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2. SISTEMA NACIONAL DE INOVAÇÃO E A VERTENTE AGRÍCOLA: TEORIA E

2.1. O modelo linear e o modelo dinâmico de inovações

Com a atenção voltada para as mudanças e desafios do setor agrícola, mas também com a atenção dirigida aos enfoques sobre a estrutura de apoio à inovação na agricultura, que prevaleceram em passado recente, pode-se constatar que até a primeira década dos anos 1990 tais enfoques depositavam suas bases teóricas inspiradas no modelo ofertista ou linear de tecnologia.

A visão linear é um modelo interpretativo da relação ciência, tecnologia e inovação, surgido a partir da Segunda Guerra Mundial, que pressupõe na pesquisa científica a origem de todo o processo de inovação. Segundo o modelo, numa etapa seguinte, as descobertas da pesquisa científica seriam trabalhadas, aperfeiçoadas, configuradas, ou seja, passariam por uma segunda fase, a de “desenvolvimento”. A fase seguinte seria a de produção da inovação que, em sequência, seria levada ao mercado, numa quarta fase, para a sua difusão e adoção (KLINE; ROSENBERG, 1986, p. 285).

Ainda para Kline e Rosenberg (1986), o modelo linear apresenta inúmeros espaços de questionamentos, destacando-se entre eles:

 grande parte das inovações tecnológicas ocorre sem a participação da pesquisa científica, originando-se em iniciativas das empresas privadas, que desejam atender demandas do mercado. No outro extremo, existem inovações tecnicamente perfeitas, mas que não foram bem recebidas pelo mercado, caso do supersônico Concorde, dentre inúmeras outras, indicando que existem outros elementos, além daqueles originados na pesquisa, definidores do grau de adoção da inovação; em suma, para os autores, o centro do processo de inovação não é a ciência, mas a concepção da inovação;

o caráter estático e linear do modelo desconhece o feedback como elemento essencial ao aperfeiçoamento do processo inovativo, tendo em vista serem os inputs, por definição, uma prerrogativa da pesquisa científica. Kline e Rosenberg (1986) argumentam que tanto a inovação radical, quanto a incremental prosperam melhor quando alimentadas por múltiplas fontes de insumos informais. Ou seja, no modelo linear, o potencial usuário da inovação só teria contato com a inovação na última etapa do processo, quando da sua difusão no mercado;

 a estruturação do modelo linear pressupõe o processo de inovação como algo plano, regular, uniforme e bem-comportado, o que contrasta com o movimento das forças sociais envolvidas no processo, dando-lhe, assim, um caráter dinâmico e, portanto, em constante movimento;

 para o modelo linear, o conhecimento científico e tecnológico em “estoque” é aquele que é gerado permanentemente, tem caráter público e pode ser apropriado livremente. Na realidade objetiva, a apropriação desses conhecimentos, na imensa maioria dos casos, requer expressivos dispêndios em recursos humanos e financeiros, o que, por si só, restringe consideravelmente a sua apropriação.

Ponderam, ainda, os dois estudiosos, que o mais curioso é que, embora contendo imensas lacunas na sua base de fundamentação, o modelo linear é largamente utilizado. Para Thomas Kuhn, citado por Kline e Rosenberg (1986), a explicação mais razoável para esse fenômeno reside no fato do elevado grau de complexidade dos novos modelos, o que dificulta a plena substituição do modelo linear, de muito mais fácil entendimento (KLINE; ROSENBERG, 1986, p. 287).

Antevendo o ciclo das grandes transformações nos modelos de interpretações teóricas, Thomas Kuhn (2007) ensina que o processo pelo qual um novo candidato a paradigma substitui o seu antecessor é semelhante a qualquer nova interpretação da natureza, seja ela uma descoberta ou uma teoria, ela aparece na mente de um ou mais indivíduos, são eles os primeiros a aprender a ver a ciência e o mundo de nova maneira.

Sua habilidade para fazer essa transição é facilitada por duas circunstâncias estranhas à maioria dos membros da sua profissão: invariavelmente tiveram sua atenção concentrada sobre problemas que provocam crises. Além disso, são habitualmente tão jovens ou tão novos na área que em crise que a prática científica os comprometeu menos profundamente que os seus contemporâneos à concepção de mundo e às regras estabelecidas pelo velho paradigma. (KUHN, 2007, p. 185)

Todas essas evidências não fizeram o modelo linear ser afastado totalmente das análises sobre o comportamento do processo inovativo, como bem ilustra a citação de Stokes (2005):

