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A COLONIZAÇÃO E A LEI DE TERRAS NA PROVÍNCIA RIO-

O processo de ocupação do Rio grande do Sul foi lento e tardio. Os primeiros avanços territoriais, iniciados em torno de 1730, ocorreram principalmente por dois motivos: a instalação de postos militares para defender as áreas de fronteiras, para consolidar a presença portuguesa no

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Lígia Osório salienta, que a Lei de Terras não pode ser vista unicamente com o objetivo de regulamentar a propriedade so- mente como efeito da Lei Eusébio de Queiros. A questão da regulamentação da terra era uma questão que demandava uma solu- ção por si só.

local, e a atividade predatória de animais livres, para a produção e comercialização de couro. Com o passar do tempo, essa atividade predatória evoluiu à criação de rebanhos em espaços cer- cados. A opção pelos cercamentos viabilizou o acesso à terra e a subsequente formação das es- tâncias. A apropriação dos rebanhos e a posse de terras foram estratégias adotadas por alguns grupos de pessoas para demonstrar condições materiais para a requisição de sesmarias perante ao governo colonial.

No Rio Grande do Sul, a concessão de sesmarias privilegiou militares, comerciantes de animais e pessoas ligadas a administração colonial. Essas posses originaram as grandes estâncias, controladas por homens que consideravam que a manutenção e a expansão do território eram meios de favorecer a Coroa portuguesa e meios de assegurar as suas propriedades. Dessa forma, a ocupação do espaço agrário, especialmente nas regiões de campo destinados à pecuária, tornou-se um processo excludente baseado no monopólio da terra. O acesso a esta e aos animais alicerçou as bases para a concentração de poder nas mãos de poucos. Esses agentes causaram a formação de uma realidade agrária heterogênica, com a formação tanto de grandes proprietários quanto de uma massa de despossuídos, que serviam como mão-de-obra nas estâncias ou engrossavam o contingente das milícias particulares103.

Uma nova fase de ocupação territorial ocorreu após a independência do Brasil, já em uma nova conjuntura política e econômica. Na Província do Rio Grande do Sul, a primeira tenta- tiva de colonização ocorreu durante o Primeiro Reinado entre os anos de 1824 a 1830104. Esse projeto tinha como objetivo povoar o território e defender as fronteiras através do trabalho fami- liar. A ocupação foi implantada em áreas consideradas estratégicas para garantir a hegemonia e a consolidação do Império em territórios marcados por disputas geopolíticas. Além disso, essa ocupação deveria garantir a mão-de-obra livre em áreas dedicadas à diversificação da produção agrícola, com o intuito de contrabalançar a escassez de gêneros alimentícios do mercado interno, uma vez que que as grandes unidades produtivas estavam arraigadas na monocultura, voltadas para atender as demandas do mercado externo105. Porém, as colônias implantadas nessa época não prosperaram, com exceção de São Leopoldo, que se tornou um polo econômico, em parte devido à sua proximidade com a rio dos Sinos, localização que facilitava o escoamento da produ-

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Marcia Eckert Miranda. A Estalagem e o Império: Crise do Antigo Regime, fiscalidade e fronteira na Província de São Pedro (1808 – 1831). Campinas: 2006, p, 41. Tese de Doutorado.

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Sobre a colonização nesse período: Guilhermino César. História do Rio Grande do Sul – período colonial. 2º ed. Porto Alegre: Globo. 1980. Sandra Jataí Pesavento. História do Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980.

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ção agrícola à capital da Província106. Devido ao seu desenfreado crescimento vegetativo em con- junto com a incapacidade da colônia de suprir as demandas da população emergente, os filhos dos primeiros colonos buscaram novas áreas, o que intensificou a dispersão dos descendentes e ajudou a formação de outras colônias próximas.

Já no Segundo Reinado, com o término do período Regencial e da Revolução Farroupi- lha, houve um subsequente período de relativa estabilidade política e econômica, que foi essenci- al à retomada do projeto de colonização. Diferente de outras províncias brasileiras – especialmen- te São Paulo e Rio de Janeiro, nas quais os colonos pouco a pouco substituíram a mão-de-obra cativa pelo regime de parcerias – no Rio Grande do Sul, após a Lei de Terras de 1850, o objetivo da imigração permaneceu o mesmo tentado anteriormente: povoar as terras consideradas isoladas através da colonização dirigida e produzir alimentos para o mercado interno. Além disso, o pro- cesso de colonização abrangeu áreas não concorrentes com o latifúndio pastoril, sem portanto provocar conflitos com os grandes estancieiros e charqueadores107. Ao contrário das regiões pro- dutoras de café, por exemplo, a economia do extremo sul, ao longo do XIX, era dependente da pecuária extensiva. Essa atividade, por sua vez, era um sistema de produção que, embora também exigisse muito espaço físico, requeria bem menos trabalhadores do que a cafeicultura.

