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4. METODOLOGIA E CONDIÇÕES DE PRODUÇÃO DO DISCURSO

4.4. Procedimentos metodológicos

Em um primeiro momento, realizamos uma análise global, horizontal, dos textos de Roberto Jefferson. Apesar de exaustiva, essa análise se mostrou bastante produtiva, uma vez que nos permitiu comprovar parte da hipótese inicial: as principais estratégias agenciadas por Roberto Jefferson durante a CPMI dos Correios consistiam na construção de imagens de si e do outro, tendo em vista suscitar sentimentos/emoções no interlocutor, por meio de recursos lingüísticos e/ou discursivos constitutivos dos modos de organização discursiva enunciativo, narrativo, descritivo e argumentativo. Além disso, a análise nos permitiu, também, identificar, já de antemão, algumas estratégias recorrentes mobilizadas pelo indiciado durante o evento.

Observamos que o sujeito falante, à medida que tomava a palavra, procurava se constituir em meio às denúncias e inquirições ora como político honesto e sério; ora como cidadão honrado; ora como advogado competente; ora como ser humano “comum”; ora como guia supremo, na figura do herói e do profeta, imagens que “expressavam” valores reverenciados na sociedade como, por exemplo, honestidade, honradez, competência, fidelidade, amizade, lealdade, seriedade, religiosidade etc.

De forma explícita ou implícita, ele deixava no discurso rastros nos quais podíamos identificar dada imagem que ele acreditava poder suscitar, no interlocutor, sentimentos que o levassem a tomar determinados posicionamentos a seu favor.

Para isso, o sujeito falante agenciava, durante a enunciação, recursos lingüísticos e/ou discursivos constitutivos dos modos de organização discursiva enunciativo, narrativo, descrito

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e argumentativo. Ele tecia, por exemplo, atributos, positivos ou negativos, a outros sujeitos envolvidos no evento, o que punha a nu não só sua imagem como também a do outro.

Quanto a esse aspecto, é importante frisar que o sujeito falante mudava de estratégia tendo em vista o desenrolar dos fatos. Ora ele predicava positivamente determinado sujeito, ora ele o predicava negativamente, como o fez com José Genoíno, presidente do PT, por exemplo. Além disso, o sujeito falante se preocupava em esclarecer os fatos disseminados na e pela mídia, uma vez que parecia supor que o interlocutor ignorasse saber do ocorrido ou duvidasse da verdade desse saber. Nesse sentido, às vezes dizia ter conhecimento de um saber que outros teriam voluntariamente escondido como, por exemplo, sobre o financiamento das campanhas eleitorais no Brasil; às vezes apresentava um saber, colocando-se em uma posição de denunciante, tal como a denúncia do pagamento do “Mensalão”; às vezes declarava verdadeiro um saber a propósito do qual ele supunha que o interlocutor tivesse dúvidas. Durante esse percurso, estrategicamente, ele mobilizava ainda outros atos de fala tais como, os refutativos, interpelativos, interrogativos, acusativos, de constatação, de intimidação, de agradecimento, além de alguns argumentos44 como, por exemplo, a ironia, a analogia, a comparação, o exemplo, a fábula e a metáfora.

O sujeito falante trazia, para dentro do discurso, a “fala” de outros sujeitos, através de provérbios, citações e narrativas religiosas, narrativas infantis e, principalmente, por meio do discurso direto, selecionando vocábulos que contribuíam para a construção da imagem pretendida, seja de si ou do outro, e que acionavam a memória discursiva do interlocutor, reforçando a argumentação. Ele agenciava estratégias que acreditava poderem legitimar seu “dizer”, dar-lhe credibilidade e, conseqüentemente, seduzir o interlocutor.

Essa análise nos permitiu, também, perceber a presença de um narrador-protagonista que intervinha na trama discursiva, exercendo a função actancial de agente-benfeitor, e ver, claramente, a quem o depoente se dirigia: parlamentares, cidadãos e mídia.

