da terra ou da mão de obra entre fazendeiros e entre regiões (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 58).

Na sequência, tendo 1875 como "ano do big bang" ou "ano inaugural" da revolução, presenciava-se a "Era do Aço" ou a "terceira onda", marcada pelas conquistas nas engenharias pesada, elétrica, química, civil e naval. Logo em seguida,1879, surge o primeiro serviço de extensão rural público da Europa, localizado na França, cujo objetivo era o de transmitir o conhecimento gerado nas academias de ciência agrícola aos agricultores.

Acompanhando tais movimentos, os principais modelos de atuação da ATER caracterizavam-se essencialmente como difusionistas e transmissores de informações técnicas úteis aos produtores rurais. Três e meia décadas adiante, 1914, surge um dos serviços de extensão agrícola melhor estruturados no mundo, o serviço de extensão agrícola dos Estados Unidos.

Para Fonseca (1985), a criação do Serviço Cooperativo de Extensão Rural nos Estados Unidos (1914) pode ser considerada como fruto de um desejo do governo americano de introduzir na sociedade rural “conhecimentos úteis e práticos relacionados à agricultura, à pecuária e à economia doméstica para a adoção de métodos mais eficientes na administração da propriedade rural e do lar”.

Ainda segundo Fonseca (1985), a concepção teórica do modelo adotado pela Extensão Rural dos Estados Unidos tinha o caráter difusionista clássico e objetivava a elevação no

nível de conhecimento da população rural e consequentemente o “desenvolvimento de novas habilidades em suas atividades produtivas” (FONSECA,1985, p. 39). No modelo difusionista clássico,

o conhecimento é transmitido das fontes de origem ao povo rural. No contexto da Extensão, a comunicação é o meio pelo qual o povo rural estabelece contato com a nova tecnologia, advindo, em consequência, uma mudança tecnológica permanente. Portanto, o propósito básico da Extensão dentro do contexto do modelo clássico é o de transmitir conhecimento ao povo rural e levar os problemas do povo às fontes de pesquisa. (FONSECA, 1985, p. 40)

No caso da América Latina e, em particular, na implantação do serviço de Extensão Rural no Brasil, 1948 a 1962, o arcabouço teórico do modelo de extensão rural (ou agrícola) adotado foi denominado de “Difusionista Inovador”, ou “Humanista Assistencialista”. Para a mesma autora, essa concepção deveu-se ao Professor Everett M. Rogers ao compatibilizar: (i) estudos e pesquisas realizadas por antropólogos em regiões colonizadas por países europeus, que geraram novas teorias, dentre as quais o “difusionismo”, cuja essência indicava que o desenvolvimento dessas colônias se originava de estímulo externo e (ii) a Teoria dos Sistemas Sociais de Talcott Parsons.

O modelo apresentado e seguido pelos serviços de extensão rural de vários países, inclusive o do Brasil, como se pode deduzir da discussão anterior, inspirava-se claramente na abordagem linear, refutada pela teoria evolucionária, como será discutido adiante. O modelo, além de receber de Fonseca (1985) e de outros estudiosos críticas contundentes, foi considerando “alienante e descompromissado com os interesses reais e imediatos das populações rurais latino-americanas” (FONSECA, 1985, p. 52).

No caso brasileiro, a base institucional embora considerasse a integração entre a pesquisa agrícola e a extensão rural uma diretriz sempre presente, os serviços operavam de forma individualizada, diferentemente, portanto, do modelo dos Estados Unidos, que uniu a pesquisa, a extensão e o ensino em uma única instituição que era a universidade.

Para Hayami e Ruttan (1988, p. 59), o modelo difusionista exerceu influência direta na base conceitual em que se apoiavam a pesquisa e a extensão: “O modelo de difusão do desenvolvimento agrícola forneceu a base intelectual mais importante para uma grande parte do trabalho de pesquisa e extensão em uso nas propriedades rurais e na economia de produção (...).”

Entretanto, Hayami e Ruttan (1988) também reconhecem que o modelo difusionista possuía limitações para o planejamento do desenvolvimento agrícola, pois os programas de

assistência técnica e desenvolvimento neles baseados não tecnificaram as fazendas tradicionais nem aumentaram a taxa de crescimento da produção agrícola.

Em síntese, a natureza da crítica de Hayami e Ruttan (1988) difere da crítica de Fonseca (1985). Para os dois autores, a transferência de uma tecnologia de uma região para outra apenas terá chances de sucesso se as condições agroclimáticas e de apoio técnico forem próximas. Eles exemplificam que a transferência da tecnologia do milho híbrido dos Estados Unidos para a Europa Ocidental foi exitosa porque as condições de clima eram semelhantes e porque havia capital humano na Europa Ocidental (cientistas agrícolas e técnicos agrícolas) capaz de promover a pesquisa de validação e adaptação. Ou seja, uma situação privilegiada e rara, quando comparada à transferência que ocorre entre regiões ou países de graus de desenvolvimento distintos.

