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O SETOR ERVATEIRO DURANTE A GUERRA DO PARAGUA

A Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, assim como a do Mato Grosso, foi pal- co da guerra a partir de 10 de junho de 1865. Nessa data, as forças do exército guarani tomaram a cidade de São Borja; posteriormente, em 07 de julho, ocuparam Itaqui; e em 05 de agosto, invadi- ram Uruguaiana. Com o objetivo de combater e expulsar o exército inimigo, a Coroa brasileira deslocou grandes contingentes de soldados, inclusive o Imperador, para essas regiões. Diante da tarefa de abastecer as tropas, o Rio Grande do Sul enfrentou inúmeras dificuldades estruturais: não havia oferta de mantimentos para garantir simultaneamente as rações dos soldados e o abas- tecimento interno, os principais centros comerciais estavam distantes dos acampamentos e os meios de transportes eram precários e vagarosos.

Testemunhos valiosos desse quadro, repleto de conflitos e desafios, são os relatos dos soldados e dos personagens que vivenciaram e registraram suas impressões durante o período da batalha. As memórias dessas testemunhas oculares, encontradas em diários, relatos e correspon- dências oficiais, descreveram as condições dos acampamentos, a qualidade dos serviços médicos e da alimentação e, inclusive, a presença e importância da erva-mate.

Um exemplo sobre o consumo do chimarrão em meio à guerra foi o registrado por Luís Maria Fernando Gastão d’Orleans, o Conde D’Eu, que esteve na Província do Rio Grande do Sul, entre agosto e novembro de 1865, para acompanhar o Imperador durante a campanha. Ele relatou que a convivência nos acampamentos do exército o fez adquirir o hábito de tomar chimarrão, costume contraído como entretenimento para passar o tempo. Além disso, o Conde também res- saltou que não foram raras às vezes que o Imperador e sua comitiva, ao chegarem à casa de al- gum morador e este não tinha qualquer alimento para ofertar, nem mesmo um pão, ainda assim, nesse caso, o anfitrião oferecia um chimarrão213.

A erva-mate, como o relato anterior sugere, fez parte da rotina da guerra. Ela foi consu- mida tanto por soldados do baixo escalão quanto por chefes do alto comando. Desde o início da campanha militar, a alimentação básica das tropas do exército consistia em farinha de mandioca, churrasco, duas vezes ao dia, e chimarrão, sempre que possível. De vez em quando, a ração era complementada por arroz e, em razões extraordinárias, por bolacha ou sardinha214.

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Luis Felipe M. F. G. de Orleans. Viagem militar ao Rio Grande do Sul. São Paulo, SP: USP, 1981, p.131 214

Devido à prolongada duração da guerra, as reservas de suprimentos do exército se esgo- taram. Por conta disso, o abastecimento de alimentos, destinados às tropas, foram terceirizados. Até mesmo a erva-mate, estocada em grandes quantidades pelos quartéis, escasseou. Nos editais de fornecimento da guerra, portanto, o mate aparecia entre os víveres de primeira necessidade, como fica claro nos contratos assinados com o comerciante José Luiz Cardoso de Salles.

Num exemplo desses contratos, assinado em 16 de janeiro de 1866, o mercador avaliou que os 15 mil soldados comandados pelo barão de Porto Alegre consumiriam diariamente: 250 reses, 214 alqueires de farinha e 13 de sal, 88 arrobas de erva-mate e 15 de fumo, entre outros215. O montante de mate solicitado está relacionado com o fato de que o corpo da cavalaria era for- mado basicamente por soldados da Província do Rio Grande do Sul216 e estes possuíam o hábito de consumo do chimarrão. No dia 28 de junho de 1867, o Jornal a Sentinella do Sul publicou uma matéria sobre a Guerra do Paraguai e informou que 30.000 gaúchos faziam parte das tro- pas217. No entanto, pesquisas recentes sobre o contingente dos batalhões informaram que na rea- lidade o efetivo sul-rio-grandense era de aproximadamente 33.803 voluntários 218.