Nas palavras de Nathan Rosenbeg, “todos sabem que o modelo linear de inovação está morto”, mesmo que ele ainda sobreviva em partes da comunidade científica e de políticas e entre o público em geral. Ele sofreu ferimentos mortais causados pela percepção disseminada do quanto são múltiplas, complexas e desigualmente percorridas as trajetórias entre o progresso científico e tecnológico; de quão frequentemente a tecnologia serve de inspiração à ciência, em vez de ocorrer o contrário; e de quantas melhorias da tecnologia nem sequer esperam pela ciência. (STOKES, 2005, p. 133)

O surgimento de um novo modo de interpretar o progresso técnico, que supera as lacunas do modelo linear, denominado de “evolucionário’, de inspiração neoschumpeteriana, fundamentou Furtado e Freitas (2004) a ponderarem, conforme a citação a seguir, sobre os dois modos de interpretar o progresso técnico. Sobre este, a

corrente evolucionista, representada por Nelson e Winter (1982), Dosi et al. (1988), Freeman (1974) e Rosenberg (1979), enfatiza que as formas de relacionamento entre pesquisa e atividade econômica são múltiplas e o processo de inovação é interativo e multidirecional. Assim, Furtado e Freitas (2004) entendem que:

(...) a tecnologia não requer necessariamente o avanço da ciência. Muitas vezes o avanço da ciência anda a reboque da tecnologia. O que é mais, muita inovação é feita lançando mão de conhecimento tecnológico existente... A sequência linear entre C,T&I é apenas umas das possibilidades de inovação. (FURTADO; FREITAS, 2004, p. 61)

Para o caso específico da agricultura, Salles-Filho (1993), assim como Possas, Salles-Filho e Silveira (1994) chamavam a atenção para as fontes geradoras do processo de inovação na agricultura que, por sua própria natureza, configuravam a complexidade e o caráter dinâmico das interações presentes, difíceis de serem capturadas por modelos de traço linear. Para tornar mais precisas as ideias dos autores, cabe mencionar as fontes sobre as quais eles estavam se referindo: fontes privadas de organização empresarial industrial; fontes institucionais públicas (universidades, instituições de pesquisa agrícola, nacionais ou locais de pesquisa, órgãos de transferência de tecnologia ou de assistência técnica e extensão rural); fontes privadas relacionadas às agroindústrias verticalizadas ou às integrações e semi-integrações agroindustriais; fontes privadas, mas de organizações coletivas sem fins lucrativos (cooperativas e associações de produtores agrícolas e/ou agroindustriais); fontes privadas relacionadas à oferta de serviços técnicos especializados; a unidade agrícola de produção (SALLES-FILHO, 1993; POSSAS; SALLES-FILHO; SILVEIRA, 1994).

Indo na mesma direção, a partir da metade da primeira década dos anos 2000, surgem estudos importantes, apontando para uma nova perspectiva analítica, agora à luz da abordagem de Sistemas de Inovação, também de matriz neoschumpeteriana, na busca da melhor compreensão das relações que se desenvolvem no ambiente da inovação na agricultura. Entre esses estudos estão os de Spielman (2005; 2006), que manifestava suas convicções teóricas sobre o modelo linear e a abordagem evolucionária afirmando que a abordagem sobre o Sistema de Inovação era um divisor de águas entre a abordagem linear convencional e a interpretação dinâmica da pesquisa e do desenvolvimento, por proporcionar um modelo teórico que explora as complexas relações entre agentes heterogêneos e entre instituições econômicas e sociais. Além disso, para ele, a nova

abordagem determina, endogenamente, as oportunidades tecnológicas e institucionais (SPIELMAN, 2005).44

Três anos mais tarde da publicação desse artigo, Spielman & Birner (2008) reafirmam a necessidade de modelos analíticos mais atuais para se compreender melhor a natureza das transformações na agricultura (WORLD BANK, 2006), constatando o crescente reconhecimento que a inovação agrícola é muito mais complexa e menos linear do que se acreditava anteriormente. Desse fato, segundo eles, decorria a necessidade de se redefinir os mecanismos conceituais e analíticos usados para identificar como as políticas e os investimentos podem melhor promover o comportamento e as práticas inovativas no setor agrícola, contribuindo, portanto, com a redução da pobreza e com a melhoria sustentável das condições de vida da população rural pobre (SPIELMAN; BIRNER, 2008, p. 1).45

Na raiz de todo esse desenvolvimento teórico está a criação do conceito de Sistema Nacional de Inovação (SNI), que foi desenvolvido simultaneamente nos Estados Unidos e em diferentes partes da Europa, nos anos 1980. Atribui-se à colaboração entre Christopher Freeman e o grupo IKE da Universidade de Aalborg, no início dos anos 1980, como decisiva na formulação das primeiras versões do conceito: Freeman em 1982 e Lundvall em 1985 (LUNDVALL, 2005).