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OS REFLEXOS DA LEI DE TERRAS E DA COLONIZAÇÃO

A Lei de Terras de 1850 possivelmente influenciou a vida dos estratores de erva-mate. Esse estrato populacional era constituído por um contingente de trabalhadores à margem da soci- edade, com modo de vida em meio à mata e distante dos grandes centros. Não há como estabele- cer com precisão o tamanho e a origem dessa população, porque essa gente possuía uma ativida- de econômica itinerante e porque os responsáveis pelo senso demográfico, nessa época, não aden- travam as matas e os lugares mais ermos. A título de conhecimento, o senso de 1872, que classi- ficou a população de acordo com a raça, publicou o seguinte sensoriamento: 6% de caboclos; 7,88% de negros; 11,19% de pardos; e, por fim, 75% de brancos170. Por outro lado, os relatos de viajantes estrangeiros, mesmo que imprecisos, também possibilitam uma estimativa da composi- ção populacional desse período. Nos ervais de Campo Novo em Palmeira das Missões, por exemplo, havia, segundo os registros de Henrique Ambauer, cerca de 3.000 mil trabalhadores que se dedicavam a extração do mate171.

Os moradores dos ervais eram vistos na época como uma população de moral duvidosa: mulheres de poucos escrúpulos e homens volúveis, que se aproveitavam da imensidão da mata para ficar impunes dos seus atos condenáveis172. Para essas comunidades que sobreviviam através da ocupação da terra, após 1850, as condições de acesso à mesma se restringiram consideravel- mente. As alternativas para esses indivíduos foram o avanço sobre as áreas florestais e a intensi- ficação da extração de erva-mate. Eles eram atraídos pelas notícias de extraordinária abundância de ervais e se arranchavam como agregados de fazendeiros ou construíam moradas dentro dos matos baldios173, de forma simples e pouco estruturada. Normalmente eram feitas de pau a pique ou de barro e cobertas de palha, matéria-prima abundante na natureza. Não possuíam assoalho ou qualquer outro tipo de cobertura acima do solo, o chão era constituído somente por terra batida. Embora não fossem construções grandes, possuíam espaço suficiente para abrigar os ervateiros e seus familiares durante a noite ou mesmo dos rigores do inverno.

O extrativismo nos ervais públicos foi, durante muito tempo, uma forma de sobrevivên- cia para os homens pobres que, encurralados pelo latifúndio pastoril, embrenhavam-se nas matas

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Paulo Zarth. Op. Cit. p, 176 171

Relato do viajante Henrique Ambauer. Localizado In: Revista Trimestral do Instituto Histórico e Etnográfico do Brasil. Rio de Janeiro: Livreiro, 1866, 390.

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Henrique Ambauer. Op. Cit. p,390 173

para se dedicar a essa atividade, controlada pelas câmaras municipais através dos códigos de pos- tura. Essas Leis regulamentavam a extração, a fabricação e a manutenção dos ervais para impedir a poda desenfreada e a consequente destruição deles. Nos meses de entressafra (outubro, novem- bro, dezembro e fevereiro), os caboclos ervateiros se dedicavam à pequena agricultura de subsis- tência, permitida pelos referidos códigos, desde que estes não ameaçassem os ervais174. Eles plan- tavam alimentos como o milho, o feijão, a mandioca e a abóbora. Se houvesse excedente, este era destinado ao comércio. A forma de plantio consistia na derrubada, com auxílio de machados e foices, e posterior queima dos matos, onde não havia concentração de ervais. Quando caiam as primeiras chuvas, o solo era cavado com um pedaço de madeira e as sementes eram depositadas nos sulcos. Feito isso, a roça só demandaria novos trabalhos na época da colheita175.