Segundo Rodrigues (1997), no Brasil, o modelo praticado quando da implantação da ATER no país, denominado “Humanista Assistencialista”, tinha como características: privilegiar a categoria dos pequenos agricultores; ter como unidade de trabalho a família rural; oferecer uma orientação pedagógica pautada no lema “ensinar a fazer, fazendo”; e o extensionista desempenhava o papel de “indutor de mudanças no comportamento”. A tecnologia assumia nesse modelo um papel “apenas subjacente, enquanto instrumento para melhorar as condições de vida da família rural” (RODRIGUES, 1997, p. 122).

O Quadro 1, a seguir, tem a pretensão de sistematizar esse conjunto de eventos disruptivos no campo da Ciência, da Tecnologia e da Inovação, ocorridos no mundo e discutidos nos parágrafos anteriores, além de buscar possíveis relações de influência destes com as transformações na agricultura e com a ATER.

Quadro 1 – As Revoluções Tecnológicas ou “ondas de inovação," as transformações na agricultura e a evolução conceitual e institucional da Extensão Rural no mundo e no

Brasil, no período de 1700 a 2016

Fontes: (1) Corazza e Bonacelli (2014) e Perez (2009); (2) Rodrigues (1997, p. 122); (3) A expressão foi usada pela primeira

vez por William Gaud em 1968, para referir-se à tecnologia de novas cultivares de cereais de alta produtividade (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 86); (4) Conceito de Ecodesenvolvimento, por Ignacy Sachs, em 1980; ver em Buarque, S.C.,(1996, p. 6); (5) para Perez (2009), ano no qual ocorreu um evento inicial, uma espécie de evento inaugural da Revolução; (6) Hayami e Ruttan (1988,p. 51); (7) MAPA (Disponível em: http://www.agricultura.gov.br/arq_editor/folder_agricultura_F02.pdf>. (8) Kageyama (1987); (9) Barros (2014).(10) Guimarães, A,P (1979).

EVENTOS PERÍODO REVOLUÇÕES TECNOLÓGICAS OU "ONDAS DE INOVAÇÃO"(1) TRANSFORMAÇÕES NA AGRICULTURA EVENTOS DE DESTAQUE NA EXTENSÃO RURAL MUNDIAL E BRASILEIRA MODELOS DE ATER 1700- 1800 Revolução Agrícola Inglesa. (1700-1750)

Mecanização da indústria Têxtil; Crescimento da taxa da produção agrícola de 1,5% para 2,5% a.a

(6). Avanços tecnológicos na

agricultura inglesa: preparo e correção dos solos; sementes selecionadas, abandono do sistema de “afolhamento” (pousio); introdução de rotação de culturas, plantio de forragem (sistema Norfolk); drenagem e irrigação de pântanos. Na Inglaterra- Organização de propriedades-modelo; realização de eventos de difusão de tecnologia, inventos mecânicos, publicações técnicas, com destaque para o livro de difusão de tecnologia agrícola, escrito pelo “cientista” e agricultor, Jetrho Tull (1731).(10) 1ª Onda-"Revolução

Industrial"; (máquinas, fábricas, canais); (Inglaterra). "Big bang inicial da revolução":1771

1800- 1850

2ª Onda- "Era do Vapor"; (carvão, ferro, ferrovias, telégrafo...); (Inglaterra). "Big bang inicial da Revolução":1829.

Doutrina do esgotamento do solo por Liebig (2º quarto do séc. 19).(6).

Avanços na Química Agrícola e na experimentação agrícola; alimentos conservados

IRLANDA- Criação do 1º serviço de extensão da época

moderna (1845). Motivação: praga na cultura da batata (fome da batata –perdurando até 1851) Difusionista- modelo baseado na utilização professores intinerantes. 1850- 1900

3ª Onda- "Era do Aço"; Engenharia pesada", química, elétrica e naval; (USA, Inglaterra e Alemanha). "Big bang inicial da revolução":1875 Avanços na mecanização e na criação de Fertilizantes e Defensivos. Alimentos refrigerados e congelados Criação do 1º serviço público de Extensão Rural no mundo (França 1879) Difusionista 1900- 1950 4ª Onda-'"Era do Automóvel”; (Petróleo, petroquímicos, produção em massa...); (Estados Unidos). "Big bang inicial da revolução”; 1908

Mudança da base técnica da produção agrícola iniciada depois da II Guerra Mundial (maior utilização de equipamentos e insumos, aumentando a produtividade dos fatores).(8)

