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4. METODOLOGIA E CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO

4.2. A Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios

Em 18 de maio de 2005, uma reportagem da Revista Veja39, intitulada “O homem-chave do PT”, revelou a existência de um esquema de corrupção envolvendo o diretor do Departamento

38 “Escândalo se refere a ações ou acontecimentos que implicam certos tipos de transgressões que se tornam

conhecidas de outros e que são suficientemente sérios para provocar uma resposta pública” (THOMPSON, 2002, p. 40).

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de Contratação e Administração de Material dos Correios e Telégrafos (ECT), Maurício Marinho, e o presidente do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Roberto Jefferson. Trechos de uma fita de vídeo obtida pela revista mostram Marinho tentando receber propina de empresários para “facilitar” o acesso de suas empresas no grupo das que fornecem equipamentos de informática aos Correios e cita o nome de Jefferson como suposto mandante. Assim, Jefferson é instaurado na trama como vilão.

O então deputado, presidente do PTB, componente da base de apoio e sustentação do Governo no Congresso Nacional, passou a apontar, em inúmeras manifestações na mídia nacional, a existência de um complexo sistema de financiamento ilegal dessa base de apoio, tanto em processos políticos ou eleitorais quanto fora deles. Cunhou-se, pois, o vocábulo “Mensalão” para descrever esse esquema e apontar os que nele se envolveram, salientando a participação, principalmente, de parlamentares, deputados federais. De vilão, Jefferson começa a se inscrever como herói no cenário brasileiro.

Motivada por essas denúncias, a CPMI dos Correios, presidida pelo Senador Delcídio Amaral (presidente) e pelo Deputado Asdrúbal Bentes (vice-presidente), foi, portanto, instaurada pelo Congresso Nacional, no Conselho de Ética da Câmara dos Deputados, no dia 9 de junho de 2005, para investigar irregularidades financeiras cometidas por agentes públicos e privados em órgãos do governo, em especial na “Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos” (Correios).

Assim, a CPMI dos Correios dedicou-se à análise de um vasto conjunto de dados, documentos, depoimentos e fatos relacionados a seu propósito. Para melhor organização dos trabalhos e visando a mais ampla participação das diversas correntes políticas que compõem a CPMI, o relator, Deputado Osmar Serraglio, dividiu a orientação de investigação em linhas que correspondem as cinco sub-relatorias e às relatorias-adjuntas: i) relatoria-adjunta, coordenação e sistematização do trabalho (relatores adjuntos: Deputado Eduardo Paes e Deputado Mauricio Rans); ii) sub-relatoria de Movimentação Financeira (sub-relator: Deputado Gustavo Fruet); iii) sub-relatoria de Contratos (sub-relator: Deputado José Eduardo Cardozo); iv) sub-relatoria de Fundos de Pensão (sub-relator: Deputado Antônio Carlos Magalhães Neto); v) sub-relatoria de Normas de Combate à Corrupção (sub-relator: Deputado Onyx Lorenzoni); vi) sub-relatoria do Instituto de Resseguros do Brasil (IRB): (sub-relator: Deputado Carlos William).

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Os trabalhos contaram com a participação de servidores do Senado Federal, da Câmara dos Deputados, do Tribunal de Contas da União e órgãos da Administração Pública Federal como o Banco Central e o Banco do Brasil. Posteriormente, houve o reforço de empresas de auditorias privadas contratadas pela Presidência do Congresso Nacional. A equipe contou também com a colaboração da Polícia Federal, da Receita Federal e do Ministério Público Federal.

Parte das investigações foi realizada no e pelo Tribunal de Contas da União, em um ajuste estabelecido entre aquela Corte e esta CPMI. Ademais, as auditorias da Controladoria-Geral da União foram valiosas para a CPMI.

A CPMI dos Correios debruçou-se sobre extensa base de dados, talvez a maior analisada em investigações dessa natureza empreendidas pelo Congresso Nacional. Nos nove meses de trabalho, a base de dados dos sigilos bancários foi carregada com mais de 20 milhões de registros bancários e 33,8 milhões de registros telefônicos. Dezenas de pessoas – entre elas, o ex-ministro José Dirceu – tiveram suas vidas investigadas. Marcos Valério e suas empresas foram virados do avesso.