44 Consideramos argumentos os procedimentos lógicos e os discursivos como, por exemplo, a citação, a

comparação, a restrição, a disjunção, a fábula, o exemplo, a metáfora etc., propostos por Charaudeau (1992) e Aristóteles (2005).

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Assim, verificamos que as estratégias discursivas foram agenciadas pelo indiciado, durante o evento, em função de um jogo especular de imagens, com fins patêmicos. Portanto, a dimensão técnica (o logos) sustentava a dimensão representacional (as imagens de si e do outro) e a emotiva (pathos), no sentido de construtor de imagens que se pretendiam como patêmicas. Do nosso ponto de vista, isso mostrava que a dimensão representacional (as imagens de si e do outro) e a emotiva (o pathos) eram as provas mais importantes. No entanto, dentre essas, a dimensão representacional se configurava como a principal no processo argumentativo da CPMI dos Correios. A figura 5 ilustra a hipótese. Vejamos:

FIGURA 5 - Dinâmica argumentativa do depoente junto à CPMI dos Correios

Após essa análise, procedemos a uma segunda, visando a verificar se essas estratégias se confirmavam e se havia outras possíveis estratégias relevantes. Assim, observamos que as estratégias, identificadas na primeira análise, se confirmavam, sendo possível, portanto, a partir da Teoria Semiolingüística de Charaudeau (1983) sistematizar: a) no nível situacional: os contratos estabelecidos durante o evento; b) no nível semiolingüístico: as estruturas sintáticas e lexicais recorrentes; c) no nível discursivo: os modos de organização do discurso, sendo que nestes propusemos as seguintes grades de análise:

i) o dispositivo enunciativo: verificação e análise dos jogos que se estabeleceram durante o evento tais como, as formas pronominais e nominais assumidas pelo locutor; as relações de força e petição estabelecidas entre os interlocutores; os posicionamentos do locutor e as “vozes” trazidas por ele para dentro de seu discurso; M O N M O D M O A Modo Retórico

Ethos – Logos - Pathos

M O E

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ii) a cena narrativa: delimitação dos actantes e do desempenho de papéis narrativos; iii) a organização descritiva: identificação da nomeação, localização e qualificação

dos principais objetos discursivos, observando a função dessa organização;

iv) a cena argumentativa: descrição e análise dos principais procedimentos semânticos e discursivos;

v) a cena retórica: verificação e análise das principais imagens de si, dos efeitos patêmicos pretendidos e dos argumentos.

No entanto, tendo em vista a extensão do corpus, não era possível analisar, em profundidade, todo o material lingüístico. Nesse sentido, era preciso propor um recorte. Ou seja, seria necessário selecionar fragmentos que representassem, de forma sistemática e segura, o universo estudado. Mas que critérios usar?

Assim, fizemos uma “radiografia” da trajetória discursiva do depoente, selecionando os fragmentos que ilustravam melhor esse percurso. Essa “radiografia” consistiu em definir as seqüências temáticas do depoente durante o evento. Por exemplo: inicialmente ele negou as acusações e teceu justificativas para determinados fatos como seu relacionamento com Mauricio Marinho. Portanto, definimos “acusação” e “justificativa”. Recortamos, então, 137 fragmentos que delineavam a trajetória discursiva do indiciado. É importante frisar que nos depoimentos interessava-nos o material lingüístico produzido pelo depoente; mas, em virtude da necessidade de contextualização, em algumas partes dos depoimentos selecionamos o par pergunta/resposta.

Após o recorte, primeiramente, procedemos ao levantamento das categorias referentes à instância situacional, uma vez que pretendíamos analisar os contratos estabelecidos durante o evento. Posteriormente, analisamos os recursos lingüísticos sintáticos e lexicais e os modos de organização do discurso.

No próximo capítulo, realizaremos uma análise do corpus selecionado, tendo em vista identificar e analisar os contratos estabelecidos em cada um dos gêneros discursivos

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constitutivos da CPMI dos Correios (pronunciamento e depoimento) e as principais estratégias lingüísticas e discursivas agenciadas pelo sujeito falante durante o evento.

CAPÍTULO 04