Além dessa pequena agricultura, havia a criação bovina. O gado complementava a ali- mentação (carne, leite e derivados) e servia como meio de transporte da erva beneficiada até os centros comerciais. Carretas puxadas por seis a oito bois a transportavam para Itaqui e Uruguaia- na, municípios portuários nos quais o mate era exportado para os países do rio da Prata176. Além dessa importância, a produção de gado fornecia o couro, matéria-prima para o surrão, espécie de bolsa que servia para armazenar até 75 Kg de erva. Em média, do couro de um animal eram feitos dois surrões e meio. Para confeccionar tais embalagens, os couros dos bois eram amolecidos, em seguida cortados em quadrados e, por fim, costurados lateralmente, o que formava uma espécie de saca. Após feito essas sacas, a erva-mate era surrada para dentro das mesmas com força, de modo a formar um fardo grosso, provável origem da denominação surrão. Postos para secar, os surrões de couro se contraiam e exerciam pressão sobre o mate, o que garantia o seu acondicio- namento177. Esse recipiente era preferivelmente utilizado para auxiliar o transporte porque manti- nha as propriedades organolépticas da erva.

Próximo ao final do Império, outro recipiente para transportar a erva se popularizou: as barricas. Estas eram confeccionadas principalmente de madeira de araucária. A produção delas possivelmente estimulou o setor extrativista madeireiro e as serrarias responsáveis pelo corte de madeira. Além disso, também estimulou o trabalho nas ferrarias que produziam as peças de metal

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Segundo o Artigo 46 do Código de Palmeira das Missões por exemplo: É proibido fazer roças contiguas a ervais ou em matos onde tenha erva e queimá-los sem ter feito um aceiro pelo menos de sete metros bem limpos para impedir incendiar-se o erval. Entende-se por lugar contiguo ao erval distante das roças ao menos 500 metros.

175 Castro 1887, p, 280

176 Henrique Ambauer. Op. Cit. p,392

utilizados na fabricação desses recipientes. Distinto do surrão, os tamanhos das barricas variavam e comportavam de 05 até 100 Kg de erva-mate socada.

A pequena agropecuária e algumas pequenas manufaturas (como a produção de recipien- tes, cuias e bombas) constituíram parte importante da formação do complexo ervateiro, pois fo- ram atividades subsidiárias à economia extrativista do mate. O cultivo de alimentos e a criação de animais, principalmente realizadas durante a entressafra, integravam o modo de vida dos extrato- res e tornavam a economia principal factível. Conforme os relatórios das Câmaras178, a extração e o beneficiamento do mate também eram atividades produtoras essenciais à arrecadação de impos- tos aos municípios que apresentavam ervais. Em Cruz Alta, por exemplo, entre 1865-66 a erva- mate contribuiu com aproximadamente 69% dos tributos179.

Com a crescente mercantilização e valorização das terras, os órgãos públicos passaram a fiscalizar as áreas devolutas, especialmente as com presença de ervais, para evitar que sofressem danos. No ano de 1863, por exemplo, a Câmara de Cruz Alta processou seis pessoas (provavel- mente não se tratava de ervateiros) por derrubarem grande extensão de matos públicos próximos de ervais, para simples plantação de roçados180. Logo, as áreas florestais da província Rio- grandense se tornaram espaços com inúmeros conflitos territoriais ao longo do Segundo Reinado. A expansão da colonização e dos apossamentos indevidos sobre as áreas de ervais, considerados como terras devolutas, não foi um processo pacífico. Os extratores de mate, nesse contexto, resis- tiram a esse avanço, tanto através dos meios jurídicos quanto através da violência.

A documentação oficial da Câmara Municipal de Cruz Alta apresenta informações dos conflitos judiciais relacionados às áreas de ervais do município. De acordo com os registros, os ervateiros pobres reivindicavam legalmente seus direitos de fabricar mate em ervais públicos. No ano de 1855, por exemplo, os extratores de erva-mate enviaram um manifesto a Câmara Munici- pal para denunciar José Antonio da Cruz por tentativa de venda de terras devolutas em áreas de ervais. A Câmara diante dessa denúncia averiguou o caso e multou o transgressor. Dois anos de- pois dessa denúncia e da respectiva providencia tomada pela Câmara, o mesmo transgressor foi denunciado por apropriação indevida em terrenos públicos no distrito de Campo Novo. Ele e seus familiares invadiram e cercaram áreas de ervais e, com isso, impediam que os ervateiros extraís-

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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên- cia da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. S/nº. Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 15 de janeiro de 1876.