O projeto de colonização, baseado na pequena propriedade, não alcançou êxito em de- terminadas províncias do Império como, por exemplo, em São Paulo, no Rio de Janeiro e em Mi- nas Gerais. Nessas províncias, a solução encontrada para resolver o problema da falta de mão-de- obra foi, incialmente com o desenvolvimento do tráfico interno de escravos e, posteriormente,

através da vinda de estrangeiros que se estabeleceram em um sistema de parceria com proprietá- rios de terras108. De acordo com essa parceria, os imigrantes, normalmente, tinham as despesas da viagem e as acomodações pagas pelo proprietário da fazenda, uma espécie de adiantamento que seria depois cobrado acrescido de juros de 6% ao ano. Na propriedade, as famílias recebiam uma determinada quantidade de pés de cafés, proporcional à capacidade de trabalho das mesmas, para que os cultivassem, colhessem e beneficiassem. Após a venda, os lucros eram divididos entre ambas as partes. Segundo os contratos, também lhes era permitido produzir alimentos consorcia- dos entre os cafezais; no entanto, se essa produção fosse vendida, o lucro seria igualmente dividi-

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Conforme informações contidas no Relatório de Presidente de Província, no ano de 1857. P. 25 107

Sandra J. Pesavento. O imigrante na política rio-grandense. In: DACANAL, José Hildebrando (org). RS: Imigração e coloni- zação. Porto Alegre: Mercado Aberto. 1992, p. 156-194, p, 157.

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do com o dono da propriedade. Esses imigrantes só podiam deixar a fazenda após pagarem todas as suas dívidas com o proprietário109.

A aplicação de Lei de Terras de 1850, tal como trabalhado no tópico anterior, pretendia regulamentar as propriedades, evitar os apossamentos e resolver o problema da possível falta de mão-de-obra. No entanto, em relação a esse último propósito, no caso da Província do Rio Gran- de do Sul, a aplicação da Lei não promoveu a substituição dos escravos pelos trabalhadores es- trangeiros livres, como ocorreu em outras províncias do Império. Os imigrantes, nesse caso, fo- ram recrutados para preencher as terras devolutas em um sistema de pequenas propriedades. A Lei de Terras, por conseguinte, ocorreu de forma heterogênea, lenta e precária. O não cumpri- mento dela por parte da população, e em alguns casos mesmo por órgãos públicos, desdobrou-se em inúmeros casos de apossamentos ilegais e grilagens. Alguns se tornaram grandes proprietários a partir de 1850 enquanto que muitos pequenos posseiros não tiveram recursos, ou influência política, para legalizar as suas terras e, por conta disso, pouco a pouco perderam seus espaços para os latifúndios ou para áreas de colonização. Essa dinâmica se intensificou nas áreas de matos baldios com concentrações de ervais nativos, onde esses pequenos posseiros geralmente extraiam e produziam a erva-mate, e suscitou violentos conflitos pela disputa da posse da terra, que serão trabalhados com maiores detalhes ao longo deste capítulo.

De certa forma, todos esses fatores conjunturais (regulamentação da terra, imigração e mão-de-obra) exigiram medidas do governo provincial que, diante desse contexto, viabilizou a venda e o financiamento das terras públicas, organizou diretorias coloniais e forneceu apoio téc- nico aos colonos que se tornaram pequenos proprietários arraigados no trabalho familiar. Em contrapartida, o governo também se preocupava em atrair recursos com a seleção de imigrantes com algum poder aquisitivo. João Lins Vieira S. de Sinimbú, por exemplo, então presidente da Província, em 1853, argumentou a necessidade do projeto de colonização para superar as defici- ências da produção nacional, abastecer os núcleos urbanos e gerar crescimento agrícola e desen- volvimento tecnológico. Para alcançar esses objetivos, a imigração não deveria ser composta so- mente por indivíduos pobres, mas também por capitalistas que com seus recursos investiriam nas propriedades rurais e na construção de novos centros comerciais110.

