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A COLONIZAÇÃO E O AVANÇO SOBRE OS ERVAIS

Na província do Rio Grande do Sul, Santa Cruz (1849), Santo Ângelo (1857), Nova Pe- trópolis (1858) e Monte Alverne (1859) foram as primeiras colônias a surgir. Nestas, entre 1849 e 1973, ingressaram cerca de 22 mil imigrantes, a grande maioria oriundos da Alemanha117. Elas se localizavam nas regiões do Vale de Taquari e Rio Pardo e do Rio Caí, repletas de densas flo- restas e desprovidas de acesso, o que dificultava o trânsito de pessoas e mercadorias. Logo essas novas colônias se integraram com os demais municípios da Província por meio da abertura de estradas, em parte construídas pelos próprios colonos como forma de abatimento da dívida da imigração118.

Com poucos instrumentos de trabalho, os imigrantes inicialmente cultivaram a terra de maneira similar à praticada pelos pequenos agricultores brasileiros, ou seja, o preparo do solo ainda estava baseado no método da coivara. Como a extensão das plantações dos colonos era maior do que as áreas comumente plantadas pelos caboclos, a devastação das matas nativas se intensificou nas imediações das colônias pois a maioria dos estrangeiros recebia lotes com cerca de 25 hectares e procurava usufruir de todo espaço disponível. Uma carta de um colono aos seus

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Jorge Luiz da Cunha. Os Colonos Alemães e a fumicultura. Santa Cruz do Sul: Fisc. 1991. 117

Paulo Pinheiro Machado. Op. Cit. p, 16 118

familiares oferece, de certa forma, um retrato dessa realidade e demonstra as dificuldades enfren- tadas pelos imigrantes nesse período inicial.

[...] a mata era floresta virgem, árvores grossas, seculares, de todos os tipos, terra excelente com profunda camada de húmus de inigualável fertilidade para qual- quer cultura [...] Não sabíamos ‘fazer roça’ cortando primeiro a vegetação baixa a foice e depois as árvores, deixando secar um pouco tudo para em um dia quen- te incendiá-la. Atiramo-nos ‘a mata como um inimigo atacando-o com todas as ferramentas que dispúnhamos, facões, machadinhas, machados e serras, mane- jando-os ‘à (sic) torto e a direito’, sem método cortando arbustos, samambaias, árvores pequenas e grandes, numa sequência desordenada e num esforço bru- tal119.

Possivelmente, essa prática de substituição de cultura fez com que muitos imigrantes destruíssem áreas de ervais. O presidente da Província em 1858, Ângelo Muniz da Silva Ferraz, destacou em seu relatório que, devido à negligência com o trato desses matos, esse importante ramo da riqueza provincial se tornaria escasso. De acordo com ele, os colonos estragavam e der- rubavam os ervais, pois não compreendiam os seus benefícios120. Algumas autoridades solicita- ram providências governamentais e sugeriram a criação de uma legislação que proibisse a derru- bada dessas árvores. No entanto, essas solicitações não foram atendidas.

Tabela 2.1 – Produção de erva-mate nas colônias. Ano Quantidade (Arrobas) Preço (Réis) Colônia

1842 8 2$400 São Leopoldo 1843 24 2$500 São Leopoldo 1844 10 2$200 São Leopoldo 1845 393 2$200 São Leopoldo 1856 150 - Santa Cruz 1865 420 - Estrela 1869 156 - São Luís 1876 253 - Nova Petrópolis

Embora os colonos praticassem a destruição indiscriminada dos ervais, através da inves- tigação dos relatórios dos presidentes da Província do Rio Grande do Sul no período entre 1845 e 1889, ainda se encontra, mesmo que em pequena proporção, alguma informação a respeito da

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Roger Stoltz. Cartas de Imigrantes. Porto Alegre: Suliani. 1997 p, 58-59. 120

Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Angelo Monis da Silva Ferraz. 1 sessão da 8 legislatura. Porto Alegre. Typographia Correio do Sul 1858, p, 33.

extração e produção da erva-mate nas colônias, o que leva a crer que o seu consumo também fa- zia parte do processo de adaptação dos imigrantes. Os relatórios de Província sobre colonização apresentam as quantidades de erva vendida resumidas na Tabela 2.1121.

Segundo o relatório de Presidente de Província de 1876, na ponta da serra, próximo à co- lônia do Rio Pardo, existia uma povoação germânica com cerca de 213 moradores que, em 1874, possuía um engenho a vapor para socar erva e descascar arroz122. Além desse exemplo, o relató- rio de 1876 da Câmara Municipal do mesmo município menciona que o comerciante Guilherme Bernhard, imigrante alemão era dono de um estabelecimento de socar erva avaliado em dois con- tos de réis123. Esses relatos de engenhos contradizem a hipótese corrente de que os colonos não se dedicavam ao extrativismo e beneficiamento do mate. Para construir tais empreendimentos, é provável que esses imigrantes possuíssem capital e avaliassem tal atividade como lucrativa.