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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên- cia da Câmara Municipal de Cruz Alta. S/d. Cx 159.

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sem erva-mate181”. Outro caso de denúncia de extratores à Câmara de Cruz Alta ocorreu no ano de 1862 nos ervais do Faxinal. Segundo os denunciantes, o comissário Francisco José Alves Monteiro concedeu a terceiros terrenos nos campos de Monte Alvão, uma região do município que possuía um extenso erval público onde parte dos extratores pobres produziam erva-mate.

Em Palmeira das Missões também ocorreram casos similares. Um exemplo de grande repercussão ocorreu no ano de 1879, quando os habitantes do distrito do Campo Novo, agora pertencente ao município de Palmeira182, elaboraram um abaixo-assinado, e o enviaram ao Presi- dente da Câmara, ao Presidente da Província e ao Imperador, para acusar o juiz comissário Tibúr- cio Álvares Siqueira Fortes de apossamento de áreas entre os rios Várzea, Turvo e Guarita, desti- nadas ao uso coletivo e a fabricação de erva-mate. Embora essas terras fossem reconhecidamente devolutas desde 1861, o juiz ainda assim as registou em nome de terceiros para futuramente transferi-las para seu próprio nome183. Essas denúncias de ervateiros pobres são evidências de que, em alguns casos, eles reivindicavam seus direitos perante os órgãos públicos. No entanto, na mesma documentação consultada, são difíceis de encontrar as providências adotadas pelos órgãos públicos. Ainda assim, essas denúncias possivelmente adiaram a demarcação e a mercantilização desses matos e, de certa forma, postergaram a presença dos extratores nesses locais.

Outra forma de luta pela permanência nos ervais foi por meio da violência. No municí- pio de Palmeira das Missões, em 1881, Luiz Martinho Flores, considerado um articulador político dos caboclos, aconselhou-os para que estes não realizassem as medições e não cumprissem a le- galização das terras. Segundo ele, suas recomendações se justificavam pelo fato de que a Lei de Terras de 1850 deixara de valer pois a Princesa Imperial a havia suplantado em favor do povo e da pobreza daquele município184. Logo após esses acontecimentos, Luiz Martinho Flores foi as- sassinado por um proprietário de terras que, em sua defesa, alegou que a vítima invadira sua pro- priedade para coletar erva-mate185. Esse caso demonstra que os extratores não possuíam clareza sobre a nova legislação em vigor. Essa falta de discernimento era possivelmente consequência do analfabetismo dessa parcela da população, que vivia somente entranhada nos matos a cultivar

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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên- cia da Câmara Municipal de Cruz Alta. S/D. de 1863.

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Após a emancipação política do Município de Palmeira das Missões de Cruz o Distrito do Campo Novo ficou pertencendo ao município de Palmeira.

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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên- cia da Câmara Municipal de Cruz Alta. Sem data.

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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên- cia da Câmara Municipal de Cruz Alta. Sem data.

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pequenos roçados e que raramente se deslocava até a sede do município. Diante dessa realidade, a documentação oficial analisada sugere que os órgãos oficiais, ou mesmo os grandes proprietários, não tinham interesse em esclarecer os pequenos extratores a respeito da nova legislação, porque estes se tornariam fortes concorrentes aos grandes proprietários, os maiores influentes políticos e econômicos da região e, de certa forma, principais beneficiados com a sanção da Lei de Terras de 1850.