A CPMI dos Correios deu origem a outras CPIs, como a do “Mensalão”, por exemplo. O desenrolar das investigações e das CPIs chamou a atenção para outros escândalos que envolveram o partido do governo brasileiro em 2005, o Partido dos Trabalhadores (PT), e eclodiram antes do aparecimento das primeiras grandes denúncias sobre a existência do Mensalão.

Em 2004 estourou o escândalo dos Bingos e em maio de 2005 o escândalo dos Correios. As investigações das CPIs trouxeram ainda para a pauta de discussões a misteriosa morte do prefeito Celso Daniel (2002) e as denúncias de corrupção na Prefeitura de Santo André (São Paulo), administrada por ele.

Dois inquéritos foram conduzidos. O primeiro, de abril de 2002, concluíra por seqüestro comum, uma casualidade. Um segundo inquérito, conduzido pela Dra. Elizabete Sato, indicada pelo então Secretário Saulo de Abreu, aberto no segundo semestre de 2005, novamente levou à tese de crime comum. O inquérito, com data de 26/09/2006, é anterior ao

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primeiro turno das eleições presidenciais. Sua repercussão na mídia só se deu no final de novembro de 2006. Vejamos a figura 3:

FIGURA 3 - A relação entre os principais escândalos40

Por conseguinte, a crise do “Mensalão” envolveu não somente o escândalo provocado pela denúncia de compra de votos (o mensalão, propriamente dito), mas todos esses escândalos juntos, que de alguma forma ou de outra se relacionam. Um dos elementos que ligam esses outros eventos com o “Mensalão” são as acusações de que em todos eles foram montados esquemas clandestinos de arrecadação financeira para o PT. O dinheiro oriundo desses esquemas, pelo menos em parte, poderia ter sido usado para financiar o “Mensalão”. Agora essa hipótese, ao menos em tese, se choca com a descoberta, em julho de 2008, de que o Banco Opportunity foi uma das principais fontes de recursos do “Mensalão”: as investigações da Polícia Federal apontaram que empresas de telefonia privatizadas, então controladas pelo banqueiro Daniel Dantas, injetaram mais de R$ 127 milhões nas contas da DNA Propaganda, administrada por Marcos Valério, o que alimentava o caixa do Valerioduto41.

Com o desenvolvimento da crise surgiram ainda novas denúncias e novos escândalos como, por exemplo: o escândalo dos fundos de pensão, do Banco do Brasil, esquema do Plano Safra Legal, a suposta doação de dólares de Cuba para a campanha de Lula e a quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo.

Durante o evento, à medida que os indiciados se pronunciavam, novas personagens eram inseridas na trama, conforme interesses da CPMI. Vejamos o quadro 1:

40 Embasado em: ESCÂNDALO DO MENSALÃO. In: WIKIPEDIA: a enciclopédia livre. Disponível em:

<http://pt.wikipedia.org./wiki/Esc%C3%A2ndalo_do_mensal%C3%A3o

41 Operação da PF prende Celso Pitta, Naji Nahas e Daniel Dantas. Folha Online, 8 de julho de 2008.

Quadrilha: Daniel Dantas e Naji Nahas comandavam organizações voltadas a crimes financeiros. O Globo

Online, 8 de julho de 2008.

Mensalão

Caso Celso Daniel

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QUADRO 1

Ordem dos depoimentos dados pelos principais indiciados à CPMI dos Correios Sr. Mauricio Marinho em 21/06/2005 (1ª parte)

Sr. Mauricio Marinho em 22/06/2005 (2ª parte) Deputado Roberto Jefferson em 30/06/2005

Sr.Marcos Valério Fernandes de Souza em 06/07/2005 Sr.Delúbio Soares em 20/07/2005

Sr. Mauricio Marinho em 29/09/2005 (Depoimento "Reservado")

Conforme dissemos na introdução deste trabalho, é importante lembrar que estamos considerando a CPMI dos Correios um evento discursivo híbrido, produzido pela ação da instância discursiva parlamentar, no qual os locutores se posicionaram, na situação monolocutiva e contando com o concurso da mídia, para persuadir seu interlocutor - o cidadão - de algo relativo ao bem comum ou àquilo que se apresentava como útil a todos nas representações da democracia política. Entretanto, os mesmos parlamentares se tornaram inquiridores e promotores do inquérito, ou espectadores, acusadores de uma contravenção do colega e/ou acusados (réus), a partir da denúncia de um terceiro, em uma dinâmica interlocutória que se assemelhava ao discurso dos tribunais e à distribuição da justiça.