Outros exemplos também elucidam uma certa produção e consumo de erva-mate nas co- lônias. A documentação redigida por João Martins Buff, presidente de Santa Cruz em 1869, relata que a viúva Ostereich e seus três filhos tinham, como principal atividade econômica, a extração dos ervais presentes no interior e nas proximidades da propriedade deles, localizada na Picada Santa Cruz próximo à divisa com a colônia Monte Alverne124. Já no Relatório Provincial de 1856, consta que a colônia Estrela colheu e beneficiou, naquele ano, 500 Kg de erva-mate, dos quais 420 foram destinados ao mercado125. Supõe-se que o restante ficou para o consumo dos próprios colonos, os quais, de acordo com a carta do imigrante Josef Umann, passavam por difi- culdades financeiras, especialmente nos primeiros anos, e por isso não podiam comprar bebidas caras como cerveja ou vinho. Assim, cedo se habituaram ao consumo de chimarrão126. Esses exemplos ajudam a sustentar a hipótese de que os colonos, além de produzir diferentes gêneros

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Tais informações foram consultadas nos seguintes Relatórios de Presidentes de Província: Relatório apresentado pelo Presiden- te de Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Lins Vieira Cansansão de Siminbu. Porto Alegre. Tipographia do Mer- cantil. 1855; Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Marcelino de Souza Gonzaga. Rio de janeiro. Typographia Universal de Laemmert. 1865. p, 101; Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Sertório, Porto Alegre. Typographia do Rio Grandense. 1870, p, 70; Relatório apresen- tado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Antônio de Azevedo Castro. Porto Alegre. Typogra- phia do Rio Grandense. 1876. p, 39.

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Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, Carvalho de Moraes. Porto legre. 1874.

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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên- cia da Câmara Municipal de Taquari. Maço 65, 28 de junho de 1876.

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RIO GRANDE DO SUL (Estado). Memorial do Rio Grande do Sul. Arquivo Histórico do Rio Grande do Sul. Correspondên- cia da Câmara Municipal de Taquari. Maço 65, 08 de julho de 1969.

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Relatório apresentado pelo presidente da Província de São Pedro do Rio Grande do Sul, João Marcelino de Souza Gonzaga. Rio de janeiro. Typographia Universal de Laemmert. 1865, p, 101

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agrícolas, também se dedicavam à produção da erva-mate, fato ainda pouco trabalhado pela histo- riografia e dependente de uma investigação mais aprofundada.

O fato é que a aquisição das terras pelos imigrantes transformou a região do vale do Rio Pardo e Taquari em diversos aspectos, tanto na ocupação geográfica quanto nas atividades eco- nômicas. Os imigrantes, alojados em pequenas propriedades, desenvolveram uma economia di- versificada e modificaram a paisagem natural em detrimento do crescimento regional127. Entre- tanto, as terras destinadas à colonização já estavam ocupadas128, existia grande massa de caboclos que se dedicava à agricultura itinerante e à extração de erva-mate em um sistema de apossamento de terras129. Essa população era vista por alguns integrantes da Câmara de Vereadores de Taquari como indesejável. De acordo com eles, o processo de colonização, além de levar o progresso à região de matos, deveria resolver alguns “problemas sociais”, como a expulsão dos homens po- bres e livres. Nesse sentido, esses vereadores acreditavam que com a venda das terras eles presta- vam um serviço significativo ao município, pois levavam paz e sossego àquelas áreas. Esse pode ter sido um dos motivos pelos quais alguns homens públicos não atuaram no controle do avanço das grilagens e das posses indevidas sobre os ervais130. É difícil afirmar com precisão a causa desse preconceito. Supõe-se que eles acreditavam que, em meio a grande massa de caboclos, existiam desertores de guerra, escravos fugidios e criminosos foragidos, todos mal vistos pelas autoridades. A despeito dessa motivação, as áreas de ervais, durante toda a segunda metade do Império, nunca deixaram de ser regiões conflituosas, fato que será melhor trabalhado nas próxi- mas sessões.