Outro contrato, firmado em 24 de fevereiro de 1865, na Vila União, suscitou críticas e discussões no Senado. Teófilo Otoni, senador do Império, desaprovou veementemente o exorbi- tante valor cobrado pelo mesmo comerciante: um boi que custava de 14 a 16 mil réis era vendido a 39 mil; o alqueire do sal que custava 2 mil réis era comercializado por 9 mil; e o mate que cus- tava em torno de 2 mil réis era negociado por 45 mil. Segundo o senador, Salles era integrante de uma comandita estabelecida para explorar o tesouro público219. De fato, os preços cobrados nos contratos eram incoerentes com a qualidade dos víveres fornecidos. Entre os produtos citados, o mate foi o mantimento mais inflacionado, vinte vezes acima do valor comercializado na Provín- cia.

Os registros dos campos de batalha revelam como o mate também estava presente na vi- da dos soldados paraguaios, que o consumiam em grande quantidade. No desenrolar do conflito, conforme necessário, Solano Lopes geralmente incumbia alguns soldados de sua confiança a tare- fa de espionar os exércitos adversários. Para motiva-los à realização desse trabalho, Lopes pre-

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Divalte Garcia. Soldados negociantes na Guerra do Paraguai. São Paulo: Humanitas, 2001 p. 130 a 135. 216

Ricardo Salles. A Guerra do Paraguai: escravidão e cidadania na formação do Exército. RJ: Paz e Terra, 1990, p, 124 217

Actualidades, Jornal a Sentinella do Sul. Porto Alegre. 28 de julho de 1867. Museu de Comunicação Hipólito da Costa. 218

, Luis Cristiano Christillino. Litígios ao Sul do Império: A Leis de Terras e a consolidação política da Coroa no Rio Grande do Sul. Tese apresentada na Universidade de Niterói.

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senteava-os com quantidades extras de milho e erva-mate nas rações220.

No entanto, com o desenrolar da guerra e o constante avanço das tropas aliadas, o exér- cito guarani abandonou os seus acampamentos com todos os pertences. Em agosto de 1869, por exemplo, o Conde D’Eu, então Ministro da Guerra, ao invadir a cidade paraguaia de Peribebui, local onde Lopes acampou por algum tempo, encontrou e confiscou grandes depósitos de melado, polvilho, milho e erva-mate, em ótimo estado de conservação221. Outro exemplo de espólio de guerra foi o registrado pelo Jornal a Reforma222, de 28 de agosto de 1869. A manchete informava sobre o cerco ao acampamento de Caraguatahy. Nesse local, o coronel Dechamps encontrou ar- mamentos, talheres de prata, objetos sacros, caixões com moedas de prata, documentos do gover- no Lopes e dois mil terços (surrões) de mate. A erva encontrada foi posteriormente vendida e, com isso, arrecadou cerca de cento e sessenta mil contos de réis223.

Desde o início do ano de 1869, os ervais paraguaios se consagraram como um local de refúgio para os sobreviventes da guerra. Como forma de dificultar o avanço dos exércitos aliados, a população evacuava as cidades, queimava os campos e se abrigava nos referidos ervais224. Du- rante todo esse ano, o conflito praticamente se resumiu à perseguição a Lopes, que acompanhado por um pequeno número de seguidores, também se refugiara nos ervais enquanto não conseguia chegar até a Bolívia, local onde pretendia conseguir asilo político225. No entanto, a captura e a morte de Lopes ocorreram em primeiro de março de 1870, fato histórico que pôs fim ao conflito que durou cerca de cinco anos.

Após a morte de Lopes, o Brasil instaurou um governo provisório para garantir a conti- nuidade do Estado independente do Paraguai, pois o Império temia que este, enfraquecido políti- co e economicamente, fosse incorporado pela Argentina. Esse novo governo atendeu primeira- mente os interesses do capital, os quais Lopes combatia. As terras públicas, alugadas aos guaranis por valores simbólicos, foram vendias ou concedidas aos grandes proprietários, alguns nem mesmo residentes do Paraguai. Os camponeses, portanto, perderam suas terras e se tornaram em- pregados dos grandes fazendeiros. Diante desse novo quadro, a legislação que regulamentava os ervais foi alterada, para que os mesmos fossem privatizados. Por conseguinte, em 09 de dezem-

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George Thompson. A Guerra do Paraguai. Rio de Janeiro. Conquista. 1968. P. 168 221