Sinimbú também reiterou a necessidade de um projeto de colonização voltado para a po-

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Brasílio J. Sallum. Capitalismo e cafeicultura: Oeste Paulista, 1888-1930. São Paulo: Duas cidades LTDA. 1982, p, 74 110

Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Leis e Resoluções da Assembleia legislativa da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. 1º sessão da 4º Legislatura. Porto Alegre: Typographia de F. Pomatelly. 1833. p, 20

pulação pobre da Província que não possuía terras. Segundo ele, as colônias não deveriam ser formadas somente por imigrantes europeus e, sim, por cidadãos também nascidos no Brasil; e, além disso, a melhor forma de promover a colonização seria primeiro a compra e o loteamento de terras vagas para posterior venda às numerosas famílias que viviam embrenhadas nos matos ou de favor em propriedades alheias. Sinimbú acreditava que essa política traria muitos benefícios à Província pois ajudaria a concentração populacional, o que, por sua vez, facilitaria projetos do estado para a promoção da educação e do trabalho. Isso consequentemente aumentaria e também melhoraria as forças produtivas do país111. Entretanto, a concessão ou venda de lotes de terras para os luso-brasileiros pobres praticamente não fez parte do projeto de colonização oficial, que favoreceu basicamente a vinda de estrangeiros. As estatísticas indicam que até o final do século XIX entraram cerca de 150 mil apenas no Rio Grande do Sul112. Alguns autores inclusive desta- caram, ao estudar a imigração brasileira, a existência de uma ideologia dominante que pregava a superioridade da população branca europeia e que, provavelmente imbuído por esse ideal precon- ceituoso, o governo imperial favoreceu os europeus em detrimento dos nacionais113.

Por outro lado, o governo também sancionou a Lei nº 183, outorgada em 18 de outubro de 1850, que proibia a entrada de escravos nos territórios das colônias. Com isso, ele procurava impedir que os imigrantes adquirissem escravos. O colono que descumprisse tal Lei estaria sujei- to a pagar 32$000 réis de multa114. Diante disso, é possível que o suposto afinco com o qual os imigrantes se dedicavam ao trabalho nas áreas de colonização estava associado a falta de alterna- tiva a curto prazo, pois eles estavam distantes dos seus países de origem, em geral não tinham condições financeiras para comprar escravos e, mesmo que dispusessem de tais recursos, ainda havia uma legislação que os proibia de comprar. Adicionado a esses fatores, eles ainda precisa- vam angariar recursos para quitar a dívida da compra das terras de colonização, que poderiam ser pagas em um prazo de cinco anos, sem juros, em três parcelas nos finas do 3º, 4º e 5º ano115. Lo- go, precisavam realizar com as próprias forças todas as tarefas da vida cotidiana. De certa forma, é provável que esses fatores tenham contribuído para a formação do ideário social de que o colo-

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Relatório de Presidente da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul. João Lins Vieira Sansansão de Sinimbú. 1853. Porto Alegre. Typographia do Mercantil.1853, p. 21.

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Jean Roche. A Colonização Amemã e o Rio Grande do Sul. Porto Alegre: Globo, 1969 – p 167-170. 113

Loirane S. Giron. A imigração italiana no RS: fatores determinantes. In: DACANAL, José H. e GONZAGA, Sergius. RS: Imigração e Colonização. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1980. p. 55

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Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Leis e Resoluções da Assembleia legislativa da Província de S. Pedro do Rio Grande do Sul - 1º sessão da 4º Legislatura. Porto Alegre: Typographia de F. matelly. 1859. 115

no era laborioso enquanto que a população nativa era vista como preguiçosa e de hábitos rudi- mentares.

A despeito do ponto de vista, os imigrantes europeus, detentores de algumas inovações técnicas, desenvolveram um artesanato doméstico que, em um primeiro momento, supriu as ne- cessidades básicas, como a produção de tecidos de linho e algodão, a alfaiataria, a carpintaria, a sapataria, entre outros. Com o passar do tempo, essa produção artesanal evoluiu e se disseminou para vários setores econômicos116. Já em relação à agricultura, no início eles se dedicaram ao cultivo de gêneros de subsistência, com os quais já estavam familiarizados, como a batata inglesa, a aveia, o centeio, a ervilha e o trigo; e posteriormente introduziram outros cultivos locais como o milho, a mandioca, o feijão e o fumo. Esse arcabouço de produções artesanais e agrícolas foi im- portante para o crescimento e o desenvolvimento das colônias.