O comércio de terras públicas gerou grandes fortunas aos integrantes das companhias de colonização particulares, que se apossavam das áreas de forma ilegal, ou compravam terras do Estado a valores módicos, e as revendiam, em regime de parcelamento, aos imigrantes em forma de lotes coloniais de 25 hectares, precificados em geral de acordo com a existência de água na propriedade, com as condições topográficas da mesma e com a proximidade de estradas131. As terras da região do alto Taquari, ao longo dos anos 60 e 70, eram as mais procuradas e disputadas para a criação de colônias particulares, entre as quais se destacaram Mariante, Conventos, Teutô-

127 Lurdes G. Ardenghi. Caboclos, Ervateiros e Coronéis. Luta e Resistencia no Norte do Rio Grande do Sul. Passo Fundo. UPF.2003. p.31

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Paulo A. Zarth. Do arcaico ao moderno: o Rio Grande do Sul agrário do século XIX. Ijuí: Unijuí, 2002. p, 98 129

Lurdes G. Ardenghi. Op. Cit. p, 42. 130

José Paulo Eckert. Op. Cit. 131

nia e Estrela. Além disso, os filhos dos primeiros imigrantes, devido ao alto crescimento vegeta- tivo, também migraram e adquiriram novos lotes de terra dessas companhias de colonização. Esse movimento corroborou para a rápida ocupação do vale dos rios dos Sinos, Caí, Rio Pardo e Ta- quari. Posteriormente, esse processo de colonização se estendeu para o norte e para o noroeste da Província. No final do século XIX, as regiões do vale do Taquari e Rio Pardo já estavam total- mente loteadas. Por conta disso, novas áreas foram incluídas nas rotas de expansão colonial. As companhias de colonização compraram terrenos de particulares e negociaram terras devolutas em Cruz Alta, Palmeira das Missões e Passo Fundo. O processo de colonização dessas áreas ocorreu próximo ao fim do período Imperial e nos primeiros anos da República. A Figura 2.1 mostra es- sas zonas de povoamento de imigrantes, quase todas com a presença de ervais nativos.

Figura 2.1 – Mapa das áreas de colonização no Rio Grande do Sul132.

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A mercantilização das terras no norte e no noroeste da Província promoveu o interesse de empresários que procuravam transmitir o ideal de que se sacrificavam para atingir projetos grandiosos de progresso e civilização. Várias empresas de colonização, fundadas por capital es- trangeiro, instalaram-se nessas regiões: a Dr. Herrmann Meyer, a Caetano Pinto e Irmão e Hol- tzweissing Luce, a Rosa & Cia., a Schmitt & Oppitz, a Silva & Cia., a Colonizadora Matte, a Jeiwish Colonization Association, a Schilling Göelzer e Almeida, a Colonizadora de H.A. Hac- ker, a Firma Gomes, a Sul-Rio-Grandense e Sturm & Cia., entre muitas outras133.

Figura 2.2 – Gráfico de evolução dos preços de terras no planalto rio-grandense134.

O aparecimento de tantas empresas de colonização provavelmente colaborou com a va- lorização territorial em áreas de matas nativas, algumas também regiões de ervais. A Figura 2.2 apresenta a dinâmica desses negócios na segunda metade do século XIX e a forte valorização monetária dos terrenos rurais nas regiões Norte e Noroeste da Província. A curva verde mostra o preço máximo, enquanto que a curva azul mostra o preço mínimo, ambas em réis por hectare, da venda de terras no período de 1851-86. De acordo com as curvas, no período de 1861-86, há uma evidente diferença entre os valores máximos e mínimos de aquisição dos terrenos, fato também

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Aldomar A. Rückert. Op. Cit. p, 124-125 134

Paulo Afonso Zarth. Do Arcaico ao Moderno: o Rio Grande do Sul agrário do século XIX. Ijuí: UNIJUÍ, 2002.

0 5000 10000 15000 20000 25000 1851 1856 1861 1866 1871 1876 1881 1886 1891 1896 Reis p o r h ect ar

Preço das Terras no Planalto Rio-grandense

Preço Máximo em Réis Preço Mínimo em Réis

constatado nos anos de 1886-96. Isso pode indicar que houve forte especulação no preço da terra durante esses períodos. A diferença máxima registrada ocorreu no ano de 1896, com preço míni- mo de 2100 e com preço máximo de 22000, uma razão 10 vezes maior que o valor original da terra registrado anteriormente.

Além dessas companhias, a exploração da erva-mate teve sua parcela de contribuição com a apropriação e a valorização das matas provinciais. Como a produção ervateira garantia altos rendimentos no mercado platino, essa atividade atraiu os caboclos, os grandes proprietários e os imigrantes. Isso, por conseguinte, estimulou o comércio de terras em regiões de matas de ervais públicos. Com a desenfreada apropriação destes, as disputas por essas áreas, antes de uso coletivo, engendraram uma série de apossamentos e grilagens.