Alfredo Taunay. Memórias. Rio de Janeiro: Biblioteca do Exército, 1960, p. 30. 222

A Reforma, jornal fundado em 1869, pelo líder maragato Gaspar Silveira Martins, durou 43 anos. Surgiu como periódico do partido Liberal em oposição ao sistema Monárquico e aos seus representantes. Editado na cidade de Porto Alegre, buscou retratar em suas páginas temas de cunho comercial, informativo e principalmente político, com intensas campanhas abolicionistas. 223

Theatro da Guerra. A Reforma. Porto Alegre, 24 set. 1869. nº 82, p, 1. 224

Hilda A. H. Flores. Mulheres na Guerra do Paraguai. Porto Alegre: EDICUCRS, 2010. p. 118 – 125. 225

bro de 1870, o governo provisório do Paraguai declarou livre a extração e o comércio da erva- mate e o corte de madeira das florestas226.

Todos os percalços enfrentados pelo Estado Guarani durante os anos do conflito fizeram com que o Paraguai perdesse seu espaço no mercado ervateiro externo, pois os principais com- pradores da erva paraguaia, Argentina e Uruguai, deixaram de consumi-la devido ao rompimento diplomático. Por conseguinte, o período entre 1864 a 1870 foi excelente para o setor ervateiro Rio-grandense, já que o seu principal concorrente estava em guerra. Com o aumento das exporta- ções, autoridades provinciais e municipais agiram, com políticas de incentivos e fiscalizações, para garantir o melhor funcionamento do setor ervateiro. Para os governos municipais, a erva- mate era o principal produto de arrecadação de impostos227; por isso, as Câmaras, através dos seus Códigos de Postura, controlavam a sua poda e a sua manufatura. Esse trabalho era desempe- nhado por agentes de fiscalização, remunerados com 1:200$000 réis,228 responsáveis por impedir a extração desenfreada229.

Já na esfera do governo Provincial, a erva-mate era controlada por medidas protecionis- tas que asseguravam a sua qualidade. Por exemplo, em 1867 o presidente da Província sancionou a Lei 657 de 19 de Julho que autorizava somente os portos de Rio Grande, Jaguarão, Uruguaiana e Itaquy a embarcar carregamentos de herva-mate para fora da Província230. Em 1869, outro exemplo, com a Lei 657, o governo estendeu a autorização de comercialização da erva também aos Portos de São Borja e Porto Alegre. Com a mesma Lei, o despacho foi designado aos fiscais municipais para evitar as fraudes do produto,231 combatidas desde 24 de fevereiro 1859 por meio do regulamento 53 que já os autorizava a queimar erva-mate fora dos padrões de especificação. Todos os elementos elencados acima contribuíram para que comércio da erva-mate se tornasse parte da pauta de exportação. Segundo o Jornal a Reforma, em reportagem publicada em 08 de agosto de 1869, sobre a exportação do ano anterior (1868) os principais produtos exportados pelo porto de Porto Alegre, do referido ano, foram principalmente a herva-mate, 80.590 arrobas, o charque, 51.505 arrobas, e os derivados de origem bovina (sebo 6,587 arrobas, graxas, 922 arro-

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Leon Pomer. Paraguai: Nossa Guerra Contra Este Soldado. São Paulo, SP: Centro Ed. Latino Amer. 1928. P, 49. 227

Paulo Zarth. Op. Cit. p, 60-70. 228

Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Coleccão dos Actos, regulamentos e instruções Expedidos pela presidencia da provincia em 1861. Tomo XVII. Tipographia do Jornal a ordem. 1861.

229

Paulo Zarth. Op. Cit. p, 31 230

Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Collecção das Leis e Resoluções e Actos da Pro- víncia de S. Pedro do Rio Grande do Sul. Tomo XXIII. 1º sessão da 13º Legislatura. Tipographia Riograndense. 1869

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Rio Grande do Sul. Assembleia Legislativa. Biblioteca Borges de Medeiros. Collecção das Leis e Resoluções e Actos da Pro- víncia de S. Pedro do Rio Grande do Sul. Tomo XXIII. 1º sessão da 13º Legislatura. Tipographia Riograndense. 1869.

bas, entre outros)232. Assim, na capital, a exportação de erva, segundo essa reportagem, foi maior que a exportação do charque, considerado o principal produto econômico da Província. Eviden- temente esses índices não relevam a realidade de todo o período em estudo e nem mesmo a refle- te a realidade dos demais portos da província, uma vez que, esses volumes de exportação não se mantinham constantes, mas ao menos revela certa flexibilidade e capacidade do porto para rece- ber quantidades e variedades de produtos distintos.