Criação do Serviço Cooperativo de Extensão Rural nos Estados Unidos, 1914. Difusionista clássico; Base institucional: integração Pesquisa-Extensão- Ensino 1950- 2000 5ª Onda- "Era da Tecnologia da Informação e Comunicação" (internet, fibra ótica, satélite...); (Estados Unidos). "Big bang inicial da revolução":1971

Revolução Verde (década de 1960/70) (3)

Criação da Associação Brasileira de Crédito e Assistência Rural- ABCAR- 1956 Difusionista-inovador ou Humanista assistencialista (1948- 1962); Brasil. ( Desenvolvimento Sustentável (1980) (4) Desestruturação do Sibrater (1992) (Brasil); Surgimento do Pronaf (1995) (Brasil) Modernização Agrícola Difusionismo Produtivista (1963 - 1984) (2); Base institucional: Pesquisa e Extensão individualizadas; Brasil. Agricultura de precisão. No

Brasil introduzida no início da década de 1990 (7) Criação do Ministério do Desenvolvimento Agrário (1995); (Brasil) Embrião do trabalho com a agricultura familiar; Brasil (1995 a 2002) 2000- 2016

Possível 6ª Onda- "Era da biotecnologia, bioeletrônica e nanotecnologia"

Consolidação do segmento “agronegócio”, na economia brasileira, que tem no progresso técnico, o centro de seu modelo de negócios (Brasil). (9)

Ênfase na agricultura familiar e Reforma Agrária; (Brasil)

Exclusividade na assistência à agricultura familiar. Modelo baseado no Desenvolvimento Rural Sustentável e na Extensão Rural Agroecológica (2003- 2014) Criação e Institucionalização da Pnater (2003 e 2010) Criação da Anater (2013); (Brasil)

O objetivo é analisar eventuais nexos que possam explicar ou justificar as transformações ocorridas na ATER e, mais que isso, que possam substantivar a sua evolução conceitual e institucional, como também, indicar sinais de transformações futuras no ambiente da ATER.

O Quadro traz as cinco revoluções tecnológicas descritas por Perez (2009) e uma sexta, em formação, também admitida por Corazza e Bonacelli (2014). Para cada uma das cinco primeiras, Perez (2009) identifica um ano de “inauguração” da revolução (respectivamente, 1771, 1829, 1875, 1908 e 1971), denominando-o de “Big bang inicial da revolução”. Corazza e Bonacelli (2014) apontam períodos de aproximadamente cinco décadas como períodos de consolidação de uma “onda”, indicação aqui também utilizada para a periodização estabelecida (CORAZZA; BONACELLI, 2014; PEREZ, 2009). Exceção feita apenas para o primeiro período (1700-1880), cujo propósito foi destacar a Revolução Agrícola da Inglaterra como evento de importância capital na história da evolução tecnológica da agricultura no mundo.

A tentativa da busca de influências identifica também possíveis repercussões na agricultura, a exemplo da repercussão da “primeira onda”, “Revolução Industrial”, sobre a mecanização da cadeia do algodão, o que gerou aumento dos padrões de produção e produtividade, potencializando os efeitos da revolução agrícola inglesa.

Percebe-se também os efeitos da terceira (química, grandes pontes e túneis etc.) e quarta (petroquímicos, tratores, etc.) "ondas de inovação", desdobrando-se especialmente nos avanços na química agrícola, fertilizantes, defensivos e na ampliação das experimentações agrícolas.

Mais à frente, década de 1960, constata-se o surgimento da "Revolução Verde", que significou um modelo de produção que incorporava de forma integrada grande parte desses avanços anteriores, gerando níveis de produtividade nunca vistos antes (ROMEIRO, 2014).

Tais avanços, não por acaso, repercutiram na ATER brasileira, por exemplo, traduzidos pela utilização dos modelos de atuação denominados “difusionista produtivista”. Nesse momento, meados da década de 1970, o modelo “difusionista produtivista” passa a ser operado por uma base institucional e organizacional renovada e fortalecida, representada pela criação de duas empresas públicas, a Embrapa e a Embrater. Estas organizações passam a configurar uma base institucional ampliada, em relação ao modelo anterior, e que incorpora o crédito rural como elemento central na viabilização e na velocidade do processo de adoção das inovações agrícolas.

Em seguida, década de 1980, constata-se o surgimento do movimento pelo “desenvolvimento sustentável”, inspirado na necessidade de se diminuir o ritmo frenético dos padrões de consumo e de produção, sobretudo dos países desenvolvidos. Esse movimento apontava para a urgência de preservação dos recursos naturais, face os danos graves ambientais e na qualidade de vida da geração atual, além do risco de esgotamento dos recursos naturais para as gerações futuras. Essa evidência, conjugada a outras circunstâncias, repercutiu na ATER, indicando a necessidade de se valorizar modelos de difusão menos agressivos à natureza, além da preocupação com aqueles produtores que ficaram à margem da tecnificação, na sua grande maioria, denominados de agricultores familiares (EMBRATER, 1990).