Além dos pequenos ervateiros, possivelmente a população indígena foi a outra parcela da população mais atingida pelos impactos da Lei de Terras e pelo processo de colonização. De 1848 a 1855, praticamente todas as tribos foram aldeadas em reservas indígenas: Guarita, Nono- ai, Inhacorá, Ligeiro, Votouro e Cacique Doble; situadas na região do mato castelhano, localiza- ção ainda sem a presença de imigrantes. Restritos a essas reservas, essas sociedades sofreram restrições às práticas da pesca, da caça e da coleta de alimentos. O governo ressaltava que uma das formas de “civilizar” os indígenas era por meio da catequização e do trabalho. Em espaços geofísicos reduzidos, os índios se dedicaram mais ao plantio de subsistência: feijão, milho e mandioca, principalmente. Além disso, dedicavam-se a produção de erva-mate, atividade em que alguns trabalhavam por conta e outros alugavam sua força produtiva em fábricas de particula- res186. De acordo com o relatório de 1860, a tribo Sagas, por exemplo, semeou, naquele ano, 18 alqueires de milho e nove de feijão e, durante o inverno, extraiu cerca de duas mil arrobas de er- va-mate, que foram vendidas ao valor de 1$200 réis por arroba, abaixo do preço corrente porque era erva cancheada187. Segundo esse e outros relatórios188, as comunidades indígenas, em contato com a sociedade luso brasileira, passaram por influências culturais e econômicas. A erva-mate, por exemplo, originalmente consumida com finalidades rituais ou meramente habituais, já não era mais extraída e preparada só para atender esses costumes, era produzida com a expectativa de gerar excedente à comercialização.

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Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Desembargador Francisco de Assis Pereira Rocha. 1 Sessão da 10 Legislatura da Assembleia Provincial. 1863, p, 38.

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Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Joaquim Antão Fernandes Leão. 1 sessão da 9 legislatura. Porto Alegre. Typographia Correio do Sul. 1860, p, 20

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Sobre catequização e colonização do índios ver os seguintes relatórios: Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Joaquim Antão Fernandes Leão. 1 sessão da 9 legislatura. Porto Alegre. Typographia Correio do Sul. 1860, p, 50; Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul. Desembargador Francisco de Assis Pereira Rocha. 1 Sessão da 10 Legislatura da Assembleia Provincial. 1863. p, 38; Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Marcelino de Souza Gonzaga. Rio de janeiro. Typographia Universal de Laemmert. 1865. p, 102; Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Conselheiro Jeronimo Martiniano Figueira de mello. Porto Alegre. Typographia Rio grandense. 1872 p, 33, entre outros.

É difícil quantificar o número exato de indígenas e caboclos expropriados direta ou indi- retamente pois, em geral, esses homens não possuíam os títulos da terra que ocupavam e nem recursos para efetuar as medições e os registros oficiais exigidos pela Lei de 1850. A prática cos- tumeira de utilizar a terra, sem considerar os aspectos formais, deixava-os vulneráveis diante dos órgãos públicos, dos comissários e dos usurpadores que possuíam poder político ou econômico. Assim, essa população era muitas vezes coagida e não buscava seus direitos.

No final do século XIX, a mercantilização das terras, destinadas ao processo de coloni- zação, avançou de forma desenfreada sobre os ervais do mato Castelhano. A situação dos cabo- clos e dos indígenas se agravou. Conforme ocorriam as demarcações e os apossamentos das terras devolutas, processo que se acelerou nos últimos anos do Brasil Império, os extratores eram ex- propriados e empurrados para os poucos espaços livres que sobravam. Muitos deles se tornaram mão-de-obra barata para os fazendeiros e colonos que se instalaram na região ou, como outra alternativa, optaram por migrar para os ervais de Santa Catarina e Mato Grosso, que nos anos de 1880 também emergiu como um importante polo ervateiro.