Figura 3.5 – Gráfico do volume de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1864-1870.

Conforme mencionado na sessão 3.2, para mensurar com maior precisão a quantidade de erva-mate exportada durante o período da Guerra do Paraguai foram catalogados e analisados os seguintes índices de exportação: o volume, o valor e o preço. O gráfico da Figura 3.5 apresenta o volume total da erva-mate exportada.

Para os anos de 1864-70, os volumes de exportação, em sacos de 60 Kg, da erva-mate, do feijão, da farinha de mandioca e do milho apresentaram diferenças quando comparados ao período anterior ao conflito (1856-63). De acordo com o gráfico, o volume de exportação da er- va-mate, entre 1864-67, apresentou uma média de 70 mil sacas. Em 1868, reduziu para 40 mil e, entre 1869-70, recuperou para a faixa de 60 mil. Essas observações mostram que o volume de

232

Exportação. Jornal A Reforma. Porto. 22 de agosto de 1869.. 52, p, 4. Museu da Comunicação Social Hipólito da Costa.

0 20.000 40.000 60.000 80.000 100.000 120.000 140.000 160.000 180.000 200.000 1864 1865 1866 1867 1868 1869 1870 Saca s d e 6 0 kg Anos Volume de Exportação

exportação do mate, comparado ao período anterior à guerra, foi, como esperado, sensivelmente maior, principalmente nos quatro primeiros anos. Convém destacar que, durante o conflito, os outros produtos, o feijão, a farinha de mandioca e o milho, tornaram-se mais representativos, com especial destaque para a farinha de mandioca que no ano de 1868 alcançou a marca de 180 mil sacos exportados. Porém, ao longo dos cinco anos de batalha, a erva-mate ainda foi o produto com os índices mais estáveis.

Figura 3.6 – Gráfico dos valores de exportação dos produtos agrícolas nos anos 1864-1870. Para os mesmos anos de 1864-70, os valores de exportação, em contos de réis, da erva- mate, do feijão, da farinha de mandioca e do milho, estão expostos no gráfico da Figura 3.6. Se- gundo este, entre 1864-67, a erva-mate foi o gênero alimentício com maior rentabilidade, se comparada aos demais produtos. Em 1868, apresentou uma queda no valor arrecado, cerca de 443.000$00 contos de réis, devido ao baixo volume na exportação (gráfico da Figura 3.5). Em 1869, recuperou para a faixa de 60 mil e, em 1870, ano final da guerra, aumentou próximo a 900.000$00 réis, maior arrecadação do período.

Vale salientar que os valores da erva-mate oscilaram em torno de 685.00$00, enquanto que, para o período anterior da guerra, esses mesmos valores apresentaram forte tendência de queda. Todos os demais produtos apresentaram um ligeiro aumento em relação ao período anteri-

- 100.000 200.000 300.000 400.000 500.000 600.000 700.000 800.000 900.000 1.000.000 1864 1865 1866 1867 1868 1869 1870 Val o res em Rés ($ ) Anos

Erva-mate Feijão Farinha de Mandioca Milho

or, com destaque para o feijão. Em 1868, inclusive, este apresentou dividendo maior do que o mate, aproximadamente 700:00$00 mil réis.

Figura 3.7 – Gráfico do preço de exportação dos produtos nos anos 1864-1870.

Por fim, ainda para os referidos anos, os preços de exportação, em réis por saca de 60 Kg, da erva-mate, do feijão, da farinha de mandioca e do milho, estão mostrados no gráfico da Figura 3.7. Este confirma que o preço da erva-mate, diferente do período anterior no qual houve tendência de queda, estabilizou-se, com pequenas oscilações, em torno do valor médio de 10.70$00. Os preços dos demais produtos, assim como o da erva-mate, também convergiram para valores mais estáveis.