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A Apropriação em Palmeira das Missões

2.4 OS APOSSAMENTOS EM ÁREAS DE ERVAIS

2.4.2 A Apropriação em Palmeira das Missões

Palmeira das Missões se emancipou do município de Cruz Alta, em 06 de maio de 1874147. As motivações para os primeiros núcleos de ocupação desse município estavam correla- cionadas à extração da erva-mate, abundante naquela região, e posteriormente à pecuária. A ocu- pação desorganizada dessas áreas, pouco a pouco, formou uma população com interesses socioe- conômicos e políticos distintos. Isso, com o tempo, contribuiu para o surgimento de vários confli- tos agrários.

Um desses casos, por exemplo, ocorreu em Campo Novo, segundo distrito do município de Palmeira das Missões, considerado área comunal de exploração de erva-mate, regulamentada desde 1861 por determinação do governo Imperial. Em 1876, a Câmara Municipal desse municí- pio enviou uma correspondência oficial ao Presidente da Província, Dr.José Antônio de Azevedo Castro, para acusar o Juiz Comissário de Passo Fundo, Benedito Marques da Silva Acauã, por autorizar mais de 20 medições ilegais de campos e matos nos rincões do referido distrito, com o intuito de tornar essas áreas terrenos privados. Segundo a Câmara municipal, tais terras eram

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Lígia Osório. Op. Cit. 168-69. 146

Lígia Osório. Op. Cit. p, 197 147

consideradas devolutas e de servidão pública, conforme decisão do governo Provincial148. Por conta disso, os vereadores solicitavam as devidas providências do governo provincial, para impe- dir a continuação das medições do Juiz Comissário que, com suas medidas, favorecia as compa- nhias de colonização e grandes fazendeiros. Entretanto, já havia caboclos que sobreviviam nessas terras e que, embora alegassem a falta de documentação que legitimassem a posse dos terrenos, reivindicavam o direito por usucapião dessas áreas consideradas, a muitos anos, de servidão pú- blica149.

Em princípio do corrente mês o juiz comissário deu começo à medição dos ter- renos naquele distrito em cuja medição dividiu o Campo Novo, ocupado por mais de três mil almas há anos. Cujo campo fora questionado por outros cida- dãos, que se chamavam à posse há mais de vinte anos, cujo campo, por uma sen- tença ficou sendo propriedade municipal onde os habitantes tinham suas resi- dências nos capões e imensas árvores de erva-mate, de onde se fabrica milhares de arrobas da dita erva, para exportação e mesmo de onde se fornecem de ma- deiras para o mister de suas habitações e hoje que o dito juiz Comissário não tendo em consideração os graves prejuízos que causa aos habitantes do sobredito distrito em dividir a meia dúzia de interessados fazendo assim um prejuízo con- siderável a Ilma. Câmara sobre as rendas do município, visto que os ervais do comum ficam pertencendo a propriedade particular150.

Em outro documento da Câmara Municipal, os vereadores alegavam que os caboclos, presentes nas regiões dos ervais, estavam amparados pela Lei do Código de Postura do Município e ainda acusavam o Juiz Comissário de “sega ambição para incluir essas terras como áreas agrí- colas destinadas a colonização151”.

Em ofício de 10 de agosto de 1876, o presidente da Província solicitou esclarecimentos ao Juiz Acauã152, que respondeu ao governo provincial que a Câmara de Palmeira queria que aquelas áreas permanecessem como servidão pública, contrários aos interesses progressistas das companhias de Colonização. Segundo ele, a Câmara o atacava porque tinha interesses na disputa dessas terras e, por conta disso, também fazia suas próprias demarcações, que as concediam a terceiros ilegalmente. Isso desrespeitava as posses legais e, além disso, incitava o mal exemplo a

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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên- cia da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Nº 18. Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 26 de junho de 1876

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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên- cia da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Nº 10. Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 26 de junho1876

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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên- cia da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 26 de junho de 1876.

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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên- cia da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. S/m Nº. Maço 75 c, Lata 124, Cx 43, de 04 julho de 1879

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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên- cia da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 10 de agosto de 1876.

população local que considerava desnecessário a regulamentação das propriedades, pois não es- tava habituada a necessidade desses registros153.

Três anos após esse embate, a questão de terras públicas e coletivas reacendeu, devido a denúncias similares, com uma nova correspondência oficial da Câmara de Palmeira das Missões. Em 1879, o novo Juiz Comissário Tibúrcio Álvaro de Siqueira Fortes também foi o protagonista de disputas de terras entre os órgãos municipais e pequenos posseiros:

A Camara (sic) municipal da Villa de Palmeira se apresenta ao governo Imperi- al, a inclusa representação, por ela informada, de diversos moradores do mesmo município contra o respectivo Juiz Commipario (sic), não só por haver este mandado commprender (sic) nas medições de posses existentes entre os rios Turvo, Uruguai e Varzea (sic), terras em que há hervais (sic). Aos quais pelos anos de 20 de maios de 1861 foram concedidas para uso comum (sic) dos res- cpectivos (sic) moradores, mais ainda autorizando a medição de outras que tem contra si a lei de 1850, e mais por haver feito medir uma posse que comprou a José Joag Cordeiro por este estabelecido posteriormente a lei citada e Reg. De 1854... Na citada representação se pede a suspensão da medicao (sic) naquela localidade154

O manuscrito acima, tal como o documento anterior, revela o desrespeito à legislação e o abuso de poder daqueles que deviam cumprir a Lei. Essa petição dos caboclos moradores do Campo Novo, enviado à Câmara Municipal de Palmeira, também denunciava a demarcação ilegal de terras, autorizada pelo Juiz Comissário Tibúrcio Álvaro de Siqueira Fortes.

De acordo com esses registros, com a intensificação da privatização de terras devolutas, subsequentes ao advento da Lei de Terras de 1850, os conflitos, entre os diversos extratos sociais que disputavam esses espaços, tornavam-se cada vez mais latentes. Nas áreas em disputas, vivi- am os despossuídos, os caboclos, os negros, os índios, os escravos fugidos e os caboclos, que sobreviviam da extração da erva-mate e pequenas culturas de subsistência. Por outro lado, as mesmas áreas interessavam tanto aos grandes proprietários rurais, desejosos de manter o mono- pólio da terra, quanto às companhias de colonização, que obtinham proveitosos lucros com a venda de lotes para os colonos. Para os órgãos públicos competentes, esses conflitos se tornaram complicados para administrar; como, por exemplo, o caso da Câmara Municipal de Palmeira das Missões que não sabia como arbitrar diante de tantos casos de litígio e que, ao mesmo tempo, não

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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên- cia da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Nº 10. Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 26 de junho1876

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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondência da Câmara Municipal de Palmeira das Missões. Nº 74 b. Maço 97, Lata 124, Cx 43, de 28 de dezembro de 1879.

sabia como se defender da acusação de doações ilegais de terras. Com isso, a legalização das ter- ras era um problema dúbio para os órgãos municipais: a compra, ou a posse ilegal, em regiões de ervais colaborava com a expulsão dos pequenos extratores de erva-mate, que pagavam impostos sobre a exploração e venda desse produto, enquanto que os grandes proprietários e colonos, por não depender diretamente dessa atividade econômica, não contribuíam com as mesmas quantias; por outro lado, a permanência dos caboclos reduzia o espaço para os imigrantes, mão de obra laboriosa e responsável por introduzir novas técnicas de cultivo.