No caso brasileiro, o modelo “Difusionista Produtivista” caracterizava-se por adotar os grandes e médios produtores como público preferencial; a unidade de trabalho deslocou-se para o produtor, ao invés da família rural; a elaboração de planos de crédito se constituiu no grande papel do extensionista como mecanismo essencial na viabilização da difusão da tecnologia, incumbida de promover aumentos nos níveis de produtividade da terra e do trabalho.

Com o decorrer do tempo, a aplicação do modelo ao caso brasileiro foi apontada como contribuidora para a exclusão do processo de tecnificação de milhares produtores familiares. Nesse sentido, registra a Embrater (1990) que o processo de modernização da agricultura brasileira prevalecente nas décadas de 1970 e de 1980 produziu aumentos "progressivos e significativos" nos níveis de produção e produtividade agropecuárias, todavia, contribuiu também para outros efeitos como:

A ocupação desordenada do espaço rural, com nítidos e indesejáveis prejuízos ecológicos; Uma alteração profunda da base tecnológica da produção agrícola, da composição das culturas e dos processos de produção de forma concentrada, marginalizando a maioria dos agricultores; Uma concentração da propriedade da terra, afetando sensivelmente as relações de trabalho no campo; Um forte êxodo rural, o crescente assalariamento da força de trabalho agrícola e a alta sazonalização do emprego rural; Alterações quantitativas e qualitativas no processo de urbanização... (EMBRATER, 1990, p. 11).

Soma-se ao registro da Embrater (1990) uma outra constatação já apontada anteriormente por Hayami e Ruttan (1988) sobre os resultados, nos anos 1960, da aplicação do mesmo modelo noutros países:

As limitações do modelo de difusão para o planejamento do desenvolvimento agrícola tornaram-se cada vez mais evidentes. Isto se deu porque os programas de

assistência técnica e de desenvolvimento comunitário, baseados explícita ou implicitamente no modelo de difusão, foram incapazes de modernizar as fazendas tradicionais ou acelerar as taxas de crescimento do produto agrícola. (HAYAMI; RUTTAN, 1988, p. 60)20

De modo geral, a crítica mais contundente feita à ATER brasileira era a de que o modelo do difusionismo produtivista além de ter contribuído com a exclusão de milhares de pequenos produtores do processo de modernização agrícola, aprofundou ainda mais as desigualdades no meio rural.

Com relação à natureza dessa crítica, de se atribuir à ATER governamental a responsabilidade pelo atraso da modernização da agricultura familiar brasileira, esta tese voltará ao tema no sentido do seu aprofundamento.

Todo esse cenário serviu de motivação para o surgimento de um novo modelo de extensão, inserido também num novo momento político de redemocratização do Brasil, denominado de “Humanismo Crítico”.

A liderança da implementação deste novo modelo coube a Romeu Padilha de Figueiredo que, ao tomar posse na presidência da Embrater em 1985, destacou como justificativa para a adoção do modelo “Humanismo Crítico”: “a prioridade aos pobres, no contexto brasileiro, é uma exigência não só ética como também econômica, social e política” (EMBRATER, 1986b, p. 8).

Assim, o novo modelo vigente, de 1985 a 1989, priorizou os pequenos produtores, arrendatários, parceiros, posseiros, boias-frias, assentados da reforma agrária e assalariados, assim como a organização dos produtores como estratégia central para o trabalho de extensão (EMBRATER, 1986b, p. 8 e 12).

Ao se retornar ao passado da ATER no Brasil (1948), percebe-se que o “Humanismo Crítico” voltou a valorizar os pequenos e médios produtores como no período do início da atuação da ATER no país; a unidade de trabalho retornou o seu núcleo para a família rural; a orientação pedagógica assumiu a concepção “dialógico-problematizadora”, concebida pelo educador Paulo Freire; e, nesse modelo, coube ao extensionista o papel de um agente “catalisador de processos sociais”. A tecnologia, nessa nova etapa, era considerada essencial ao trabalho da ATER, embora circunscrita aos padrões de equilíbrio ecológico, energético e

20 Numa abordagem mundial, afirmam Feder et al. (1999) que: “Nos anos 1960, ainda no início da Revolução Verde, os serviços de extensão rural no mundo se caracterizavam pelo uso dos princípios da transferência de tecnologia, da comunicação interpessoal e do desenvolvimento de comunidades. Nos anos 1970, as características principais do serviço de Extensão incluíam a abordagem do desenvolvimento rural integrado (DRI), o surgimento do sistema de Treinamento e Visita (T&V) e a substituição do modelo de difusão de inovações pelo de oferta de pacotes de serviços integrados” (FEDER; WILLETT; ZIPJ, 1999, p. 4); (tradução