A partir da sanção da Lei de Terras e do processo de colonização e com os decorrentes apossamentos e devastação de ervais, não surgiu nenhum outro polo ervateiro expressivo na Pro- víncia do Rio Grande do Sul, além dos já trabalhados. Enquanto disponibilidade de matéria- prima, as regiões do mato Castelhano e mato Português juntas – que se estendiam por quase todo o Planalto, Norte e Noroeste da Província – tinham potencial para se desdobrar em vários centros ervateiros, sobretudo por conta da existente demanda dos países platinos e por conta das crises do Paraguai e da província do Paraná, principais concorrentes do mate Rio-grandense. Contudo, é provável que tanto o desmatamento desenfreado quanto os conflitos de terras inibiram o cresci- mento e o desenvolvimento do setor. Não houve reinvestimento e progresso tecnológico como no período anterior. O mesmo pilão de ferro introduzido nas manufaturas de erva por volta de 1847 ainda fazia parte das fábricas no decênio de 1880. A mesma tração animal, utilizada na época da Revolução Farroupilha para transporte de erva, permanecia indispensável para o escoamento da produção na transição do Império para a República. Embora, como tratado em detalhes no pró- ximo capítulo, o setor ervateiro Rio-grandense tenha gozado de um rápido momento de ascensão durante a guerra do Paraguai e a concomitante crise paranaense, os reflexos da Lei de Terras de 1850 e do avanço da colonização foram determinantes para justificar os motivos do declínio des- se setor econômico no final do Império.

3 ASCENSÃO E DECLÍNIO DO SETOR ERVATEIRO

Nesse capítulo, serão analisados o auge e a posterior crise da economia ervateira na Pro- víncia do Rio Grande do Sul, que ocorreu próximo ao final do período Imperial. Para entender como ocorreu esse processo, serão levadas em conta a conjuntura internacional, a economia e a política do Império, as demais províncias também produtoras de erva-mate, como a província Rio-grandense se inseriu nesse contexto, como esse emaranhado de políticas se refletiu sobre a sua economia e sociedade ervateira e como, por fim, ela se comportou e respondeu diante desses condicionantes externos, que foram determinantes para seu auge e posterior crise.

Em relação à conjuntura internacional, no início da década de 1860, a política externa, praticada pelo Império com o Estado do Paraguai e os demais países da região Platina (Uruguai, Argentina e Paraguai), estava inserida num quadro de tensões geopolíticas e econômicas caracte- rizado por instabilidades e desconfianças quanto aos interesses de cada nação. A não resolução dessas tensões e a incapacidade dos governantes de praticarem politicas diplomáticas eficientes culminaram com a Guerra do Paraguai, com início em dezembro de 1864 e término em março de 1870.

A referida guerra foi o principal confronto bélico durante o Império. Para o Brasil, a be- ligerância provocou grandes prejuízos financeiros, acelerou a instabilidade monárquica e contri- buiu para a implementação da Republica189, enquanto que, para o Paraguai, ela causou a morte de milhões de soldados e combatentes civis, cerca de 75% da população, e perda territorial. Áreas de abundantes ervais foram desmembradas do território Paraguaio190. Os demais Estados aliados, tanto o Uruguai mas principalmente a Argentina, terminaram a guerra com um déficit público muito superior ao existente em 1864 e, além disso, perderam também grande parte da popula- ção191.

Esse conflito foi estudado e interpretado por três principais correntes historiográficas. Essas distintas interpretações, a respeito do mesmo conflito, foram utilizadas nesse trabalho como fontes de informação para análise socioeconômica da erva-mate. A primeira versão foi baseada em narrativas elaboradas pelos membros do exército brasileiro, que personificaram suas vivên-

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Wilma Peres Costa. A espada de Dâmocles: O exército e a crise do Império. São Paulo: Hucitec; Campinas: Editora da Uni- camp, 1996

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Barbosa Lessa. Op. City. p, 29. 191

cias e experiências através de suas memórias. Essas narrativas, presentes nas cartas, nos diários e em outros documentos militares oficiais, que surgiram logo após o término do conflito, enalteci- am o exército imperial e seus feitos heroicos. Segundo essas interpretações, as forças armadas brasileiras, em conjunto com os exércitos aliados, lutaram contra o terrível e cruel Solano Lopes